Festas Cristãs

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Festas Juninas (Luís Pellegrini)

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“Com a filha de João,

Antonio ia se casar,

Mas Pedro fugiu com a noiva,

 Na hora de ir pro altar.”

 

Antonio, santo casamenteiro, com fama de homem bonito; João Batista, um dos patronos do cristianismo; e Pedro, que aparece aqui mais pelo seu lado “duvidoso” – foi ele quem renegou Cristo três vezes – estão imortalizados no cancioneiro popular. Os dias atribuídos ao aniversário de nascimento dos três, respectivamente 13, 24 e 29 Junho, assinalam um dos mais ricos e alegres ciclos de festividades populares cristãs.

Com suas fogueiras, fogos de artifício, comidas típicas, danças e cantigas, métodos de adivinhação do futuro, e um sem número de outros cerimoniais, as festas juninas chegaram ao Brasil na bagagem cultural dos primeiros portugueses. Permanecem vivas e ativas até os dias de hoje, principalmente nas pequenas cidades distantes dos grandes centros.

Nas metrópoles, como quase tudo o mais que diz respeito as nossas tradições, estão infelizmente, sendo submergidas pela maré dos rituais de discotecas, novelas de televisão e corridas de automóvel que assola o País. Pouca gente sabe que essas festas, hoje consideradas puramente cristãs, deitam suas origens em termos muito anteriores a nossa era, ultrapassando mesmo os limites da história conhecida. Faziam parte dos ritos agrários das primeiras civilizações européias e adquiriram definitiva na cultura dos celtas, povo “primitivo” europeu do qual os portugueses, principalmente os do norte de Portugal justamente os que mais emigraram para o Brasil, são descendentes diretos.

O dia 24 de junho, por exemplo, hoje dedicado a São João Batista, assinalava uma das máximas festas célticas, com características muito especiais. Este é o dia do solstício de verão no hemisfério norte, fenômeno astronômico que significa o grande momento da viagem do sol quando, depois de ir subindo dia a dia, cada vez mais alto no céu para, e a partir de então faz de volta o caminho celeste que havia trilhado. Essa data era vista com reverência e preocupação por aqueles homens antigos. Toda a vida daquelas comunidades essencialmente agrárias era regida por fenômenos astronômicos, e a mudança do ciclo solar representava na verdade o começo de um novo ano, evento fundamental para as crenças religiosas dos primeiros europeus.

Acreditava-se que, nesses momentos, abriram-se as portas que comunicam o reino da terra com o reino dos céus. Por um lado, as almas dos mortos podiam revisitar seus velhos lares para se aquecerem junto às fogueiras e se reconfortarem com as homenagens que lhes eram prestadas pelos velhos amigos e parentes. Assim, quando o celta de antigamente dançava ao redor da fogueira, comia, bebia e cantava, ele não fazia apenas para si, mas também para todas àquelas almas amigas que, acreditava, estavam a seu redor.

A importância dessas festas era tão grande entre os primeiros europeus, e o significado a elas atribuído estava tão fortemente arraigado nas pessoas, que a Igreja Cristã dos primeiros séculos, embora as considerando pagãs, não conseguiu acabar com elas. Foi, ao contrário, obrigada a inventar para elas um significado cristão. Confirmou-se assim, a 25 de dezembro, o aniversário de Jesus, e a 24 de junho o de São João Batista. Foi lançado sobre elas um véu cristão, declarando-se que as fogueiras e a alegria geral aconteciam em sinal de regozijo pelo aniversário do santo que batizara Jesus.

Melo Morais Filho, em seu livro Festas e Tradições Populares do Brasil descreve os preparativos para as Festas Juninas que testemunhara em várias localidades brasileiras, principalmente em Minas Gerais e em Estados do Nordeste: “aos primeiros clarões do dia, diversas árvores com especialidades palmeiras, barulhavam, arrastadas por foliões em tropas, que cavando oportunamente a terra as plantavam, amarrando-lhes em volta do topo carás, milho, cocos e feixes de cana, ao mesmo tempo em que tabaréus possantes arriavam do ombro pesados troncos e a precisa lenha, contornando-as em fogueiras.”

Os mastros de São João, longos troncos de madeira fincados no chão, no alto dos quais colocavam-se as efígies dos santos, reproduziam, por sua vez, a crença céltica nas árvores – principalmente o carvalho – sagradas, símbolos da ligação entre a terra e o céu.

Para se chegar até a morada dos santos era preciso escalar, usando as unhas e se necessário, os dentes, o pau de sebo que representava a própria existência humana com todas as suas experiências. As comidas e bebidas, em geral fortes e afrodisíacas, estimulavam os sentidos e favoreciam as práticas da fertilidade. Não é, portanto, á toa que o pé-de-moleque, feito com muito amendoim e açúcar queimado, e o quentão, a base de cachaça e gengibre, fazem parte das iguarias consumidas nas festas juninas.

            Para terminar, Permanecem até hoje a vontade de adivinhar o futuro que toma as pessoas nessas noites de festa. Qual moça do interior não fez a consulta da clara do ovo na noite de Santo Antônio para saber como será o rosto do homem com quem irá casar? Ou do jogo da chave, ou dos dados, das cartas do baralho, ou a leitura de tantos livros da sorte como o antigo Oráculo das Damas?

            A identificação das festas juninas com as belas figuras dos santos católicos nada veio alterar ou perturbar o sentido original desses rituais. Assim nas noites de Antônio, Pedro e João, faça seu pedido a estes santos benignos. Mas se tiver a oportunidade este ano de pular uma fogueira, queimar um fogo de artifício, beber um quentão ou comer seu pé-de-moleque, lembre-se que tudo isso faz parte de nossa identidade atávica mais profunda. Tudo isso está introjetado em nossa antiga alma céltica. Desconhecê-lo seria saber um pouco menos a respeito de nós mesmos.

           

Luis Pellegrini, jornalista.

Fonte: Jornal O estado de São Paulo – Suplemento de Turismo – 04/06/91

(Este texto foi extraído da aportila Cotovia Ano I - nº 2, maio/2006. Cotovia é uma publicação dirigida aos educadores da Educação Infantil da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura da Estância de Atibaia)