Histórias
O Reino de Luz dos Pássaros (Felicitas Muche)
A morada de luz dos pássaros é o céu imenso, para além do arco-íris, onde vivem todos os que têm asas, desde o menor beija-flor até o gigantesco condor. O condor tinha muito prestígio, mas, isso por ter uma filha muito linda.Ele desejava casa-lá com um príncipe dos pássaros, mas, ela amava a liberdade. Sempre que se aproximavam as noites dos santos de junho, principalmente a noite de São João, ela deixava o palácio paterno e voava em direção à terra. Conhecia uma lagoa entre as árvores de uma floresta, que ficava prateada ao luar.
A princesa dos pássaros voava sempre acompanhada por outros pássaros que deviam lhe servir de proteção. Quando alcançavam a lagoa, banhavam-se em suas águas prateadas pelo tempo em que a lua estivesse no céu. Certo dia, ao crepúsculo, a princesa vestiu-se com o mais belo traje de penas que o rei mandara confeccionar para ela. Era vermelho e tinha asas cor de prata.
Naquele mesmo entardecer, um jovem caçador a caminho de casa, que se atrasara na floresta, chegou á lagoa no instante em que um grupo de aves voava suavemente, em círculos, por sobre as águas que começavam a refletir o brilho prateado da lua. Admirado diante daqueles pássaros nunca dantes vistos, escondeu-se entre os caniços para observar.
Eram doze aves volteando, esvoaçando, girando, a mais bela entre elas, tinha penas vermelhas. Elas pousaram na beira do lago e retiraram suas vestes de penas. Eram agora lindas jovens que foram se banhar no lago.
O caçador não conseguia desviar seus olhos da mais bela entra as belas.
“ esta quero para minha esposa! Esta e nenhuma outra!’ pensou ele. Com todo cuidado alcançou a roupagem vermelha e puxou para si.
Alguma coisa fez com que as jovens se assustassem. Saíram da água e colocaram as vestimentas de penas, mas a mais bela não encontrou a sua roupagem. Procurou por todos os lados, chorou tudo em vão. As suas acompanhantes, aturdidas, logo levantaram vôo deixando-a sozinha. Vendo-a chorar tão amargamente, o jovem caçador aproximou-se e mostrando-lhe a roupa de penas vermelhas disse-lhe :”não chore tanto Assim!” Dê-me a minha vestimenta” , exclamou a princesa aproximando-se dele.
“dê-me! Eu sou a filha do rei dos pássaros e sem as minhas penas não poderei voltar ao meu reino!”.
O caçador permaneceu irredutível. As lamentações todas da princesa não o fizeram mudar de atitude. “meu pai o recompensará regiamente, se você me deixar voar”, sugeriu ela. Mas, o jovem caçador recusou. Ela teve de acompanhá-lo a casa e tornou-se sua esposa.
Três anos aviam se passado. A princesa dos pássaros se acostumara à Terra e queria muito bem seu companheiro. Ensinou-lhe a distinguir os muitos pássaros entre si, suas cores e ele ensinou-lhe tudo sobre os animais que habitam a floresta.
Por um bom tempo ela parecia feliz, contudo, aos poucos, começou a sentir tristeza, saudade. “Que tem você”, perguntou seu esposo. “Ah! Estou pensando em meu pai”. “Deseja visitá-lo”. “Sim, acompanhada por você”, respondeu ela. E ele concordou.
Passaram então a juntar penas e folhas de árvores. Trabalharam muito. Depois, fizeram duas asas lindas para o homem e ela lhe ensinou a voar o que não era nada fácil. Ele se exercitava pacientemente até conseguir se elevar do chão. E certa manhã aconteceu: ele sabia voar. Foi então buscar no esconderijo a roupagem vermelha da esposa e entregou a ela. Mal ela vestiu, pegou na mão do marido e juntos levantaram vôo, voando para dentro do céu.
Chegando ao céu dos pássaros, avistaram o palácio do pai dela, o rei dos pássaros, o condor imperial. Em volta do palácio, havia florestas e lagos muito mais bonito do que os da Terra. Logo chegaram a aterrissar no pátio do palácio. O condor de guarda foi avisar o rei. O casal entrou no palácio. O rei estava muito irritado por sua filha ter desposado um ser humano. Ficou pensando em como poderia matar o rapaz para que a filha permanecesse no reino.
“Quero verificar se você casou com um homem realmente trabalhador”, grasnou ele no dia seguinte. “ Que ele construa um barco para mim. Deverá estar pronto antes do crepúsculo”.
Muito triste, o homem foi para a floresta derrubou uma árvore e começou a escavá-la. Trabalhou o dia todo sem descansar. Mas, quando o sol começou a baixar, a baixar, caiu em desespero. Repentinamente aproximam-se voando muitos e muitos pardais. Na hora do almoço ele havia repartido com eles o seu pedaço de pão. Agora vinham socorrê-lo. Com seus biquinhos afiados conseguiram ocar a árvore e quando o sol se pôs, o barco estava pronto, com acabamento primoroso.
O rei se aborreceu muito ao ver o barco tão perfeito. Escolheu uma tarefa mais difícil ainda para ser executada no próximo dia. Na manhã do seguinte, conduziu o rapaz para a beira de um lago e disse: “este lago você deverá secar até a hora do sol se pôr! Se não lograr fazê-lo, morrerá!”.
Com um balde o homem tirava a água do lago sem ver resultado algum.Preocupado, pensava no seu fim. Foi quando, de repente, fazendo um zunido muito forte, dele se aproximou o povo das libélulas. Antes do sol baixar, o lago estava seco. O rei dos abutres, de tanta raiva, não sabia o que dizer. “Você terá de cumprir mais uma tarefa, então o aceitarei como genro”, disse ele.
No dia seguinte o rei dos condores conduziu o homem para o centro de uma grande floresta. “Aqui você deverá vencer o inimigo vermelho. Então será bem vindo para mim.
O homem procurou pelo inimigo vermelho. Quem seria ele. Ouviu, vindo de todos os lados, um crepitar, um ulular e o estalido de árvores tombando, de galhos quebrando. Fogo! Fogo à volta toda. O rei dos abutres havia incendiado a floresta.
Como se assustou o pobre homem! Como poderia lutar contra o fogo que tudo estava devorando. No desespero, viu a seus pés uma aranha correndo pelo chão, fugindo. Seguiu-a. por uma fresta entre os rochedos ela entrou numa caverna, dentro da caverna havia muitas aranhas que rapidamente teceram um grande véu na boca da caverna para impedir a entrada da fumaça.
Quando o fogo se extinguiu, o calor havia diminuído, o homem saiu da caverna. Viu sua esposa, a princesa dos pássaros, volteando sobre a floresta queimada, levando consigo as asas do homem. Ele lhe acenou e ela baixou até o solo, amarrou-lhe as asas aos braços e o mais rápido que puderam, alçaram vôo e fugiram do reino dos pássaros.
Chegaram à Terra felizes e felizes viveram. O caçador nunca mais atirou em pássaros, nem caçou libélulas ou pisou em aranhas ou outros pequenos insetos. Cuidou da floresta com desvelo e a floresta se mostrou agradecida.
uma história de Felicitas Muche, adaptada por Edith Asbeck)
(texto extraído da revista Nós, Época de São João 2004, Escola Waldorf Rudolf Steiner, SP)