Textos Diversos
A Semana Santa
A semana que precede a Páscoa encerra toda a plenitude do drama da Paixão de Cristo, a grande parte final do evangelho. Aqueles que participam em atividade interior, do Mistério da Paixão durante esses dias, adquirem novas forças para todo seu destino. Os acontecimentos que se deram há mais de dois mil anos na semana santa, entre o domingo de Ramos e o da Ressurreição, foram revelações arquetípicas do destino, que a cada ano confere aos sete dias de cada semana um novo e mais elevado sentido. Estes dias sempre contiveram as cores e os sons das sete esferas planetárias, e naquela semana, entretanto, cada dia recebeu, além da diferenciação cósmica o cunho do pensamento planetário cristão.
Tradicionalmente os enfeites de páscoa são os ovos, que é a imagem arquetípica da vida, é proteína primordial, e é vida nova. E para poder nascer uma qualidade nova, é preciso forçar-nos a deixar morrer certas coisas. Essa imagem de ressurreição nos acompanhará. Muitas vezes temos de passar pelo caminho da Paixão, mas depois sempre vem a Aleluia e o renascimento da Páscoa.
Na Europa esse renascimento é acompanhado pela primavera, aqui no Brasil, terá de ser o renascimento interno, o outono, a força da compaixão, do amor.
Outra imagem da Páscoa é o coelho; símbolo da fertilidade, da primavera e da compaixão de Buda. A metamorfose de casulo em borboleta também é uma maneira de trazer a imagem de transformação da morte em vida. Essas são as forças presentes na Páscoa e vivenciadas pelas crianças.
Os Acontecimentos da Semana Santa e Atividades Sugeridas para esta Época
Domingo de Ramos, dia do Sol - (...) No primeiro dia da Semana Santa, o Cristo entra na cidade santa de Jerusalém. Sua entrada provoca um êxtase na alma da multidão, como o antigo êxtase solar das festas pagãs da primavera, sendo que os ramos da palmeira sempre foram considerados símbolos do sol natural. (...) Quantas maravilhas nos doa o sol quando nasce pela manhã! Mas esse sol natural, que provoca o entusiasmo do homem apenas corpóreo, põe-se todas as tardes. Cristo atravessa esse entusiasmo em silêncio. Ele sabe que vem transformar o mundo pela base, vem trazer o sol espiritual, que nunca se põe, é permanente. Ele traz para o mundo em ocaso a nova Jerusalém, acende no mais íntimo da terra e da humanidade o novo sol, quando o espiritual se enraíza no humano.
Podemos pegar com as crianças ramos verdes e colocá-los num vaso com água, que poderão ser enfeitados na Páscoa; os que enraizarem durante o período poderão ser transplantados para a terra.
Segunda-feira, dia da Lua - (...) a segunda-feira, contém um acontecimento simples e grandioso. Cristo caminha com os apóstolos pelo campo, sente fome e vai em direção a uma figueira, uma árvore simbolicamente usada nos rituais iniciáticos. A árvore não tem frutos. Ele declara que, como a figueira só vale quando produz frutos, assim o ser humano deve ser julgado pelas obras que produz, em outras palavras, a partir daquela época, pouco importa para a humanidade o conhecimento que carrega consigo, mas o que é capaz de realizar, para os outros. É a abertura da época do amor.
Neste dia devemos olhar para dentro de nós e questionar-nos se dividimos com os outros a abundancia que temos ou se a mantemos estocadas para alimentar a nós mesmos e a nossos familiares.
Pouco importam as explicações do porquê a figueira não tinha frutos, nem das razões objetivas para cuidarmos apenas dos nossos. Na balança do julgamento só pesa a ação real em prol do próximo. O Juízo Final não é um julgamento de Deus, mas de nós mesmos, em cada momento. Quando não produzimos o que podíamos, já estamos nos julgando.
Dia em que se pode trabalhar com jardinagem na preparação da terra para novas sementes, para posteriormente vê-las brotar e desabrochar.
Cristo vai ao templo para ser interrogado pelos sacerdotes, que decidirão se ele deve ou não ir a julgamento. As perguntas, na verdade, são capciosas e tentam apenas justificar o julgamento, já decidido.
Terça-feira, dia de Marte - (...) Neste dia Cristo vai ao templo para ser interrogado pelos sacerdotes, que decidirão se ele deve ou não ir a julgamento. As perguntas, na verdade, são capciosas e tentam apenas justificar o julgamento, já decidido.
Para nós esse dia deve ser dedicado ao autoconhecimento. Nossas perguntas para o mundo são sinceras ou só questionamos para arranjar motivos para tentar realizar nossos desejos e vontades?
Os sacerdotes são impulsionados pelo medo de perder o poder e seu desejo é apenas o de matar. Quantas vezes não somos impulsionados por esse mesmo desejo em nome de uma responsabilidade que nos demos?
Nesses três primeiros dias da Paixão nos aproximamos do grande mistério do sangue, morte e ressurreição. Como ao iniciante era exigido primeiro que conseguisse um autoconhecimento verdadeiro e amplo para depois ingressar no templo, assim cada um de nós deve buscar objetivamente o entendimento de si para então entrar e observar os eventos sagrados.
Este é o dia da limpeza do templo. Pode-se fazer a limpeza da casa com as crianças, lavar brinquedos, arrumar armários, limpar os móveis, jogar fora o velho e quebrado, enfim o que não serve mais.
Quarta-feira, dia de Mercúrio - (...) Maria Madalena era uma sacerdotisa que amava e acompanhava Cristo desde o começo. Neste dia unta a cabeça e os cabelos de Jesus, ministrando o sacramento da unção, preparando-o espiritualmente para a morte. Ela, João, Nicodemus e José de Arimatéia eram as pouquíssimas pessoas que tinham o conhecimento do que aconteceria.
Ela é o exemplo feminino que, pelo imenso amor que sente, pode suportar e acompanhar o amado em qualquer situação. Controlando a revolta interna pelos fatos, ela pode ajudar a superar a provação.
Judas Iscariotes, ao contrário, não consegue conformar com o rumo dos acontecimentos e tenta forçar Jesus a impedir, através de seu poder, a crucificação. Tem, então, uma das mais odiadas e incompreendidas das atitudes narradas na bíblia, nesta época. Vende a informação de onde está Jesus aos fariseus. Sua certeza era de que Jesus se veria forçado a usar o poder divino e agir conforme Judas achava que deveria agir.
Temos assim duas individualidades que amam, mas agem de maneira diferente. Maria Madalena assume o sacrifício de aceitar e superar a dor dos fatos. Judas Iscariotes tenta mudar os rumos em direção à sua própria concepção do que seria salvar o mundo.
Para transformar as inquietações pode se fazer trabalhos que trazem concentração como a preparação do ninho do coelhinho. Utilizando cestos, dobraduras de papel pintados pelas crianças, rolinhos de jornal depois pintados, de palha, lã, tricô de dedo, etc...
Quinta-feira, dia de Júpter - (...) Este é o dia antigamente dedicado ao grande sacrifício de animais — do animalesco em nós. É quando se celebra a Santa Ceia.
À noite se celebra, através de Cristo, o mais sagrado ritual solar: a comunhão do corpo e do sangue.
O ritual da Santa Ceia substitui o antigo rito do sacrifício de animais e se celebra o novo mistério. “Quem não come o meu corpo e não bebe o meu sangue não faz parte de mim”. Essa afirmação é pouco entendida, pois encerra três graus diferentes da comunhão.
O primeiro é a comunhão da sabedoria, da compreensão. O segundo é a comunhão do coração, dos sentimentos e da compaixão. O terceiro, a comunhão do alimento, que se incorpora ao corpo. A comunhão se realiza plenamente quando o cálice e a hóstia são ingeridos de fato, e não simbolicamente.
Após a celebração do sacramento, Jesus segue com os apóstolos para o horto das Oliveiras e se preparam para o grande confronto da morte e da violência. Os discípulos não conseguem manter a vigília e adormecem. A única que se mantém acordada é Maria Madalena, observando Cristo a certa distância.
Nessa noite ecoam as palavras e a confirmação que anos antes a Virgem Maria havia dito ao arcanjo que lhe anuncia a gravidez. “Comigo acontece como o Senhor decide. Seja feita a vossa vontade, meu Pai”. Essas palavras representam uma imensurável confiança. Sabendo que Deus-Pai ama a humanidade, jamais sua vontade seria de um castigo, mas uma ação benéfica.
Na hora que Judas entrega Cristo aos soldados, Pedro, temperamental e explosivo, querendo defender o Mestre, saca a espada e corta a orelha de um dos soldados. Cristo o impede de continuar, cura o soldado, restituindo-lhe a orelha amputada e mostra que o caminho da morte, apesar de doloroso, foi sua escolha.
Maria Madalena e João acompanham Cristo preso para dentro do templo. Pedro vai junto, mas deixa acontecer a tripla negação. Os outros são tomados pelo pânico e fogem.
Entre os apóstolos vários são os caminhos que percorrem. João será eternamente o elo entre o coração de Cristo e a humanidade. Judas Iscariotes se mata, enforcando-se em uma figueira - a mesma figueira que Cristo usou como exemplo de que cada ser vale pelo que produz — e mergulha no abismo da culpa. Mas nem por isso é diminuído seu importante papel para a humanidade, pois quanto maior o erro, maior a transformação. Não relata a bíblia que Cristo curou Madalena dos sete pecados que cometeu? Não há caminho sem volta para a força do arrependimento. E Judas tinha muita força e amor, só não entendeu que o mundo precisava se modificar por completo. Esta deveria ser uma questão diária para todos: onde e como se apresenta essa individualidade? Qual o destino dele? Pedro nega Cristo três vezes e será o novo apóstolo da nova religião, fundando as bases do que viria a ser a grande religião do ocidente, o Cristianismo.
As crianças podem passar o dia na preparação do feitio do pão, para que a noite seja feita uma ceia, apenas com o pão e suco de uva, dividindo com as mãos e num total silêncio à mesa (um tem que perceber o que o outro quer sem palavras). Pode-se fazer também o lava pés um no outro, com doação de amor e cuidado.
Sexta-feira, dia de Vênus — (...) Neste dia ocorrem todos os eventos que envergonham a humanidade, mas que, de outra forma, servem como marcas eternas na grande caminhada até alcançar a imortalidade:
1. O questionamento de Cristo pelos sacerdotes;
2. O açoitamento público;
3. A coroação com a coroa de espinhos;
4. O encontro com Pilatos — que antes havia recebido um pedido de sua esposa, discípula de Cristo, para não participar da decisão;
5. A libertação de Barrabás, preso como revolucionário alguns dias antes, acusado de matar um soldado romano. Como era tradição, neste dia de festa judaica, o povo escolhe um dos condenados para libertar;
6. O grito do povo, “crucifica” — o mesmo povo que cinco dias antes o havia aclamado rei;
7. O julgamento;
8. O arrastar da cruz pelas ruas da cidade até a morte no Calvário;
9. A crucificação;
10. A colocação da inscrição INRI na cruz, por ordem de Pilatos;
11. A abertura do corpo de Cristo pela espada de um soldado e o sangue que penetra a terra — a grande mãe terra que recebe o sangue do filho e se une a ele;
12. A morte às 15h00;
13. O repentino escurecer de Jerusalém na hora da morte;
14. A liberação do corpo ao final da tarde;
15. A preparação e a colocação do corpo no túmulo;
16. O fechamento do túmulo por uma grande pedra;
17. O terremoto no fim da tarde que assusta a cidade.
A sexta-feira é a história da suprema renúncia do poder externo e o estabelecimento do poder interno.
Se um ser humano se entrega voluntariamente para a morte violenta por causa de incompreensão, ele é chamado de mártir. Como chamar alguém que entrega a esta mesma morte, mas podendo se ajudar?
Mas essa era a única possibilidade de um ser espiritual hierárquico passar pelo menos uma vez pela experiência da ausência completa de poder e depois pela morte. Uma experiência até então exclusiva dos seres terrenos. Este ato, praticado por um dos mais elevados seres solares, permite, por um longo futuro, que nós possamos superar essa vivência terrível e impedir que a morte física traga a morte espiritual, a segunda morte, que é a perda da autoconsciência.
No dia do sacrifício não se deve comer carne, nem transformá-lo numa festa com uma farta bacalhoada, como um banquete. É um dia de silêncio. Pode-se fazer um almoço branco sem cores nem atrativos. Acender velas. Uma experiência muito válida pela criança é guardar um ovo de galinha caipira que tenha sido botado no dia. Este ovo não apodrecerá e poderá ser aberto no ano seguinte. Isto prova a existência da força vivificante do Cristo na natureza.
Sábado, dia de Saturno — (...) Neste dia Cristo penetra até o centro de seu novo corpo, a Terra. A morte na cruz, em verdade, se revela como um grande nascimento. A partir deste dia, há mais de 2.000 anos atrás, Cristo acompanha a humanidade. Sua frase é literal, não simbólica: “Vocês me pisam com seus pés e me comem quando comem o pão”.
Sob este aspecto, a destruição do planeta, da natureza, se torna como uma segunda crucificação. O movimento ecológico, sem necessariamente ter consciência disso, é de fato um movimento cristão.
A Terra, a partir deste sábado, se encontra no caminho de um novo sol, já que se uniu com o mais solar dos seres elevados, o Cristo.
Para nós, este dia significa mergulhar no imenso nada. Durante 33 anos os melhores homens de Israel, os mais sábios, acompanharam e envolveram Jesus com as mais nobres esperanças que foram capazes de ter. Agora cada um só tem a si e a esperança de que não é o fim, que algo acontecerá, sem saber o quê.
O sábado, o grande silêncio, é dedicado a aguardar a vontade do Pai, e mostrarmos a nós mesmos que a confiança não é apenas uma palavra vazia mas nossa própria substância. Quem confia não se perde em dúvidas.
Praticamente, podemos, sempre que nos sentirmos injustiçados, dizer para nós: “o Pai é justo. Não estou entendendo a razão de estar passando por isso, mas um dia vou compreender”.
Dia de cultivo aos mortos, aos antepassados. Rever álbuns de família, rezar por eles. Pode-se acender uma fogueira e depois jogar as cinzas sobre a terra onde foram plantadas as sementes, para que das cinzas nasça uma nova vida. Dia também de malhar Judas, não dando o sentido de eliminar o traidor e sim a traição, pode-se fazer um boneco nomeando-o com os defeitos que queremos eliminar em nossas vidas, através de frases ou papéis escritos e colados nele, e descontar toda a agressividade que não caberá mais na nova vida.
Domingo de Páscoa — dia da Ressurreição de Cristo.
Pode-se assim que acordar, (se possível ao nascer do sol), beber um copo de água fresca, de preferência da fonte, atribuindo a ela uma força miraculosa: “a água da vida”. Pode-se também comer um pão de trigo feito com as crianças ou biscoitos em forma de sol, galo ou coelho. O trigo é o cereal típico da Páscoa, pois, além de representar o sol na terra, passa por várias transformações até chegar a ser pão.
O coelhinho da Páscoa pode trazer vários tipos de ovos: de chocolate, cozidos com corante natural, algumas cascas pintadas recheadas com balas. Esses ovos poderão estar espalhados por toda casa e jardim deixando algumas “pegadas” feitas com farinha. O ato de procurar e encontrar traz imensa alegria para as crianças. A busca é algo inerente ao ser humano, e sempre vem acompanhada de crescimento e transformação.
Fonte: Livro: O Caminho de Cristo de Evelyn Scheven e trechos de um trabalho de Emil Bloch
(Texto extraído da apostila Cotovia, que é uma publicação dirigida aos educadores da Educação Infantil da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura da Estância de Atibaia e interessados na proposta aqui apresentada. Ano I - nº1 – março/2006)