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Textos Comunidade de Cristãos

Padeceu sob Pôncio Pilatos (Pastor Hams Neumann)

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(...) O padecimento de Cristo Jesus não se restringe à sexta-feira santa. O imenso sofrimento que significou para ele tornou-se homem é pouco pressentido. O aspecto cósmico do sofrimento do Cristo está neste fato: o Filho de Deus tornou-se Homem e padece sob esta limitação. O aspecto humano do sofrimento é associado a Pôncio Pilatos? Ele não sofreu também com Judas que foi um dos doze que conviveu com ele e mesmo assim o delatou aos poderosos? Também não sofreu com Pedro que apesar de suas palavras grandiloqüentes o negou por três vezes? Mesmo com João, o Batista, ele poderia ter sofrido! Ele o batizou, viu-o como ninguém jamais o viu sobre a Terra, e, no entanto, da prisão mandou indagar “És tu aquele que esperamos?”. Não soaria melhor o credo se dissesse “O Cristo Jesus padeceu a morte de cruz sob os fariseus e os escribas”? O que faz Pôncio Pilatos se destacar de todos os outros?

 

No âmbito comum da vida existe a expressão: ”ir de Pôncio a Pilatos”. Ela é usada quando se vai de uma repartição a outra; quanto, burocraticamente, se tem que pegar um carimbo ou uma assinatura, ou dar entrada em papéis em uma repartição pública, e o responsável não quer assumir sua função. Fica-se com a impressão de que o funcionário em questão não quer tomar por si a responsabilidade da decisão. Se ele o fizesse, se cumprisse sua função, evitaria perda de tempo, esforço e as inúteis indas e vindas do solicitante – vai-se então “de Pôncio Pilatos”.

 

Esse mesmo gesto encontramos no drama da paixão. O Cristo é enviado de um responsável a outro. De kaifás a Pilatos, de Pilatos a Herodes, de Herodes a Pilatos, de Pilatos ao povo e do povo a Pilatos. Este então lava suas mãos com água como sinal de que não quer ter responsabilidade pela decisão da crucificação

 

Padeceu sob fraqueza de conduta..., poder-se-ia dizer. Ninguém teve a coragem de intervir com autoridade para dar um basta na tramóia assassina.

 

Pilatos é o supremo representante de Roma em Israel, é o Procurador, representa o Governo de Roma. Somente César está acima dele na hierarquia. Ele é um amigo de César, como sabemos do evangelho. Ser um amigo se César é um privilégio enorme. Mais alto do que isto não se poderia subir na hierarquia de poder, pois, além dele está César. Pilatos possui muito poder, com isso, o medo de perder o status de poder alcançado:

 

“Se o libertares, não serás mais amigo de César!” – uma ameaça grave e crescente. Padeceu sob o medo de perder o status... Tema bastante atual.

 

Pilatos está acima de todos os outros. Ele não apenas é poderoso, amigo de césar, o que detém o poder de julgar podendo evitar o pior. Ele é, além de tudo, um erudito que busca a verdade e tem conhecimento dela. Como governador em Jerusalém, como supremo representante do poder de ocupação, ele sabe muito bem o que aconteceu no domingo anterior (de ramos), cinco dias antes do julgamento. Jesus de Nazaré entrou em Jerusalém montado num burro, como na antiga profecia do Rei e do Messias. Ele foi recebido pelo povo como Rei. Pelo evangelho sabemos que Pilatos, ao contrário de Herodes, não é um déspota, mas que se interessava pela vida do povo que governava. Ele luta com a questão o que é a verdade? Aqui vemos um homem com inclinações filosóficas, na cadeira de procurador romano. Ele era alguém que procurava a verdade.

 

A questão do Deus que se torna homem não vivia apenas entre os judeus. A espera vivia desde muito tempo entre todos os povos do Mediterrâneo. Alexandre, o Grande, foi sentido como precursor do Filho do Homem.

O César romano se declarava a si próprio como filho de Deus. A espera pelo Filho de Deus na Terra, naquele tempo, demonstra a verdadeira dimensão da pergunta de Pilatos: “És tu o Rei dos Judeus”?

 

O relato do julgamento de Pilatos no evangelho de João tem uma composição bastante peculiar. Trata-se de uma oscilação que ocorre entre o lado de fora do pretório, onde se encontravam o povo e seus representantes, e o interior, onde acontece o diálogo entre Pilatos e o Cristo: é um drama e sete atos. Esta oscilação entre o exterior e o interior é uma imagem daquilo que estava acontecendo na própria alma de Pilatos. Do lado de fora encontra o mundo que gira: os demônios; no interior encontra o Messias: a Verdade.

 

Pilatos percebe a dignidade e realeza de Jesus, e a reconhece no diálogo com Ele. O Cristo se lhe revela: “Aquele que vive na verdade ouve a minha voz”. Pilatos recua ao perguntar-lhe “O que é a verdade?”; e foge para fora. Em seu íntimo ele já conhece a resposta: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” Mas não quer ouvir a voz em seu interior. Ao invés de libertar Jesus, busca a decisão do povo possesso. O povo não se deixa convencer. “Ecce Homo” – eis o Homem – é tudo o que Pilatos diz. Ele reconhece em Jesus “O Homem”, o arquétipo dos homens, o ideal de seu porvir. Quando sabe, pelos judeus, que Jesus se disse Filho de Deus, Pilatos estremece, se assusta profundamente, pois seu pressentimento agora torna-se conhecimento. Perante ele está, não somente o Rei dos Judeus, o arquétipo de todos os homens, mas O que era esperado por todos.

 

Ao não seguir o reconhecimento em seu íntimo, não evita a crucificação. Pilatos está cônscio de que o Filho de Deus está diante dele, e tem poder para libertá-lo, mas não está disposto a sacrificar seu status de amigo de César. Ele quer livrar-se da responsabilidade. Isto é o que diferencia Pilatos de todos os outros por quem Jesus padece. Judas, Pedro, os escribas e fariseus, eles não tinham o conhecimento necessário e nem o poder para agir livremente. O drama de Pilatos, é o drama do homem destinado à liberdade. Livre só é aquele que tem o poder de agir e ajuizar seguindo o seu conhecimento. Pilatos age contra aquilo que ele próprio conhece: a Verdade. Este fato permite resumir a vida de Cristo na Terra como figura no credo:

 

“O Cristo Jesus padeceu a morte de cruz sob Pôncio Pilatos”.

 

O drama de Pilatos repete-se diariamente de mil maneiras. Em cada pessoa, e, em cada contexto social. Cada vez que nossa posição, o nosso status e opinião que outros têm a respeito de um fato são mais importantes que a verdade reconhecida intimamente, o Cristo é crucificado. Livres somos, e livres agimos, quando nossos atos são condizentes com o que conhecemos, e, se temos a disposição para assumir as conseqüências dos nossos atos nascidos do reconhecimento individual e interior da Verdade.

 (Texto: Hams Bern Neumann – Pastor da Comunidade de Cristãos da Alemanha)