Textos de Rudolf Steiner
O MISTÉRIO DE MICAEL (apostila) - A Memória e a Consciência Moral
Durante o sono o homem está entregue ao cosmo. Leva a ele o resultado de vidas anteriores, que possui ao descer do mundo anímico espiritual ao mundo terrestre. Durante o estado de vigília, ele priva o cosmo desse conteúdo de sua entidade.
A vida entre o nascimento e a morte decorre nesse ritmo entre entregar-se ao cosmo, e subtrair se a ele.
Subtrair se ao cosmo significa, ao mesmo tempo, estar a organização neuro sensorial acolhendo o homem anímico espiritual. Este se une durante o período de vigília com os processos físicos e vitais que nela se desenrolam, para atuar de uma maneira uniforme. Tal atuação engloba a percepção sensorial, a formação das imagens da recordação e a vida da fantasia. Estas atividades estão ligadas ao corpo físico. Em compensação, as representações mentais e o pensar nos quais o homem se torna consciente do que ocorre, semi inconscientemente, na percepção, na fantasia e na recordação estão relacionados com a organização do pensar.
Encontra se também nessa organização do pensar propriamente dita, a região pela qual o homem vivência sua auto-consciência. A organização do pensar é uma organização estelar. Se ela se manifestasse exclusivamente como organização estelar, o homem carregaria em si não uma consciência de si próprio, mas uma consciência dos deuses. Mas a organização do pensar é uma organização estelar separada do cosmo das estrelas e transferida a Terra. Vivenciando o mundo das estrelas no âmbito da Terra, o homem vem a ser auto consciente.
Eis, pois, a região da vida íntima do homem: o mundo divino espiritual, vinculado ao homem, demite o para que possa tornar se homem no pleno sentido da palavra.
Mas logo abaixo da organização do pensar, na região onde se realizam a percepção sensorial, a fantasia, a formação de recordação, o mundo divino espiritual vive integrado à vida humana. Pode se dizer que o divino espiritual participa no estado de vigília do homem enquanto a memória se desenvolve. Pois as duas outras atividades, a percepção sensorial e a fantasia, são apenas modificações do processo de formação de imagens da recordação. Na percepção sensorial a formação do conteúdo da recordação está em sua fase inicial; no conteúdo da fantasia vemos refulgir na alma o que, desse conteúdo, fica conservado na existência da alma.
0 estado de sono leva o elemento anímico espiritual do homem ao cosmo. 0 homem como que mergulha no cosmo anímico espiritual com a atividade do seu corpo astral e seu Eu. Não está apenas fora do mundo físico, mas também do mundo das estrelas. Todavia, encontra se dentro dos seres divino espirituais que deram origem à sua existência.
No momento atual da evolução cósmica esses seres divino espirituais atuam da seguinte forma: gravam durante o estado de sono o conteúdo moral do mundo no corpo astral e no Eu. Tudo o que acontece durante o sono do indivíduo, em âmbito cósmico, tem realidade moral e não se parece de maneira alguma com os processos da natureza.
0 homem leva os pós efeitos desses processos do estado de sono para o estado de vigília, mas eles permanecem em estado de sono. Pois o homem está acordado apenas naquela parte de sua existência que tende para a região do pensar. Aquilo que ocorre na esfera da vontade está envolto, mesmo durante o estado de vigília, numa inconsciência igual àquela que caracteriza toda a vida anímica durante o sono. Mas o divino espiritual continua impregnando a vida volitiva adormecida, durante o estado de vigília. A moralidade do indivíduo é tão boa ou tão má quanto é possível de acordo com a proximidade dos seres divino espirituais que pode alcançar enquanto dorme. E ele chega mais perto ou fica mais distante de acordo com a moralidade das vidas terrestres anteriores.
Das profundezas da alma acordada soa aquilo que nela implantou durante o sono, com a participação do mundo espiritual. 0 que assim soa, é a voz da consciência moral.
Vemos assim, que aquilo que uma cosmovisão materialista mais tende a explicar apenas por processos materiais, é algo moral quando considerado pela cognição espiritual.
0 mundo divino espiritual atua no homem acordado diretamente na memória; e atua indiretamente, como pós efeito, na consciência moral.
A formação da memória ocorre na organização neuro sensorial; a formação da consciência moral ocorre como processo puramente anímico espiritual, porém dentro da organização do metabolismo e dos membros.
A organização rítmica situa se no meio entre as duas. Exerce uma atuação dupla, orientada em dois sentidos opostos. Como ritmo da respiração, ela está intimamente ligada com a percepção sensorial e com o pensar. Esse processo é mais grosseiro na respiração pulmonar, passando a ficar mais refinado e transformando se, como respirar mais sutil, em perceber sensorial e em pensar. A percepção sensorial ainda está próxima da respiração; ela é um respirar pelos sentidos e não pelos pulmões. Formar representações e pensamentos já está mais longe da respiração pulmonar; ai intervém o apoio dado pela organização do pensar. Há algo que se aproxima do ritmo da circulação sangüínea e constitui um respirar interiorizado que se liga com a organização do metabolismo e dos membros; manifesta se na atividade da fantasia.
Esta se estende, animicamente, até a esfera da vontade, da mesma forma como o ritmo da circulação chega até a organização do metabolismo e dos membros.
Na atividade da fantasia, a organização do pensar aproxima se da organização da vontade. 0 homem mergulha em sua esfera de sono da vontade, que nesse lugar está acordada. Em pessoas que apresentam esse tipo de organização, os conteúdos da alma manifestam se como sonhos em estado de vigília. Tal organização vivia em Goethe. Por isso ele fala que Schiller deveria lhe interpretar os sonhos poéticos.
No próprio Schiller era a outra organização que atuava. Ele era inspirado pelo conteúdo de suas vidas anteriores, e tinha de procurar conteúdos de fantasia, para a sua forte vontade.
A potência arimânica conta, para realizar seus intentos cósmicos, com pessoas que tendem a viver principalmente na esfera da fantasia, de modo que a contemplação da realidade sensorial se lhes transforma como que espontaneamente em visão de fantasia. Ela acredita poder cortar, com a ajuda de tais pessoas, a evolução da humanidade das suas raízes passadas e levá la para o rumo que ela quer.
A potência luciférica conta com indivíduos nos quais a esfera mais organizada é a da vontade, mas que dão à contemplação sensorial uma pronunciada conotação de imagens da fantasia, por amor íntimo a uma cosmovisão ideal. Ela pretende manter na evolução da humanidade os impulsos do passado, servindo se de tais indivíduos. Poderia prevenir a humanidade de mergulhar na esfera dentro da qual a potência arimânica precisa ser vencida.
Na existência terrena encontramos dois pólos opostos. Em cima espalham-se as estrelas. De lá irradiam as forças afins com tudo que pode ser calculado e que segue regras. A alternância regular do dia e da noite, as estações do ano, períodos cósmicos maiores, tudo isso é o reflexo terrestre dos acontecimentos do mundo das estrelas.
0 polo oposto irradia do interior da Terra. Ele vive em irregularidades.
0 vento e o tempo, o raio e trovão, terremotos e erupções vulcânicas refletem essa atividade interior da Terra.
0 homem é uma imagem da existência estelar e da terrena. A ordem das estrelas vive em sua organização do pensar, o caos terrestre vive na organização volitiva de seus membros. 0 ser humano terrestre, elemento harmonizador entre ambos, é vivenciado na organização rítmica.
Goetheanum, fevereiro de 1925.