Textos de Rudolf Steiner
O MISTÉRIO DE MICAEL (apostila) - A Relação entre a organização Sensorial e Intelectiva do Homem e o Mundo
Quando o homem usa a cognição imaginativa para contemplar sua própria entidade, ele se desfaz, enquanto observa, do seu sistema sensório. Para a contemplação de si mesmo, ele se torna um ser desprovido desse sistema. Não deixa de ter diante da sua alma imagens que eram anteriormente veiculadas pelos órgãos sensórios, mas cessa de se sentir ligado por eles com o mundo físico exterior. As imagens desse mundo que ele tem ante a alma, não são mais veiculadas pelos órgãos dos sentidos; demonstram, porém, de forma direta, que o homem se relaciona sensorialmente com seu ambiente natural de uma maneira diferente que prescinde dos próprios sentidos; trata se da relação com o espírito que está incorporado ao mundo ambiente natural.
Nessa maneira de considerar as coisas, o mundo físico se desprende do homem. 0 elemento terreno o deixa, e o homem não o sente mais como parte dele.
Alguém poderia pensar que a auto-consciência deve apagar se nessas condições. Isso parece ser a conseqüência das considerações precedentes que revelaram ser a auto-consciência o resultado do relacionamento do homem com a Terra. Mas não é assim. 0 que o homem conquistou pela sua ligação com o terrestre permanece, mesmo quando se liberta do elemento terreno depois dessa aquisição através de uma cognição viva.
A contemplação espiritual imaginativa que acabamos de descrever, revela que o homem não se ligou, no fundo, tão intensivamente com o sistema sensorial. Não é ele quem vive nesse sistema, mas o seu mundo ambiente. Foi este que veio a integrar, com sua essência, a organização sensorial.
Por isso, o homem dotado de visão imaginativa, considera a organização sensorial como uma porção do mundo exterior. Um pedaço de mundo exterior que está muito mais próximo dele, do que o ambiente da natureza mas, nem por isso, deixa de ser exterior. A diferença do resto do mundo ambiente é a seguinte: ele precisa da percepção sensorial para conhecê lo, enquanto mergulha em sua organização sensorial vivenciando a. A organização sensorial é um mundo exterior, mas o homem penetra nesse mundo exterior com sua atividade anímico espiritual a qual ele traz consigo ao penetrar na Terra, provindo do mundo espiritual.
Excetuando se o fato de o homem preencher sua organização sensorial com sua entidade anímico espiritual, essa organização é uma parte do mundo exterior como o é o mundo das plantas. 0 olho pertence, em última análise, ao mundo e não ao homem, assim como a rosa, percebida pelo homem, não pertence a este, mas ao mundo.
Na era que o homem acaba de atravessar no desenvolvimento cósmico, houve pessoas que, em sua busca de conhecimento, afirmaram que a cor, o som, as impressões de calor na realidade não estavam no mundo, mas no homem. A "cor vermelha", disseram, não existiria no mundo circundante, mas seria antes, o efeito de algo desconhecido sobre o homem. Mas a verdade é o oposto dessa interpretação. Não é a cor que, juntamente com o olho, pertence ao ser humano, mas é o olho que, com a cor, pertence ao mundo. 0 homem não deixa o ambiente terrestre fluir para dentro enquanto vive; é ele que se expande em direção a esse mundo entre o nascimento e a morte.
É significativo que a interpretação correta da relação entre o homem e seu mundo ambiente, ter se virado ao contrário, no fim da era tenebrosa na qual o homem fita o mundo exterior em que vive, sem ter nem uma vaga sensação da luz do espírito.
Depois de se desprender daquele mundo exterior em que vive com sua organização sensorial, o homem dotado da cognição imaginativa vivência uma organização que produz o pensar da mesma maneira como a organização sensorial faculta a percepção sensorial de imagens.
Nessa altura, o homem se sente relacionado com o mundo exterior das estrelas pela organização do pensar, da mesma forma como antes se havia sentido relacionado com a natureza terrestre pela sua organização sensorial. Reconhece a si próprio como ser cósmico. Os pensamentos deixam de ser sombras: são imbuídos de realidade, como o eram as imagens sensoriais da percepção sensorial. Se o indivíduo chega, com sua cognição, ao nível da inspiração, ele percebe que pode se desfazer desse mundo que se apoia na organização do pensar, da mesma forma como se desfez do ambiente terreno. Ele perscruta, que também com sua organização do pensar, não pertence a ele próprio, mas ao mundo. Ele descobre que são os pensamentos cósmicos que reinam dentro dele por intermédio de sua própria organização do pensar. Ele percebe que enquanto pensa, não recebe nele imagens do mundo, mas cresce para fora penetrando com sua organização pensante no pensar do universo.
0 homem é, pois, mundo, no que se refere tanto à organização sensorial quanto ao sistema do pensar. E o mundo cuja estrutura penetra para dentro dele. Percebendo pelos sentidos e pensando, o homem não é ele mesmo, mas é conteúdo do mundo.
Mas o homem envia a parte divino espiritual de sua entidade para dentro da sua organização do pensar; essa parte não pertence nem ao mundo terreno nem àquele das estrelas; ela é de natureza inteiramente espiritual e vive no homem de uma vida terrestre a outra. Esse divino-espiritual só é acessível à inspiração.
Assim o ser humano se desprende de sua organização terrestre e cósmica para erguer se, diante de si próprio, como um ente puramente divino-espiritual.
Percebe então em sua própria entidade o reinar do destino.
Com sua organização sensorial, o homem vive no corpo físico; com a organização do pensar, no corpo etérico. Liberto de ambas as organizações graças à vivência cognitiva, ele está em seu corpo astral.
Cada vez que o homem se liberta de alguma parte de sua entidade, o seu conteúdo anímico fica, de um lado, mais pobre; de outro, ele fica, ao mesmo tempo mais rico. Se enxerga, depois de se libertar do seu corpo físico, a beleza das plantas sensoriais, apenas de forma muito pálida, em compensação, todo o mundo dos seres elementais domiciliado no reino vegetal, se apresenta à sua alma.
Por ser essa a realidade, o indivíduo que tem a visão espiritual, não se transforma em asceta com relação ao que seus sentidos percebem. Enquanto vivência espiritualmente, ele sente o vivo desejo de perceber também pelos sentidos o que vivência em espírito. Assim como a percepção sensorial produz no homem total o qual busca a realidade total, a nostalgia do polo oposto, isto é, o mundo dos seres elementais, a visão dos seres elementais desperta, por sua vez, a ânsia pelo conteúdo da percepção sensorial.
Na vida humana global, o espírito sente falta do sensorial, e o sensorial requer o espírito. A existência espiritual seria vazia se nela não pairassem, como recordação, as vivências da vida sensorial; a vida sensorial seria escura se nela não atuasse de forma luminosa, embora inconscientemente, a força do espiritual.
Quando se tiver tornado maduro para vivenciar a atividade de Micael, o homem não sentirá um empobrecimento da alma no entrar em contato com a natureza, mas sim, um enriquecimento. E sua vida sentimental não tenderá a retrair se das impressões sensoriais, mas sentirá uma alegre inclinação para acolher na alma todas as maravilhas do mundo dos sentidos.
Goetheanum, fevereiro de 1925.