Textos Rudolf Steiner
O Nascimento do Cristo na Alma Humana
(Versão livre, segundo uma palestra de RUDOLF STEINER, proferida em Basiléia, em 22-XII-1918).
Tradução: Leonore Berlalot
Revisão do português: Áurea Maria Salgueiro Rolo
São Paulo, junho de 1992)
Dentro do ritmo anual, símbolo do ritmo da vida humana, encontram-se as duas festas cristãs do Natal e da Páscoa como dois pilares espirituais que recordam os dois grandes mistérios da existência humana. O conteúdo do Natal e o da Páscoa dirigem a nossa atenção para dois eventos que ocorrem como fatos físicos em nossa vida e, ao mesmo tempo, indicam sua natureza enigmática, misteriosa, que a simples observação sensória não desvenda. São eles o nascimento e a morte. E, comemorando o Natal e a Páscoa, os sentimentos cristãos se confrontam com estes dois acontecimentos da alma humana na vida de Cristo-Jesus.
Contemplando estes dois grandes mistérios, o pensamento do Natal, o nascimento de Jesus o pensamento sobre a morte de Cristo-Jesus na Páscoa, a alma humana encontra fortalecimento luminoso para seu pensamento, um conteúdo vigoroso para o querer humano e a força para erguer-se em sua totalidade humana, qualquer que seja a situação em que ela a necessite. Assim como eles se apresentam a nós, estes dois pilares, lembrados como pensamentos do Natal e da Páscoa, não são limitados ao tempo, são eternos.
Durante os séculos foi-se transformando a influência destas grandiosas imagens, acompanhando a evolução da humanidade, O feito do Salvador crucificado comoveu os corações cristãos nos primeiros séculos da nossa era. Em tempos mais recentes, especialmente acompanhando o crescente materialismo, vemos um inclinar-se cada vez maior á imagem da criancinha, do nascimento do Jesus no presépio natalino com grande envolvimento emocional. A forma trivial e sentimental em que isto chegou aos nossos tempos de crises tão sérias e existenciais não corresponde aos nossos anseios.
Porém, os pensamentos representados pela Páscoa e o Natal são pilares eternos do pensar e sentir humanos. As novas revelações espirituais de nossa época deverão, com uma nova luz, abrir novas dimensões á vivência do pensamento natalino. É a nossa tarefa, a partir dos acontecimentos da nossa atualidade, ouvir o clamor para a renovação do mundo dos conceitos estreitos e opiniões limitadas, para o desvendar dos enigmas espirituais. Devemos achar nós mesmos, um pensamento natalino para o fortalecimento e a elevação da alma humana, que surgem dos próprios acontecimentos do nosso mundo atual.
O nascimento e a morte do Homem ocorrem no plano físico, mas na forma como acontecem manifestam um atuar espiritual e para uma observação não preconcebida mostram que o Homem é habitante de um mundo espiritual não físico. É isto que estes acontecimentos falam ao nosso sentimento e cabe-nos sentir com muita profundidade o caráter misterioso do nascimento que é o conteúdo da festa de Natal.
Pouco estudo ainda foi dedicado ao caráter misterioso do nascimento. Um dos raros relatos que caem fundo na imaginação da alma é o que conta o herói suíço, o santo eremita Nicolaus Von der Flue, no século XV. Disse ele que antes de nascer, de vir á luz, de respirar o ar externo, ele visualizou sua própria imagem humana, aquela que viria a ser no decorrer da sua vida. Previu o ato do seu batizado antes de nascer, de maneira que, quando o batizado se realizou ele reconheceu os presentes por tê-los visto exatamente assim ainda no estado pré-natal. Pode-se pensar sobre estas afirmações como se quiser, mas não deixam de indicar que algo que se relaciona com o entrar na vida física está oculto da percepção comum por uma parede muito fina, a qual pode ser transposta em circunstâncias cármicas especiais.
Ainda existe pouca consciência na humanidade sobre o fato que as duas vivências limítrofes, o nascimento e a morte, de um lado são ocorrências que se passam no mundo físico imediato, e do outro revelam um agir direto de forças divino-espirituais, com as quais nos confrontamos cada vez que nós nos conscientizamos de que os acontecimentos físicos do nascer e do morrer continuam revelando um mistério da existência do Homem na Terra.
A nova revelação cristã nos leva a ver a vida do Homem como o Cristo desejaria que a víssemos no século XX. Neste momento de comemoração natalina, lembramos as seguintes palavras ditas por Cristo que nos sinalizam o pensamento do Natal. “Se não vos tomardes como as crianças não podereis entrar no Reino dos Céus”. Claro que aqui não se trata de adotar uma infantilidade que nega o caráter misterioso do pensamento do Natal e vulgarizá-lo com músicas triviais sobre o menininho Jesus Cristinho, como acontece em nossos dias, dominados pelo materialismo. As palavras “se não vos tomardes como as crianças...” nos indicam grandes impulsos que permeavam a evolução da humanidade.
E em nossos tempos, tão sérios, não cabe querer festejar o Natal de modo trivial, quando o nosso coração está pesado de dor por ver milhões de pessoas morrendo nestes últimos anos, por ver tantas pessoas passando fome. É hora de sentir a força impulsionadora da História nos pensamentos que suscitam as palavras: “Se não vos tomardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus”, que podemos completar com a seguinte frase: “Se não cumprirdes a sua vida á luz do pensamento, não podereis entrar no reino do céus”.
Quando o Homem entra no mundo como criança ele vem diretamente do mundo espiritual. O que acontece na vida física, a concepção, o crescimento do corpo físico é o que envolve, veste, o acontecimento que pode ser designado como a transferência da essência humana mais profunda do mundo espiritual para o corpo físico. O ser humano abandona o mundo espiritual e penetra num corpo físico. Tudo que assim envolve o Homem e lhe permite viver aqui na Terra, o Rosacruz expressava com as palavras “EX DEO NASCIMUR”. O ser espiritual do Homem acompanha no mundo espiritual os acontecimentos que levam á concepção e todo o preparo para o seu envoltório físico, para que ele neste corpo físico possa vivenciar as coisas que só no mundo físico podem ser realizadas.
No seu cerne, o Homem oriundo do mundo espiritual e nos primeiros estágios da sua existência terrestre, ainda está livre da ilusão do materialismo. Nos primeiros anos, a criança como que anuncia que ela vem de um outro mundo. Quem pode discernir, sente que na maneira de ser da criança pequena revelam-se efeitos de vivências anteriores no mundo espiritual. E a este mistério que aludimos ao contar as experiências de Nicolaus von der Flue.
Influenciada pelo materialismo existe a opinião bastante trivial de que o Homem desenvolve pouco a pouco o seu Eu na vida, do nascimento até a morte. É uma forma limitada de pensar que não condiz com a imagem do verdadeiro Eu que parte de uma existência puramente espiritual e se veste com o envoltório físico. Devemos saber que, á medida que o Homem cresce, o seu Eu verdadeiro parece sumir, tornando-se menos visível, fazendo com que aquilo que se desenvolve numa existência entre o nascimento e a morte seja apenas uma imagem espelhada de ocorrências espirituais, um reflexo morto de uma vida superior.
Deveríamos dizer que desaparece no corpo a amplitude do ser humano, o Homem se perde em seu corpo com a vida física aqui na Terra para, na morte, reencontrar-se no espírito.
Quem desconhece esta realidade, dirá que a criança é incompleta e o seu Eu, partindo das profundidades indefinidas, vai evoluindo passo a passo á maior perfeição. Assim não pode falar quem estuda a Ciência Espiritual, quem liberta a consciência presa nas ilusões causadas pelo materialismo que continua reinando na índole dos nossos tempos.
A essência espiritual humana penetra neste mundo adormecida num corpo que na infância é pouco definido. Parece que esse ser só dorme para dentro da existência terrestre, mas isto porque não somos capazes de ver o que atua espiritualmente neste corpinho pela mesma razão que não percebemos o Eu e a alma no sono quando estão separados dos corpos físico e vital que ficam na cama. Para adquirir certas aptidões, o ser anímico-espiritual precisa como que enterrar-se temporariamente no corpo físico e passar pelas experiências que unicamente a existência física lhe oferece.
Para que nos lembremos sempre da nossa origem espiritual, para que nos fortifique o pensamento - nós viemos do mundo espiritual, para o mundo físico, para isto brilha o pilar luminoso do pensamento natalino em nossos sentimentos cristãos. Este pensamento deve ganhar força na evolução espiritual futura da humanidade. Assim, o festejar do Natal será uma fonte onde a humanidade recebe a vitalização para sua existência terrestre, porque de forma correta é lembrada da sua origem espiritual. Que isto hoje ainda não ocorra de forma generalizada, está ligado a um fator da evolução histórica da humanidade. Verdades necessárias para o progresso humano nem sempre aparecem da forma certa ou na época certa. Por isso, as verdades devem ser avaliadas em relação á época correta e á luz correta em que entraram na evolução humana.
Assim conhecemos entre outros o conceito da igualdade de todos os Homens que é um pensamento cristão, capaz de ser aprofundado enormemente, mas que ainda não assumiu em nossa vida uma forma definida e, como sabemos, agiu precocemente de forma tumultuosa na Revolução Francesa.
Na vida humana, vemos os impulsos principais divididos nas diferentes fases evolutivas da biografia. Do ponto de vista espiritual o ser humano penetra na existência terrestre como que permeado pelo impulso da igualdade de todos os Homens. Nada daquilo que cria as diferenças entre os Homens de forma que eles se sintam diferentes uns dos outros, aparece na existência do bebê pequeno. É a existência física que promove a diferenciação. O mistério da criança anuncia a igualdade de todos os Homens, pois diante do mundo e diante de Deus todos os Homens são iguais.
A este mistério da criança se une o pensamento do Natal que através da nova revelação cristã encontrará o seu aprofundamento. Ela reconhece a tríade que consta do Homem, representante da humanidade entre as forças polares chamadas Ariman e Lúcifer. E assim devemos compreender como o Homem é colocado no mundo numa posição de equilíbrio entre estas forças contrastantes e como isto se manifesta em sua existência terrestre.
Quando observamos o fato de que a criança entra no mundo com o pensamento de igualdade e vemos como depois, a partir desse nascer no mundo, se desenvolvem forças de desigualdade que aparentemente não vêm deste mundo, nos confrontamos com um novo e grandioso mistério. A partir do presente, será necessário para o desenvolvimento anímico futuro, que este mistério seja desvendado e assim ajude a que formemos uma imagem correta do Homem. Existe então a questão preocupante que, mesmo que na primeira infância assim não seja, os Homens se diferenciam, por meio de algo que aparentemente nasce com eles, que está em seu sangue; eles se diferenciam por meio dos seus dons e aptidões.
Esta questão dos dons e aptidões que causam tantas desigualdades entre os Homens, nós a encontramos relacionada com o pensamento natalino. A festa do Natal, no futuro, deverá lembrar ao Homem a origem dos seus dons, capacidades, talentos e, talvez, aptidões geniais que o diferenciam de todos os outros Homens na Terra. Ele deverá querer saber a origem disto, pois somente conhecendo-a ele poderá conquistar o equilíbrio certo na existência física. As luzes do Natal deverão solucionar o grande mistério das aptidões e dons. Será que existe injustiça na ordem cósmica para o Homem individual entre o nascimento e a morte?
Os novos sentimentos cristãos mudarão muitas opiniões e conceitos. Por exemplo, entender-se-á como eram vistos os profetas do Velho Testamento. Eles estavam a serviço de Jeová, que lhes outorgava certos dons que se sobressaíam das características do povo em geral.
Ele abençoava estes dons que lhes eram transmitidos pelo sangue. Jeová não atuava sobre a consciência desperta, diurna, mas sim durante o sono.
O verdadeiro conhecedor das leis no Antigo Testamento sentia no seu coração, que aquilo que diferencia os Homens pelos dons e aptidões e que alcançava dimensões elevadas nos profetas nasce de fato com o Homem. Mas eles só podem servir ao Bem se o Homem, no sono, penetra no mundo onde Jeová guia os impulsos da sua alma e transforma espiritualmente as aptidões ligadas ao corpo físico. Isto aconteceu em tempos passados. Novas imagens devem penetrar na evolução histórica mundial. Nos novos tempos, o Homem deve tornar-se apto a espiritualizar na vigília, na consciência diurna, clara, aquilo que no passado, conforme acreditavam os antigos hebreus, Jeová transformava durante o sono inconsciente.
É necessário que o Homem de hoje saiba que todas as aptidões, os dons e habilidades naturais lhe são doados por Lúcifer e que eles têm um efeito luciférico no mundo enquanto não sejam santificados e permeados com o impulso crístico. Compreendendo o cerne do novo pensamento natalino, nós tocamos num grandioso mistério da evolução humana moderna. Compreender o Cristo significa falar como Homem da era do Novo Testamento e dizer: Além da aspiração e pretensão da criança para a igualdade eu recebi os vários talentos e aptidões. Mas, ao longo da vida eles só se tornarão benéficos para a humanidade se forem colocados a serviço do Cristo Jesus. Quando o Homem conseguir aspirar á cristianização de todo o seu ser, todos os dons, os talentos e as habilidades serão afastados da influência de Lúcifer que atua na existência física do Homem.
Isto deve tornar-se um pensamento forte, um pensamento natalino, a anunciação nova da atuação do Cristo em nossa alma para transformar o que é luciférico, o que não nos pertence, enquanto seres espirituais, mas que encontramos em nós pelo fato de habitarmos um corpo físico permeado pelo sangue que nos transmite os dons através da hereditariedade. Estas particularidades aparecem na corrente luciférica, que atua na corrente hereditária; elas devem ser conquistadas durante a vida física, não por inspiração de Jeová no sono, mas em plena consciência por meio daquilo que pertence a alma como vivências do impulso crístico.
Inclina-te, ó cristão, ao pensamento natalino - assim fala o cristianismo novo - e oferece no altar, erguido na festa do Natal, tudo aquilo que tu recebes como diferenciação humana no teu sangue e santifica as tuas aptidões, santifica os teus dons, santifica mesmo a tua genialidade, iluminado pela luz que se irradia da árvore de Natal.
Não devemos ser surdos diante das revelações do mundo espiritual em nosso tempo tão sério. Com esses sentimentos em nossos corações vivemos com a força necessária para resolver as grandes tarefas que a humanidade precisa enfrentar em nossa época. Para isto, devemos elevar á plena consciência o pensamento natalino, as palavras que o Cristo nos disse: ‘Se não vos tomardes como crianças, não podereis entrar no Reino do Céus”. O pensamento da igualdade que a criança manifesta, deve ser visto no seu sentido correto. A criança que lembramos na noite de Natal anuncia com claridade que, aquilo que como aptidões diferencia e separa os Homens, deve ser colocado na luz do Cristo que permeou essa criança. Que no altar dessa criança deve ser oferecido aquilo em que nós nos tornamos através das nossas aptidões e talentos.
A seriedade do pensamento natalino pode pesar no coração humano e surge a pergunta: Como posso vivenciar o impulso crístico na minha alma?
Não é de imediato que se implanta o impulso crístico em nossa alma e também em épocas diferentes ele se implanta de formas diferentes. Hoje, o Homem deve assimilar por meio da sua consciência clara e plena os pensamentos cósmicos transmitidos em forma ainda tímida pela ciência espiritual antroposófica. Se ele compreende esses pensamentos, pode acordar nele a confiança de que pelas asas desses pensamentos o impulso crístico da nossa época poderá penetrá-lo. E este Homem o sentirá se realmente ficar atento!
Tentem, no sentido dado aqui, assimilar de forma bem viva e moderna os pensamentos espirituais oriundos da direção cósmica. Não como uma doutrina ou teoria, mas como uma força que permeie e aqueça e ilumine vocês no cerne dos seus seres. Tentem sentir estes pensamentos com tanta força que eles comecem a penetrar e transformar os seus corpos. Tirem deles toda a abstração e sintam que eles se tornam um verdadeiro alimento para as suas almas. Tentem descobrir que por meio destes pensamentos penetra a vida espiritual que vem do mundo espiritual, em suas almas. Unam-se de forma íntima com esses pensamentos e perceberão três efeitos: Esses pensamentos exterminam o egoísmo que, especialmente em nosso tempo da evolução alma da consciência, penetrou nos sentimentos humanos. Se vocês começarem a perceber que esses pensamentos matam o egoísmo, o egocentrismo em vocês - então, meus caros amigos, terão sentido como os pensamentos da ciência espiritual antroposófica são permeados pelo impulso crístico.
Se, em segundo lugar, vocês sentem uma reação cada vez que vocês mesmos ou outros não respeitam a verdade, quando se confrontam com a falta da verdade, quando sentem que no mesmo momento em que a falta de verdade entra na esfera das suas vidas, um impulso os cerca como que ameaçando e indicando a verdade, impulso que não deixa entrar a mentira em suas vidas, que continuamente os anima a respeitarem a verdade,então sentirão a vida do impulso crístico em contraste á vida tão dada ás aparências.
Diante dos pensamentos espirituais orientados pela Antroposofia será difícil para o Homem mentir ou não reconhecer as aparências e a falta de verdade. Se não se satisfazem com uma compreensão teórica dos conteúdos da ciência espiritual, mas se sentem íntimos com estes pensamentos até sentir uma força de consciência moral que os acompanha, exortando-os a cultivar a verdade, então terão achado a segunda relação com o impulso crístico. E se, em terceiro lugar, também sentem emanar algo desses pensamentos até no corpo, atuando na alma, vencendo doenças, algo que transmite saúde, força rejuvenescedora, então terão sentido o terceiro efeito do impulso crístico nesses pensamentos. A humanidade aspira, com a nova sabedoria, a nova espiritualidade, a encontrar a possibilidade de vencer o egoísmo pelo amor, as aparências da vida pela verdade, o doentio pela força salutar dos pensamentos que nos unem com as harmonias cósmicas, porque eles são oriundos do cosmo.
Nem tudo isso já podemos conseguir hoje, porque o Homem carrega consigo uma velha herança. E não há de surpreender que certos movimentos, como o da “Ciência Cristã”, caricaturizem o pensamento da cura por forças espirituais. Mas se o nosso pensamento, por razões da herança antiga, não atinge ainda as metas desejadas, mesmo assim o esforço não deixa de ter um efeito salutar. É devido ao passado que ainda não podemos vencer todas as doenças. Mas quem pode afirmar que a sua vida teria tido um curso assim salutar, sem viver com estes pensamentos? Se pessoa que estudava a ciência espiritual morre aos 45 anos, não podemos dizer que seu estudo foi inútil, nem provar que sem ele teria morrido aos 40 ou 42 anos. Isto é pensar do lado errado, é ver o que não nos é dado devido ao carma, em vez dever tudo que nos é dado, devido ao mesmo carma.
Se apesar de todas as contradições do mundo exterior criamos uma confiança interior que ganhamos através do conhecimento mais íntimo dos pensamentos da ciência espiritual, então também sentiremos o que nos cura, nos refresca e rejuvenesce, como o terceiro elemento daquilo que o Cristo, como Salvador, Paracleto, traz para a alma humana com suas contínuas revelações.
Quisemos aprofundar-nos no pensamento natalino que está tão relacionado com o mistério do nascimento, dar algumas pistas sobre a continuação hoje desse pensamento. Podemos sentir que ele transmite força, que carrega a vida, que nos coloca como participantes dos impulsos da evolução humana no mundo, em tudo que possa vir. E assim, sentimo-nos unidos com os impulsos divinos nessa evolução.
Compreendendo isso, criamos força para nossa vontade, luz para nosso pensar. O Homem está em evolução, não adianta negá-lo, o certo é acompanhar esta evolução.
O Cristo também disse: “Estarei convosco todos os dias até o fim dos ciclos da Terra “. Isto não é uma frase, é uma verdade. O Cristo não se revelou apenas através dos Evangelhos. Ele está conosco. O Cristo se manifesta continuamente. Precisamos de ouvidos que ouçam o que Ele revela sempre de forma nova em tempos novos. Ficamos fracos quando não temos fé nestas novas revelações, mas ficamos fortes quando temos a fé, ainda que esta se revele entre os gritos de dor e desgraça da vida.
Com a nossa própria alma, passamos por repetidas vidas na Terra, nas quais se realiza o nosso destino. Este pensamento nos deixa sentir como atua o espiritual por detrás dos acontecimentos físicos, mas compreendê-lo-emos somente se recebermos em nós, se assimilarmos no sentido verdadeiramente cristão, as contínuas revelações. O cristão moderno deve, frente ás luzes natalinas, começar a viver com os pensamentos fortificantes que hoje lhe vêm da nova revelação cósmica e ele deve sentir que com a força e a luz destes pensamentos ele pode aproximar-se no correr do ano cristão ao outro pensamento que lembra o mistério da morte: o pensamento pascal que coloca diante de nossa alma, como experiência espiritual, a vivência do fim da existência física humana.
Sentiremos o Cristo cada vez mais perto, se conseguirmos pôr a nossa própria existência com a Sua existência numa relação correta, O Rosacruz, que se ligara ao cristianismo na Idade Média, dizia: “EX DEO NASCIMUR, IN CHRISTO MORIMUR, PER SPIRITUM SANCTUM REVIVISCIMUS".
Somos nascidos do divino enquanto nos vemos como Homens sobre a Terra.
No Cristo morremos e no Espírito Santo seremos ressuscitados. Isto se relaciona com a nossa vida humana. Se olharmos a vida do Cristo, encontramos o que em nossa vida se apresenta como imagem espelhada.
A verdade do Cristo que vive entre nós como o nosso primeiro irmão, podemos expressar como a ‘VERDADE CRISTICA’, irradiando d’Ele e se espelhando em nossa essência humana: Do Espírito Ele foi concebido - como diz o Evangelho de Lucas e é representado no símbolo da pomba que desce do céu - do Espírito Ele foi concebido, no corpo humano Ele morreu, no divino irá novamente ressuscitar.
As verdades eternas precisam ser compreendidas na imagem reflexa atual e não como algo absoluto, abstraído numa forma fixa. E quando nos sentirmos como Homens que reconhecem a tarefa da época atual, então tentaremos ouvir o Cristo que está conosco todos os dias até o fim dos tempos, como Ele nos fala na língua do presente, como Ele nos ensina, nos ilumina e nos permeia com a força do pensamento natalino.
Devemos entender a linguagem do Cristo, sentir afinidade com Ele.
Então poderemos realizar a verdadeira tarefa crística aqui na Terra e também depois da morte através de nós mesmos.
O Homem, em cada época, terá uma forma específica para relacionar-se com o Cristo. Isto sentiram os Homens quando olhavam para os dois grandes pilares, para o pensamento natalino e o pensamento pascal. O místico alemão Angelus Silesius expressou assim o pensamento do Natal:
“E se Cristo nascesse mil vezes em Belém e não em ti, ficarias eternamente perdido.”
Para o pensamento da Páscoa:
“A cruz na Gólgota não pode te liberar do mal se ela não for em ti também erguida.”
O Cristo deve nascer em nós da maneira como ressoam as Suas palavras em nossa época, porque não somos Homens no sentido absoluto, mas Homens de uma determinada época. Devemos fazer nascer o Cristo em nós para que nos fortifique e ilumine, assim como Ele quer nascer em nós, como Ele quer ficar conosco hoje e todos os dias até o fim dos tempos. Quando tentamos vivenciar o nascimento do Cristo em nossa alma, no dia de hoje, quando O sentimos atuando como a luz eterna em nossa alma e como a força eterna no tempo, então olhamos de forma correta para o nascimento histórico do Cristo em Belém e como este se reflete em nossa alma.
Olhando assim para este Seu nascimento na história da humanidade e para Seu nascimento em nossa alma, conseguimos aprofundar-nos no pensamento do natal. E então vislumbramos aquele Natal que deveríamos sentir como um novo fortalecimento e uma nova iluminação dos Homens para o nosso presente onde há e haverá ainda tanta maldade e sofrimento.
“Meu reino”, diz Cristo, “não é deste mundo”. Isto nos indica que devemos procurar em nossa própria alma o caminho que leva ao reino onde Ele está, para nos fortalecer e nos iluminar quando escurece e quando perdemos as forças, com seus impulsos, através dos quais Ele quer aparecer em cada Natal. Mas Ele trouxe este Reino para este mundo, para que deste Reino possamos sempre encontrar força, consolo, coragem e esperança em qualquer situação da vida, se quisermos aproximar-nos d’Ele, cultivando no coração as Suas palavras; palavras como estas: “Se não vos tornardes como as crianças não podereis entrar no Reino dos Céus”.