Histórias

O Menino do Presépio (Frank Brentano)

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Frank Brentano

 

Consta de uma badalada medieval a história do pequeno Rogério, filho do muito nobre  e poderoso conde Geraldo de Blaives, salvo pela dedicação de um de seus servos e sua esposa.
O castelo de Blaives estava cercado pelas forças muito superiores em número do rude e altaneiro sire de Hautefort. O assédio durava já alguns meses e, dia a dia tornava-se mais rigoroso. Todas as saídas secretas que iam dar nos campos e permitiam o abastecimento da guarnição, haviam sido descobertas e fechadas. Então, a fome torturou tão cruelmente os que viviam ao abrigo daquelas muralhas que o conde Geraldo se declarou disposto a capitular, desde que lhe fosse concedida a vida dos seus e a integridade do domínio familiar.
Para tornar a situação mais horrenda, o conde vira nascer , dias antes um filhinho. Disso se aproveitou o sire de Hautefort, para saciar sua ferocidade. Concordou com tudo, mediante uma condição – que lhe fosse entregue o recém nascido. Como não havia mais nenhum meio para resistir, o conde teve que assinar um terrível contrato. O menino havia sido levado para um mosteiro distante, porém o conde se obrigou, sob palavra de honra, a mandar buscá-lo e entregá-lo a seu implacável inimigo.

O assédio fora levantado. O sire de Hauterfor retirava-se com suas tropas. A calma renascia no domínio devastado; as ruínas iam ser restauradas; mas com que dor o torturado para ia-se separar de seu filho único!
O inverno estendia seu manto de neve por toda França, quando o conde Geraldo confiou a criança a seu fiel servo Grosjean e sua esposa, a boa Margot, para que a levassem a Hautefort. O humilde casal recebeu o menino envolto em cobertas de lã e preparou-se para seguir pela planície branca, refletindo tristemente. Que pretenderia o impiedoso sire fazer com o recém –nascido? Matá-lo, decerto, para que se extinguisse o nome e o título dos condes de Blaives. Grosjean não se conforma com essa perspectiva. Contempla desolado a  criança  a quem, um dia, devia caber o título e senhorio tão bem exercido por seu pai. Se pudesse salvá-lo.... Uma idéia trágica atravessa seu cérebro.
Eles têm um filho da mesma idade.
Ao que parece, Margot tivera a mesma idéia, porque, adivinhado-as no olhar de seu marido, desatou em soluços. Grosjean disse apenas:
- É nosso dever.
A mulher baixou a cabeça e trocou as vestes e cobertas dos dois inocentes, mas seu pensamento prevê o futuro:
- Os belos dias voltarão; eu subirei ao alto das muralhas e verei dezenas de crianças brincando. Lembrar-me-ei que meu filho poderia estar ali também e meu coração chorará.
Agora, vão seguindo com passo tardo e moroso; mas, embora lentamente, acabam por consumir a distância. Ei-los ao pés da colina árida, onde se erguia o castelo de Hautefort.
Só então, ouvindo os sinos e os cânticos que se erguem de uma capela próxima, os dois servos se lembram de que estão na véspera do Natal. Por um acaso feliz, um dos servos de Hautefort, justamente o sacristão encarregado dos aprestos para a Missa do Galo, é primo de Margot e lhe mostra com ingênuo orgulho seu trabalho.
- Este é o presépio. Na hora da missa, deitaremos sobre este feixe de palha uma criancinha, a fim de representar o Menino-Deus.
Ouvindo essas palavras, a boa Margot julgou-se diante de um auxílio da Divina Providência e suplicou:
- Meu primo... Por Deus vivo te peço. Se hás de utilizar outra criancinha utiliza meu filhinho.
- Muito bem – concordou o primo, que não viu nessa escolha favor tamanho que justificasse a emoção de Margot.
Aproximava-se a hora divina em que Deus deu ao mundo aquele que trouxe aos homens idéias de bondade, misericórdia, afeição recíproca, generosidade, esquecimento de ofensas...
O fero sire Hautefort encaminha-se para a capela, acompanhado por um séquito numeroso, com fanfarras e tilintar de espadas, pertuisanas, chouços e armaduras. Jacqueline, sua esposa, vem ao seu lado. A missa principia na capela iluminada. Junto do altar, sobre o feixe de palha do presépio, o filho de Grosjean e Margot dorme tranqüilamente.
No momento da comunhão, o Senhor e Senhora de Hautefort ajoelham-se diante do presépio, que lhes apresentava uma atmosfera especialmente impressionadora porque Jaqueline tinha a esperança de ser mãe dentro de alguns dias. Por isso, o aspecto frágil de um recém-nascido enternecia-os.
Mas o sagrado oficio termina. Do altar, o sacerdote abençoa a assistência genuflexa. Soam buzinas, trompas, címbalos e alaúdes, a fim de ritmar o regresso do cortejo. Nesse momento, um homem de aspecto rude aproxima-se do fidalgo e dobra os joelhos diante dele:
- Senhor, somos os enviados do nobre conde de Blaives.
- E o menino? Perguntou sofregamente o fidalgo.
- Ei-lo, senhor – disse Grosjean, designando o presépio.
O rude guerreiro contempla o pequeno inocente, que tranqüilamente, repousa. Julga ver o filho que espera com tão ansioso alvoroço. Seu olhar se nubla em uma lágrima de emoção, e , ele estende um braço, num gesto largo dizendo:
- Leva-o e dize ao pai que no futuro, trataremos de conciliar nossos desejos e ambições.

 

 

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