Textos Diversos

O Apóstolo Judas

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O estudo da Antroposofia nos conduz à pergunta, feita muito conscientemente, a respeito do mal como escuridão espiritual, em contraposição ao Bem, como luz.

A época da Semana Santa e da Páscoa suscita essa pergunta de modo profundo: escuridão - luminescência?, trevas-luz?

Ao procurarmos por uma compreensão mais profunda dos motivos, das forças que teriam impulsionado o ato de Judas (um dos doze apóstolos) que aparentemente, é o delator, é o apóstolo cheio de falsidade responsável pela morte de Jesus Cristo na cruz, nos deparamos exatamente com a questão do Mal e a questão do Bem.

A respeito do Mal, Rudolf Steiner conta a seguinte história:

"Era uma vez um homem que muito pensava a respeito das coisas do universo.
O que mais atormentava o seu espírito era quando procurava conhecer, saber, entender a origem do Mal.
Ele não conseguia encontrar resposta.
“O mundo provém de Deus” - dizia ele a si mesmo, “e Deus só pode trazer o Bem dentro de si. Como podem então surgir pessoas más a partir do Bem?”
E ele voltava a pensar, a pensar “Como então se originam pessoas más a partir desse grande Bem?”
Mas tudo em vão, a resposta não conseguia ser encontrada.
E num certo dia aconteceu que esse homem que tanto cismava, no seu caminho veio a encontrar uma árvore que estava dialogando com um machado.
Dizia o machado para a árvore:
“Uma coisa que para você é impossível fazer, para mim é fácil: eu posso derrubá-la, mas você não pode me derrubar”.
Respondeu a árvore ao machado presunçoso:
“Faz um ano, passou por aqui um homem e tirou do meu corpo, usando um outro machado, a madeira para fazer o seu cabo”.
E tendo o homem ouvido essa conversa nasceu em sua alma um pensamento que ele não conseguia colocar claramente em palavras, mas esse pensamento respondia integralmente a questão: Como pode descender maldade do Bem."

E a respeito de Judas? Como podemos entender o seu ato? Mal ou Bem?
Na questão da personalidade de Judas Iscariote, podemos, lendo E. Bock - Césares e Apóstolos - e Irene Johansen - Os doze portais - compreender melhor a complexidade da terrível missão que lhe cabe e que resulta no seu próprio suicídio. O Judas praticando o Mal, trevas, para que possa brilhar a luz, o Bem.

Emil Bock que realizou estudos profundos dentro do campo da Ciência Espiritual, aborda o assunto colocando as duas polaridades, Cristo e Judas como um dos mais profundos mistérios da entidade humana e da própria vida. Como pode Cristo aceitar entre os homens que formaram um círculo de seguidores muito, muito próximos a ele, aquele que viria a traí-lo? Como pôde alguém que, durante três anos usufruía da benção da proximidade diária de Cristo, vivendo sob seus cuidados e condução traí-lo por moedas de prata?


Os Apóstolos


Vemos que os doze apóstolos são representantes da humanidade. Toma corpo neles cada uma das doze facetas da humanidade total, não há, no círculo que formam, uma só qualidade espiritual que não se encontre representada. Tal como o Sol caminha pelo zodíaco. Cristo caminha pela Humanidade representada pelos Apóstolos.

O próprio Evangelho aponta para o signo de cada um dos Apóstolos. Irene Johansen no livro “Os doze portais”, traz esse aspecto. E assim como entre os signos do zodíaco o Escorpião, entre os Apóstolos há Judas.

Se, para tornar o círculo do zodíaco completo necessário foi que dele fizesse parte o Escorpião, com a sua característica de ansiar por conhecimentos e, sendo extremamente acordado se distancia da relação sadia do mundo e do cosmo, necessário também foi Judas fazer parte do círculo dos Apóstolos.
Por uma questão de local de nascimento e de criação, Judas Iscariote tinha características diferentes daquelas da maioria dos outros discípulos: grande parte deles era pescador, ele, adquirira cultura e conhecimentos pronunciadamente intelectuais. A maioria vinha da Galiléia, ele, da Judéia.

O desenvolvimento unilateral, a consciência apenas intelectual faziam com que as imagens que se colocavam diante da alma de Judas eram representativas da vida físico-sensorial, mas um grande fogo ardia também nessa sua alma. A alma de Judas sentia-se dilacerada entre o brilho, o fausto, o poder de Roma que admirava e o desejo ardente de conduzir; até mesmo obrigar o Cristo a se revelar como o Messias esperado. Nisso consiste a grande tragédia à qual Judas foi conduzido pelo seu destino interior. Conflito entre dominador e dominado.


Judas Iscariote


Na etapa inicial de sua vida adulta Judas, que fora educado dentro de tradições de sabedoria esotérica, se desvia desse caminho e, chegando a Jerusalém, se integra às idéias e impulsos políticos do procurador romano Pilatos.

No episódio seguinte, que ocorre por ocasião da festa da Páscoa, sua atenção é um tanto nebulosa mas tudo leva a acreditar na possibilidade de ter sido Judas o detonador da crise: alguns judeus com tendências mais fanáticas confiavam em poder vencer a supremacia de Roma com um levante. Os romanos perderiam o domínio. A data marcada para tal, era a festa da Páscoa em que um número incontável de peregrinos chegaria a Jerusalém. Mas, entre estes, disfarçados pelos mantos de peregrinos, estavam soldados romanos que, jogando os mantos em determinado momento, deram início a um verdadeiro banho de sangue, sufocando a revolta mesmo antes que eclodisse.

Na ilusão de prestar um serviço ao seu povo e ao evitar o planejado levante, evitar mortes desnecessárias, na realidade Judas invocou uma grande desgraça. Dizendo a si mesmo que desejava devolver ao seu povo a antiga grandiosidade e esplendor, não teria cedido ao seu próprio egoísmo?
O aspecto lunar de sua alma não se levantara contra o aspecto solar ao qual deve sua luz e a sua vida?


Encontro com Jesus

No final da segunda etapa da sua vida Judas está alquebrado em sua vontade ardente, arrependimento, desespero, contrição diante da morte de tantos judeus o fazem encontrar o caminho para o círculo que se formava em torno de Jesus. A infinita bondade que flui do Cristo restabelece a confiança de Judas Iscariote.

E nele desperta a esperança de que, em algum dia feliz, desse homem Cristo Jesus irromperia, resplandecente, o Messias que com força divina, mudaria o mundo. Um Judeu seria rei do mundo.

A luz da bondade divina, espargida por Jesus, penetrou e iluminou as mais profundas camadas da alma de Judas, contudo ele aguarda impaciente que Jesus se eleve para a grande magia política para fundar aqui na terra o reino de Deus. Não o tocaram os diversos milagres realizados por Jesus - a alimentação dos 2000, a transfiguração no alto do monte - pois somente seus olhos físicos estavam abertos. Era muito diferente a sua expectativa. A confusão se instalou em seu íntimo, Judas já não comandava seus sentidos nem seus pensamentos. Evidencia-se uma situação que beira a patologia que resulta no acordo de trair aquele que amava, beijando-o na face, por trinta moedas de prata.

Quando Cristo se reuniu com os discípulos para a ceia e respondendo à pergunta de quem seria aquele que o iria trair, diz: “Aquele a quem eu oferecer o bocado umedecido”, está dado o último passo.

Judas já não tem mais nenhuma força de forma social. Apenas as forças do seu signo zodiacal atuam, são forças que em lugar de aglutinar dispersam. A força intelectiva da lua (moedas de prata) estará fazendo com que ele julgue ser um sol? A ilusão tem o domínio total sobre sua alma.

Em seguida Judas Iscariote acompanha sofregamente o desenrolar dos acontecimentos. No sinédrio Cristo não realiza as expectativas de Judas; em sua alma desperta paulatinamente, o reconhecimento da verdade quando, finalmente ele atira as moedas de prata de volta ao templo, já é tarde demais.
Arrependimento o castiga diante do Crucificado. A semente que durante a convivência de Judas com Jesus, havia caído nas profundezas da sua alma, encontrou essa alma já estilhaçada e só poderá brotar em vidas futuras.

A trágica vida de Judas termina por suas próprias mãos. Ele é o Apóstolo que não participou do acontecimento luminoso da Páscoa.
Mas ao dar o último suspiro ouviu soar em sua alma as palavras: “Tu perderás a todos, só restar-te-á o Eu Sou”, e soube que Cristo não teria podido vencer a morte, se não a conhecesse em sua essência mais extrema.

 

 

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