Textos Diversos
Contemplação sobre o Mistério de Natal
O evangelista Lucas, no 2º. Capítulo, narra o nascimento de Jesus.
Com nossos olhos da alma enxergamos a jovem mãe de uma beleza e uma pureza virginal que Rafael pintou em suas “Madonas”, com a criança na manjedoura; e os pastores no campo sob um céu estrelado guardando seu rebanho. Enxergamos o anjo revestido de esplendor divino, que lhes anuncia que nasceu o Salvador; e de súbito todo o coro celestial entoando o hino:
“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!”
A cada noite de Natal lembramo-nos assim do nascimento de Jesus e renovamos no nosso foro íntimo os votos de um amor mais caloroso a todos os nossos próximos.
Podemos, porém, alargar nossa visão. Podemos divisar a linda criança 33 anos depois sendo homem adulto, que padece a morte na cruz, renegado pelos dirigentes do seu povo. E podemos lembrar-nos que os Evangelhos nos narram que de forma inaudita e misteriosa Jesus morto ressurgiu do túmulo, aparecendo em seguida durante quarenta dias aos seus discípulos.
É aí que surge hoje a pergunta: quem afinal é aquela pessoa tão extraordinária sobre cujo túmulo se originava uma nova religião? E como podemos entender aquele mistério da ressurreição?
Houve outros homens que viveram uma vida exemplar tais como Gauthama Budha e Sócrates. Outros houve que conseguiram curas milagrosas e outros “milagres”. Ainda outros inocentes foram e diariamente estão sendo cruelmente torturados e mortos. O que então é o peculiar que nos conduz a chamar o Jesus de Nazaré o Cristo, o salvador do mundo? Particularmente de um mundo como o de hoje, que se encontra mais distante do que nunca da paz, da harmonia e do amor?
Para compreendermos esse grande mistério devemos voltar nossos pensamentos às
Origens do mundo e da humanidade. Conta-nos o Velho Testamento, em forma de grandes imagens, que Adão e Eva, os primeiros homens, saíram primorosos das mãos da Divindade. Porém, sucumbiram à sedução do tentador e perderam a inocência, tornando-se mortais. Nos milênios que se seguiram, a humanidade, na qual havia entrado o germe do egoísmo, desceu de degraus até chegar, sob o Império Romano, na época de sua decadência, ao cúmulo da depravação. Se a humanidade não deveria perder por completo seu caminho e até sua própria identidade, então, tornava-se necessário um novo ato da divina providência.
Mas como? Não havia esse Ser Supremo mesmo posto um limite á sua onipotência em relação aos homens? Não havia Ele dotado os homens da faculdade de discernimento do bem e do mal quando não impediu que comessem da “árvore da ciência do bem e do mal”? E não os havia dotado de liberdade de agir de acordo com sua cognição? Não havia Ele desta maneira abdicado de interferir diretamente no destino dos homens? A própria pergunta encerra a resposta.
O que então fez a Divindade para salvar os homens? Encarnou-se num ser humano, encarno-se em Jesus de Nazaré (durante o ato do batismo no rio Jordão por João Batista). Compenetrado pelo Divino tornou-se Jesus o “Filho de Deus”; mas, ao mesmo tempo, nascido do ventre de uma mulher, era também o “Filho do Homem”. Contrário a Adão, soube resistir à tentação pelo Diabo, recusando no deserto as suas promessas. Deus e homem em uma mesma pessoa, padeceu. Ele o destino mais cruel, tornando-se naquele de quem Isaías ( 53,3-4) havia profetizado:
“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas
dores levou sobre si; e nós o reputamos por aflito, ferido e oprimido por Deus.
Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades;
O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisadeiras fomos
Sarados.”
Podemos perguntar: será que tudo isto por si só justificaria chamar Jesus o salvador do mundo? A resposta só pode ser: não! Algo mais teve que acontecer para atribuir-lhe esta qualificação . É o fenômeno da ressurreição.
Como podemos explicar este fenômeno, já que é impensável que o Supremo ser infringisse uma lei natural por Ele mesmo posto, tornando um morto vivo? Seria algo que poderíamos chamar de “a impossibilidade do onipotente”.
Tentemos explicar de que se trata na realidade.
Cada corpo de um ente vivo é produzido por energias, por forças físicas por si só invisíveis, mas que se tornam visíveis no momento em que assumem substâncias materiais, compenetrando-as e amalgamando-as consigo. Uma vez que um corpo humano formado dessa maneira sucumbe à morte, ele se decompõe e aquelas forças que haviam constituído o corpo físico de uma pessoa não se dissiparam depois de sua morte, mas conservaram-se coesas tais quais eram enquanto Jesus vivia, guardando inclusive seu semblante. Foi nesta forma que Jesus, numa corporalidade física porém não material, apareceu aos seu semblante. Foi nesta forma que, através da convivência com Ele, haviam adquirido um novo órgão para perceber o invisível e o intocável (Thomas). Essa conglomeração de forças, essa “Gestalt” ficou preservada e presente no mundo supra-sensível através dos séculos qual um núcleo poderoso cuja força irradiante pode se transmitir a todos que, num estado de meditação religiosa, tornam-se receptíveis a essas forças. Colocar-se nesse estado de receptividade e obter assim a força e o impulso de seguir os preceitos do mestre chama-se hoje: ser cristão, obter a salvação.
Admitimos que se trata de um grande mistério que não pode ser vivenciado exclusivamente aplicando o raciocínio lógico. Mas, conscientizemo-nos que somos dotados não somente de um intelecto, mas de outras poderosas faculdades da alma que precisamos evocar e cultivar para alcançar algo dos grandes mistérios da existência humana e do mundo.