Textos de Rudolf Steiner

O MISTÉRIO DE MICAEL (apostila) - No Irromper da Era de Micael

Imprimir

Rudolf Steiner  


Até o século IX após o Mistério do Gólgota, o ser humano se posicionava de modo diverso perante os seus próprios pensamentos. Ele não tinha o sentimento de que ele próprio formava (produzia) os pensamentos que viviam em sua alma. Considerava os dádivas (inspirações) de um mundo espiritual. Mesmo quando tinha pensamentos sobre aquilo que percebia com os sentidos, estes pensamentos se lhe apresentavam como revelações do divino, o qual lhe falava a partir dos objetos sensoriais.

Quem tem percepções espirituais compreende este sentimento, pois toda vez que algo espiritualmente verdadeiro se revela (se transmite) à alma, não se terá jamais o sentimento de que, de um lado, existe a percepção espiritual e que, de outro, formamos nós mesmos, o pensamento para compreender esta percepção; o que ocorre é que o pensamento é visto na percepção; contido nela; sendo um dado tão objetivo quanto o da própria percepção.

Com o século IX (tratam se obviamente de indicações médias do tempo; a passagem se dá de maneira gradativa) a inteligência pessoal individual passa a brilhar na alma humana. 0 ser humano passou a ter o seguinte sentimento: eu mesmo formo (produzo) os pensamentos. E esta atividade de formar os pensamentos se tornou o elemento preponderante da vida anímica, fazendo com que os pensadores vissem no comportamento inteligente a essência (Wesen) da alma humana. Anteriormente se tinha uma representação imaginativa da alma. A essência dela não era vista na atividade de produção de pensamentos, mas na sua participação no conteúdo espiritual do mundo. Os seres espirituais supra-sensíveis eram pensados como seres pensantes; e eles vêm atuando para dentro do ser humano, eles também vêm pensando "para dentro" dele. Aquela parte do mundo espiritual que vive no ser humano era sentida como sendo a alma.

Ao penetrar o mundo espiritual com a própria visão, o ser humano é confrontado com poderes essenciais espirituais concretos. Antigas doutrinas designavam com o nome Micael aquela força a partir da qual emanavam (fluíam) os pensamentos das coisas. 0 nome pode ser mantido. Pode se então dizer que inicialmente os seres humanos receberam os pensamentos de Micael. Micael administrava a inteligência cósmica. A partir do século IX os seres humanos não sentem mais que os pensamentos lhes são inspirados por Micael. Eles escaparam do seu domínio e caíram do mundo espiritual para dentro das almas individuais.

A vida dos pensamentos, a partir de então, foi desenvolvida no âmbito da Humanidade. Não havia segurança a respeito do significado do pensamento. Esta insegurança vivia nas doutrinas escolásticas. Os escolásticos se dividiram em realistas e nominalistas. Os realistas   liderados por Tomás de Aquino e seus próximos   ainda sentiam o antigo vínculo entre pensamento e coisa. Portanto, viam o pensamento como algo real que vive nas coisas. Eles viam os pensamentos como algo real que flui das coisas para dentro da alma. Os nominalistas sentiam fortemente o fato de a alma ser aquela que forma (produz) os pensamentos. Sentiam que os pensamentos eram apenas algo subjetivo que vive na alma e nada têm a ver com as coisas. Os pensamentos eram vistos apenas como nomes produzidos pelo ser humano para designar coisas (não se falava sobre "pensamentos", apenas sobre "universalias"; mas quanto ao princípio do que estamos expondo, isto não vem ao caso, pois pensamentos têm sempre algo de universal em relação às respectivas coisas individuais).

Pode se dizer que os realistas queriam manter a fidelidade a Micael; e como os pensamentos haviam caído de seu domínio para o dos homens, eles, como pensadores, queriam servir a Micael como o senhor da inteligência do cosmo. Em sua parte inconsciente da alma os nominalistas se afastarem de Micael. Para eles o ser humano era dono dos pensamentos e não Micael.

0 nominalismo se expandiu, aumentou sua influência e pôde continuar desta maneira até o último terço do século XIX. As pessoas que, nesta época tinham a possibilidade de perceber os acontecimentos no âmbito do cosmo, sentiam que Micael havia seguido a corrente da vida intelectual. Ele busca uma nova metamorfose da sua incumbência cósmica. Anteriormente, ele deixava fluir os pensamentos para dentro das almas humanas a partir do mundo espiritual externo. Desde o último terço do século XIX ele quer viver nas almas humanas nas quais se formam (produzem) os pensamentos. As almas "aparentadas" com Micael viam no, anteriormente, desenvolver suas atividades no âmbito espiritual; agora elas reconhecem que devem deixá lo viver em seus corações e lhe dedicam a sua vida espiritual baseada nos pensamentos; agora, a partir de seus pensamentos individuais e livres, estas almas deixam que Micael lhes ensine a trilhar os caminhos verdadeiros da alma.

Os homens que na vida terrestre anterior viveram em pensamentos inspirados e que, portanto, eram servidores de Micael, ao voltarem a Terra para uma nova encarnação no final do século XIX sentiam se impelidos à formação desta comunidade micaélica livre. Elas agora consideravam o seu antigo inspirador de pensamentos como sendo o indicador de rumo, no âmbito dos pensamentos superiores.

Aqueles que sabem levar em conta estas coisas podem saber o significado que teve esta reviravolta no final do século XIX, com relação aos pensamentos dos seres humanos. Anteriormente o ser humano podia apenas sentir como os pensamentos se formavam, a partir de seu próprio ser. A partir da época mencionada, o ser humano pode erguer se acima de si mesmo, ele pode voltar a sua percepção (atenção) para o âmbito espiritual, onde Micael se lhe aproxima mostrando se, já desde longa data, familiarizado com todo o tecer dos pensamentos. Ele liberta o pensar do âmbito da cabeça e lhe abre o caminho para o coração; ele liberta a capacidade de entusiasmo do âmbito dos sentimentos, fazendo com que o ser humano possa viver com dedicação anímica para com tudo que pode ser experimentado no âmbito da luz dos pensamentos. A era de Micael irrompeu. Os corações começam a ter pensamentos; o entusiasmo não provém mais apenas da escuridão mística, mas da clareza anímica sustentada por pensamentos. Compreender isto significa acolher Micael na índole. Os pensamentos que hoje almejam abarcar o espiritual devem partir de corações que batem por Micael como o senhor ígneo dos pensamentos cósmicos.

Comentários (0)