Textos de Rudolf Steiner
A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Décima Segunda Conferência
Rudolf Steiner
Dornach, 15 de dezembro de 1919
As tarefas que se colocam para a humanidade, no presente e no futuro imediato, são incisivas, grandes, significativas. De fato, é necessário mobilizar uma forte coragem anímica para a realização dessas tarefas. Quem, hoje em dia, olhar para essas tarefas e procurar obter uma verdadeira compreensão do que é necessário para a humanidade, terá de pensar freqüentemente na facilidade superficial com que são tratados os assuntos públicos, isto é os assim chamados assuntos públicos. Poderíamos dizer que os homens, hoje, politicam ao acaso. A partir de algumas emoções, a partir de alguns pontos de vista bem egoístas ou de um egoísmo do povo, os homens formam sua opinião sobre a vida quando, pela seriedade da época atual, o adequado seria ter um certo anseio em querer conhecer os fundamentos verdadeiros para alcançar realmente um juízo sensato. No decorrer dos últimos meses e também anos, proferi conferências e teci aqui considerações sobre os mais diversos assuntos, inclusive sobre a história atual e as exigências da atualidade, sempre com a finalidade de fornecer fatos que possam levar os homens a formarem um juízo, não para colocar o juízo pronto diante deles. O que realmente importa nos dias de hoje é o anseio por conhecer os fatos da vida cada vez mais profunda e exatamente, a fim de se ter um fundamento verdadeiro para formar um juízo. Devo mencionar isto porque as diversas declarações, as diversas exposições que fiz a respeito da assim chamada questão social, e da trimembração do organismo social são, como podemos ver claramente, tratadas de um modo muito superficial, porque são muito poucas as perguntas feitas sobre os fundamentos efetivos e importantes relativos a estes assuntos. Os seres humanos da atualidade têm muita dificuldade em chegar nestes fundamentos efetivos porque, mesmo que não queiram aceitá-lo, são teóricos em todas as áreas da vida. Os que mais têm a convicção de serem práticos, são os mais teóricos, pois geralmente se contentam em formar algumas representações mentais sobre a vida, e a partir destas querem julgá-la, quando somente a partir de um aprofundamento verdadeiro, universal e abrangente da vida é que podemos formar um juízo objetivo sobre o que é necessário. Podemos dizer que, num certo sentido, hoje é, no mínimo, uma frivolidade intelectual quando politicamos ao acaso, sem fundamentos objetivos, ou quando fantasiamos uma cosmovisão. Hoje é de se desejar que a seriedade da vida viva no fundo das almas.
Se, de certo modo, como o outro lado, o lado prático de nossa aspiração científico-espiritual, a trimembração do organismo social também vem sendo colocada ultimamente perante o mundo, acontece que se manifestam preconceitos, e principalmente pré-sensações quanto ao modo de pensar e imaginar que norteia a elaboração desse organismo social trimembrado. De onde vêm esses preconceitos e, principalmente, as pré-sensações? Hoje o ser humano constrói representações mentais sobre o que é a verdade – agora me refiro sempre à vida social -, ele forma as representações mentais do que é o bom, o correto, o útil e assim por diante. Depois de ter formado as diversas representações mentais, ele é de opinião que elas têm validade absoluta em todas as situações, e para sempre. Por exemplo, tomemos um homem da Europa Ocidental, Central ou Oriental, de orientação socialista. Ele tem certos ideais formulados segundo o socialismo. Mas quais são as representações mentais fundamentais que ele tem diante de seus ideais socialistas? Ele tem por base a representação mental de que aquilo que ele acha que o satisfaz deveria, então, satisfazer a todos os homens da Terra, e isso deveria ter validade infinita para toda a existência terrestre futura. Hoje em dia temos pouca percepção de que tudo o que deve ser tido como pensamento para a vida social, deve nascer do caráter fundamental do tempo e do lugar. Por isso não é fácil compreender como é necessário que seja introduzida, com diversos matizes, a trimembração do organismo social na cultura européia atual, com um suplemento americano. Se ela for introduzida, os matizes acontecerão por si mesmos em relação ao espaço, ou seja em relação às diferentes regiões dos povos da Terra. E além disso, depois do tempo em que, devido à evolução da humanidade, as idéias e pensamentos mencionados por mim em “Pontos Centrais da Questão Social” não forem mais válidos, outros deverão ser encontrados.
Não se trata de pensamentos absolutos, trata-se de pensamentos para a atualidade e para o futuro imediato da humanidade. Mas para compreender, em toda sua extensão, como é necessária a trimembração do organismo social numa vida espiritual independente, numa vida jurídica e estatal independente, numa vida econômica independente, devemos primeiro olhar de modo imparcial para a maneira como, em nossa civilização européia-americana, se realizou o interagir entre espírito, Estado, e Economia. Esta interação dos fios, o fio espiritual, o fio jurídico e estatal, e o fio econômico não é nada fácil. Nossa cultura, nossa civilização é um novelo que foi enrolado, dentro do qual três fios de origens totalmente diferentes estão emaranhados. Nossa vida espiritual é de origem essencialmente diferente do que são a nossa vida jurídica ou estatal, e novamente totalmente diferente de nossa vida econômica. E essas três correntes de origens diversas estão emaranhadas entre si de modo caótico. Hoje, naturalmente, só poderei fazer uma apresentação esquemática, porque quero rastear rapidamente essas três correntes até suas origens primordiais.
Nossa vida espiritual, da forma como se apresenta inicialmente para quem considera as coisas reais pelo seu exterior, para quem capta a realidade através dos sentidos, foi adquirida pelo ser humano pelo fato de que os homens permitem que atue sobre eles a continuação da antiga vida cultural grega e latina, da vida espiritual greco-latina como inicialmente fluiu através do que, mais tarde, se transformou em nossos ginásios, através do que vieram a ser as nossas universidades. Pois a outra formação, a assim chamada formação humanística, que vai até o ensino fundamental, é totalmente dependente do que, como uma corrente (desenha, amarelo, veja Desenho 38), vem inicialmente do elemento grego. Pois o que temos como vida espiritual, como a nossa vida espiritual européia é, inicialmente, de origem grega, apenas passou pela via latina. A cultura latina é uma estação transitória. Sem dúvida, mais recentemente mesclou-se com a vida espiritual provinda da Grécia outro elemento que procede do que chamamos de técnica das diversas áreas, que ainda não era acessível aos gregos: A técnica da mecânica, a técnica do comércio e assim por diante. Eu poderia dizer: Às nossas universidades juntaram-se as escolas técnicas superiores, as escolas comerciais superiores e assim por diante, que trazem um elemento moderno àquilo que, a partir das escolas humanísticas provenientes da cultura grega, flui para as nossas almas; não flui apenas para as almas de uma classe assim chamada culta, pois o que hoje são teorias socialistas, o que também influencia as cabeças dos proletários, é somente um desvio do que de fato procede da vida espiritual grega. Só que passou por várias metamorfoses. Mas quanto à sua origem, esta vida espiritual remonta até o Oriente. E o que encontramos em Platão, Heráclito, Pitágoras, Empédocles, principalmente em Anaxágoras, tudo isso retrocede ao Oriente. O que encontramos em Ésquilo, Sófocles, Eurípides, remonta ao Oriente, o que encontramos em Fídias remonta ao Oriente. A cultura grega remonta inteiramente ao Oriente. Ela passou por uma transformação significativa no caminho do Oriente para a Grécia. Lá no Oriente, essa cultura espiritual era bem mais espiritual do que era na Grécia Antiga, e no Oriente era uma emanação do que poderia ser chamado de Mistérios do Espírito, ou também podemos dizer Mistérios da Luz (desenha novamente, veja Desenho 38). A vida espiritual grega era filtrada, diluída em comparação com a vida espiritual da qual se originou, a vida espiritual oriental. Esta baseava-se em experiências espirituais muito especiais. Se eu devesse descrever estas experiências espirituais aos senhores, teria que caracterizá-las da seguinte maneira.
Logicamente teremos que retroceder a tempos pré-históricos, pois os Mistérios da Luz, ou os Mistérios do Espírito são manifestações pré-históricas. Para demonstrar-lhes o caráter dessa vida espiritual, do modo como se formou, tenho que dizer o seguinte: Sabemos que, se retrocedermos muito na evolução da humanidade, constataremos cada vez mais que os seres humanos dos tempos antigos tinham uma clarividência atávica, uma clarividência sonhadora através da qual se lhes revelavam os segredos do cosmos. E falamos corretamente quando dizemos que durante o terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo milênio antes do Mistério do Gólgota, toda a terra asiática civilizada era habitada por homens para quem as verdades espirituais se revelavam à sua clarividência ligada à natureza, ao sangue, ao seu organismo corpóreo. De certo modo era essa a população espalhada por uma grande região. Mas essa clarividência atávica estava numa evolução descendente, estava entrando cada vez mais em decadência. E o entrar em decadência da clarividência atávica não é apenas uma manifestação histórico-cultural, é ao mesmo tempo uma manifestação da vida social da humanidade.
Por que? Porque dessa grande massa da população terrestre de diversos centros, principalmente de um centro na Ásia, de certo modo levantou-se um tipo especial de seres humanos, um tipo de seres humanos com aptidões especiais. Esses seres humanos, além da clarividência atávica que, num certo sentido, ainda restara - ainda surgia de sua vida anímica interior uma compreensão onírica dos mistérios do mundo –, além dessa compreensão onírica eles ainda tinham – com efeito, como os primeiros homens da evolução da humanidade - o que nós chamamos de a força do pensar. Eles foram os primeiros a terem o alvorecer da inteligência.
O fato de aqueles antigos seres humanos, que não tinham nada além das visões oníricas emergentes sobre os Mistérios do Mundo, verem entrando nos seus territórios imigrantes que ainda os compreendiam porque também tinham visões, mas que também tinham algo que eles próprios não tinham, a força do pensar, foi uma manifestação social significativa. Era um tipo especial de seres humanos. Os hindus viam a casta chamada de casta dos brâmanes como os descendentes desses homens que uniam a clarividência atávica à força do pensar. Quando desceram das regiões mais elevadas do norte da Ásia mais para as regiões do sul, eles passaram a chamar-se arianos. Essa é a população ariana. Sua marca arquetípica é que - permitam-me empregar a expressão que se usou posteriormente - ligavam as aptidões plebéias da clarividência atávica com a força do pensar.
Aqueles mistérios que chamamos de Mistérios do Espírito ou, principalmente, Mistérios da Luz, foram fundados por estes homens que uniam a clarividência atávica com os primeiros lampejos de inteligência, a luz interior do ser humano. E a nossa formação espiritual é um adendo ao que, naquela época, entrou na humanidade como uma faísca iluminadora, porém é apenas um adendo.
Muita coisa revelada então conservou-se na humanidade. Mas devemos considerar que já os gregos, justamente as personalidades mais cultas entre os gregos viram como se apagava aos poucos o antigo dom da clarividência atávica e que lhes restava a força do pensar. Aos romanos restou somente a força do pensar. Nos gregos ainda havia a consciência de que a força do pensar também surge das mesmas fontes das quais veio a antiga clarividência atávica. Por isso Sócrates, quando falava do seu demônio que lhe inspirava as verdades inteligentes, porém apenas dialéticas, ainda expressava algo que conhecia como vivência,.
Os gregos também apresentaram, de maneira artisticamente significativa, como o ser humano inteligente se distingue, melhor dito como o ser humano inteligente irrompe da outra humanidade. Pois em sua escultura os gregos têm - basta estudá-la detalhadamente - três tipos bem diferentes um do outro. Eles têm o tipo ariano, que tem a cabeça de Apolo, a cabeça de Palas Atena, a cabeça de Zeus, a cabeça de Hera. Comparem as orelhas de Apolo com as orelhas de uma cabeça de Mercúrio, o nariz de Apolo com o nariz de uma cabeça de Mercúrio, e os senhores verão como o tipo é diferente. Dentro do helenismo, o grego queria mostrar como, no tipo de Mercúrio, a inteligência confluiu com o que era a clarividência antiga, passada, que ainda existia como superstição, que era cultura primitiva, queria mostrar como isso estava presente na base da cultura, e como sobressaía o ariano, cuja representação artística era a cabeça de Zeus, a cabeça de Palas Atena e assim por diante. As raças que ficavam bem embaixo, que continham ainda as sobras embaciadas da antiga clarividência, e que também viviam ainda na Grécia mas eram percebidas pelos gregos principalmente na periferia, estão contidas num outro tipo de escultura: no tipo de Sátiro que, por sua vez, é muito diferente do tipo de Mercúrio. Comparem o nariz de Sátiro com o nariz de Mercúrio, as orelhas de Sátiro com as orelhas de Mercúrio e assim por diante. O grego fez com que confluísse na sua arte o que ele levava em sua consciência sobre seu vir a ser.
O que foi surgindo gradualmente, filtrado pelos Mistérios do Espírito e da Luz, e passou da Grécia para os tempos modernos, tinha uma determinada característica como cultura espiritual. Como cultura espiritual, foi provida de uma tal força impulsionadora interior que, a partir de si mesma pôde, ao mesmo tempo, fundar a vida jurídica dos homens. Por isso, por um lado, a revelação dos deuses que nos Mistérios trazem o espírito aos seres humanos, e a implantação desse espírito adquirido dos deuses no organismo social exterior, nas teocracias. Tudo tem sua origem nas teocracias. E essas teocracias não eram somente capazes de, a partir dos Mistérios mesmos, permear-se com o direito, permear-se com a essência política, mas também de regulamentar a vida econômica a partir do espírito. Os sacerdotes dos Mistérios da Luz eram, ao mesmo tempo, os administradores econômicos, financeiros, de suas áreas. Eles administravam conforme as regras dos Mistérios. Eles construíam as casas, os canais, as pontes, também cuidavam do cultivo do solo e assim por diante.
Nos primórdios, era uma cultura que partia inteiramente da vida espiritual. Mas essa cultura foi se tornando abstrata. De vida espiritual, ela foi se tornando cada vez mais uma soma de idéias. Na Idade Média ela já era teologia, quer dizer uma soma de conceitos em lugar da antiga vida espiritual, ou era forçada a se manter abstrata porque as pessoas já não estavam mais ligadas à vida espiritual. Pois olhando para as antigas teocracias, veremos que aquele que ali regia recebia sua missão dos deuses nos Mistérios. O regente ocidental é sua última descendência. Nem é possível reconhecer nele que é o último descendente do regente da teocracia surgido dos Mistérios, recebendo sua missão dos deuses. Tudo o que restou foram a coroa e o manto da coroação. Estas são as insígnias exteriores que, mais tarde, tornaram se apenas condecorações. Compreendendo um pouco estes assuntos, podemos perceber nos títulos como eles ainda provêm dos tempos dos Mistérios. Mas tudo se exteriorizou.
Também se tornou exteriorizado o que pulsa como cultura espiritual no ensino médio e nas universidades como última ressonância das mensagens divinas dos Mistérios. A vida espiritual verteu-se em nossa vida mas tornou-se totalmente abstrata, veio a ser mera vida de representações mentais. Tornou-se algo de que os círculos orientados pelo socialismo dizem: Tornou-se uma ideologia, quer dizer uma soma de pensamentos que são apenas pensamentos. É isso o que a nossa vida espiritual veio a ser.
Debaixo desta vida espiritual desenvolveu-se o que hoje é o caos social, porque a vida espiritual foi tão filtrada, tão abstraída, que perdeu toda a sua força impulsionadora. Precisamos colocar a vida espiritual novamente nos seus próprios fundamentos, pois só assim ela pode prosperar. Devemos encontrar novamente o caminho do espírito meramente pensado para o espírito criador. Só conseguiremos fazer isto se procurarmos desenvolver, a partir da vida espiritual estatal, a vida espiritual livre que também terá, depois, a força de despertar novamente para a vida. Pois nem uma vida espiritual dirigida pela Igreja, nem uma vida espiritual mantida e protegida pelo Estado, nem uma vida espiritual arquejando sob o peso da Economia pode ser frutífera para a humanidade, só pode sê-la uma vida espiritual independente.
Sim, hoje é chegado o tempo de criar em nossas almas a coragem de defender perante o mundo, honesta e livremente, que a vida do espírito deveria ser colocada sobre sua própria base. Muitas pessoas perguntam: Mas o que devemos fazer? O mais imediato e importante é esclarecer as pessoas sobre o que é necessário: É necessário que conquistemos o maior número possível de pessoas que compreendam como é necessário, por exemplo, colocar a vida do espírito sobre seu próprio chão, é necessário que conquistemos o maior número possível de pessoas que compreendam que o que a pedagogia do século XIX veio a ser nas escolas de ensino fundamental, médio, e superior não é mais para o bem da humanidade, mas deve ser reconstruída a partir de uma vida espiritual livre. Ainda há pouca coragem nas almas para fazer esta exigência de um modo verdadeiramente radical. E só podemos fazê-lo se trabalharmos na direção de fazer com que o maior número possível de pessoas compreenda essas relações. Qualquer outro trabalho social hoje é provisório. O mais importante é ver e trabalhar para que cada vez mais pessoas possam compreender as necessidades sociais das quais acabamos de caracterizar uma. Trata-se de levar esclarecimentos sobre esses temas com todos os meios que estão à nossa disposição.
Ainda não somos produtivos com relação à vida espiritual, e só no futuro iremos nos tornar produtivos com relação a ela. Há disposições para isso, já falarei delas, mas ainda não nos tornamos produtivos com relação à vida espiritual. Devemos tornar-nos produtivos por meio da independização da vida espiritual.
Tudo que se forma na Terra deixa resquícios. Os Mistérios da Luz são menos filtrados na cultura oriental atual, na vida espiritual oriental do que no mundo ocidental mas, com certeza, não têm mais a forma que tinham antigamente, nos tempos que descrevi. Mas ao estudar o que os hindus ainda têm hoje, o que os budistas orientais têm, podemos reconhecer melhor a ressonância daquilo que fez surgir a nossa própria vida espiritual, só que na Ásia isso permaneceu num outro estágio de existência. Mas somos improdutivos em alto grau. Quando, no mundo ocidental, espalhou-se a notícia do Mistério do Gólgota, de onde foi que os eruditos gregos e latinos tiraram os conceitos para compreender esse Mistério? Tomaram-nos da sabedoria oriental. O mundo ocidental não fez surgir o cristianismo, este foi tomado do Oriente.
E outra coisa: Quando a cultura espiritual foi sentida como sendo bastante infrutífera, e se suspirava por uma frutificação da vida espiritual nas regiões de fala inglesa, os teósofos se dirigiram aos hindus subjugados e procuraram neles a fonte para sua Teosofia moderna. Não havia, na própria vida dos teósofos, uma fonte frutífera para melhorar a vida espiritual, então dirigiram-se ao Oriente. E ao lado deste fato significativo, os senhores podem encontrar muitas provas da esterilidade da vida espiritual no Ocidente. E toda prova da esterilidade da vida espiritual no Ocidente é, ao mesmo tempo, uma prova da necessidade de tornar a vida espiritual independente dentro do organismo social trimembrado.
Uma segunda corrente no novelo emaranhado é a corrente estatal ou jurídica. Está aí o obstáculo da nossa cultura, a segunda corrente. Quando o homem a observa exteriormente hoje em dia, quando chega a conhecê-la exteriormente, então ele a vê quando nossos respeitados juizes estão sentados no tribunal com os jurados e julgam os crimes e delitos, ou quando as autoridades administrativas regem o nosso mundo civilizado na sua burocracia, para o desespero dos que são administrados dessa maneira. Tudo o que denominamos jurisprudência, o que denominamos Estado, e tudo que, relacionado com jurisprudência e Estado surge como política, é essa corrente (veja Desenho 38, branco). Assim como posso denominar esta (laranja) a corrente da vida espiritual, assim esta é a corrente do Direito, do Estado (branco).
De onde isso provém? Sem dúvida, isso remonta à cultura dos Mistérios. Remonta à cultura de mistérios egípcia, que passou pelas regiões do sul da Europa e depois passou pela natureza romana sóbria e sem fantasia, essa natureza sem fantasia dos romanos que se ligou a um ramo lateral da natureza oriental e então se transformou no cristianismo católico, respectivamente na Igreja Católica (veja desenho). Essa igreja católica é, no fundo, falando de um modo algo radical, também uma jurisprudência. Pois desde alguns dogmas até aquele grande e poderoso julgamento que foi representado como o “Juízo Final” durante toda a Idade Média, a vida espiritual, tão diferente do Oriente por ter a influência egípcia dos Mistérios do Espaço, no fundo transformou-se numa sociedade de juizes mundanos, com condenações mundanas e castigos mundanos, e pecadores, e bons, e maus: É uma jurisprudência. E esse é o segundo elemento que vive dentro do novelo espiritual no emaranhado que chamamos de civilização, e que não se uniu organicamente, de forma alguma, com o outro elemento. O fato de que não se uniu pode ser reconhecido por qualquer um que vai a uma universidade e ouve uma palestra jurídica sobre o Direito Estatal e, em seguida, uma palestra teológica, por exemplo sobre Direito Canônico. Um está ao lado do outro. Mas esses fatos foram formadores do ser humano. Mesmo em tempos posteriores, quando suas origens foram esquecidas, eles ainda configuram as índoles humanas. A vida jurídica atuava de modo abstrativo sobre a vida espiritual subsequente, mas na vida exterior atuava nos costumes, hábitos e instituições humanas. E qual foi o último prolongamento social da corrente espiritual decadente do Ocidente, cuja origem não conhecemos mais? Foi a aristocracia feudal (veja Desenho 38). Não é mais possível reconhecer que o nobre tem sua procedência na vida espiritual teocrática oriental pois ele se despiu de tudo, restou apenas a configuração social. A inteligência jornalística às vezes apresenta certas manifestações estranhas que parecem pesadelos! Recentemente ela passou a apresentar essas manifestações estranhas, e inventou uma palavra curiosa da qual ela muito se orgulha: “aristocracia do espírito”. Ouvia-se isto de vez em quando. O que é que atravessa a constituição eclesiástica, a jurisprudência teocratizadora, a teocracia jurisprudencial, depois se seculariza na administração das cidades medievais, se seculariza completamente nos tempos mais recentes? Afinal, o que é isso como dependência mais exterior. É a burguesia (veja Desenho 38). Assim, as forças espirituais foram espalhadas de modo confuso entre os seres humanos em suas dependências mais exteriores.
Uma terceira corrente também se une a isso ainda. Observando de fora (desenho, laranja), onde é que essa terceira corrente se evidencia exteriormente de modo especialmente característico? Sim, chegou a existir um método para a Europa Central que demonstrava a certas pessoas onde essas dependências mais exteriores se desenvolviam, mesmo tendo outras origens. Isso acontecia quando o homem da Europa Central enviava seu filho para um escritório em Londres ou Nova Iorque para que ele aprendesse ali os usos e costumes da economia financeira. Nos costumes da vida econômica, cuja origem está nos costumes dos povos do mundo anglo-americano, podemos ver a última conseqüência do que se desenvolveu nas dependências do que denominarei os Mistérios da Terra dos quais, por exemplo, os Mistérios Druidas eram apenas uma variante especial. Nos tempos primordiais da população européia, os Mistérios da Terra ainda continham uma espécie própria de sabedoria. Essa população européia que nada sabia, que era totalmente bárbara quanto às revelações da sabedoria oriental, quanto aos Mistérios do Espaço, quanto ao que depois veio a ser o catolicismo, essa população que foi ao encontro do cristianismo que se difundia, tinha uma espécie própria de vida de sabedoria, que era uma sabedoria totalmente física. Historicamente podemos, se muito, estudar os hábitos mais exteriores que foram registrados na história dessa corrente: De como estavam conectadas as festividades daquelas pessoas das quais surgiram os usos e costumes da Inglaterra e da América. As festividades relacionavam-se de modo bem diferente do que no Egito, onde a colheita se relacionava com as estrelas. Aqui, a ocasião festiva era a própria colheita, as maiores festividades do ano estavam relacionadas com outras coisas do que lá, com coisas que faziam parte da vida econômica. Aqui temos algo que realmente remonta à vida econômica. Se quisermos compreender todo o espírito dessa questão devemos dizer: A partir da Ásia e do Sul, os homens transplantaram uma vida espiritual e jurídica que receberam de cima e conduziram à Terra. Na terceira corrente brota uma vida econômica que precisa desenvolver-se para cima, qual uma trepadeira que, na verdade, originalmente é apenas vida econômica quanto aos seus costumes jurídicos e suas instituições espirituais tanto que, por exemplo, uma das comemorações especiais do ano consistia em festejar a fecundação dos rebanhos em louvor aos deuses. Havia comemorações parecidas, tudo pensado a partir da vida econômica. E quando vamos para as regiões do norte da Rússia e da Rússia Central, para a Suécia, a Noruega, ou para as regiões que até há pouco tempo eram da Alemanha, para a França, ao menos para o norte da França, e para a Grã-Bretanha atual, ao passar por essas regiões encontraremos por toda parte uma população que, antes da difusão do cristianismo, nos tempos antigos, tinha uma cultura explicitamente econômica. O que ainda encontramos como costumes antigos, como festas dos costumes jurídicos, como costumes de festas dos deuses são ressonâncias dessa antiga cultura econômica. (Agora o desenho na lousa está completo).
Essa cultura econômica encontrou-se com o que vinha do outro lado. Inicialmente, ela não conseguiu desenvolver uma vida jurídica e espiritual independente. As práticas jurídicas originais foram descartadas porque entrou o direito romano, os usos espirituais originais foram descartados porque entrou a vida espiritual grega. Inicialmente esta vida econômica torna-se estéril, e gradualmente liberta-se para fora novamente, mas somente conseguirá fazê-lo ao superar a caotização que ocorreu pela adoção da vida espiritual e jurídica alheia. Tomem a vida espiritual anglo-americana atual. Nessa vida espiritual anglo-americana há duas coisas extremamente diferentes. Em primeiro lugar, é na vida espiritual anglo-americana que há, mais do que em qualquer outro lugar no mundo, as assim chamadas sociedades secretas, que exercem uma influência bastante grande, muito maior do que as pessoas têm conhecimento. Elas são as guardiãs da vida espiritual antiga, e têm orgulho de ser as guardiãs da vida espiritual egípcia e oriental, que foi totalmente filtrada até evaporar-se em símbolos, até evaporar-se em símbolos que não entendemos mais, mas que junto aos dirigentes têm um determinado poder, muito grande. Mas isto é vida espiritual antiga, uma vida espiritual que não surgiu em solo próprio. Paralelamente há uma vida espiritual que cresce perfeitamente bem no solo econômico, mas apenas faz brotar flores bem pequenas, viceja no solo econômico como flores bem pequenas.
Quem estuda e consegue entender esses assuntos sabe bem que Locke , Hume, Mill, Spencer, Darwin, e outros, é que são, realmente, estas florzinhas que surgiram da vida econômica. Podemos extrair os pensamentos de um Mill, de um Spencer exatamente a partir da vida econômica. A democracia social elevou isto à teoria e contempla a vida espiritual como uma dependência da vida econômica. É isso que existe inicialmente; tudo extraído do assim chamado “funcional”, da rotina da vida, e não da verdadeira experiência de vida. De modo que caminham paralelamente coisas como darwinismo, spencerismo, millismo, humeismo, e os ensinamentos filtrados dos Mistérios, que depois têm seus prolongamentos nas diversas evoluções sectárias, na sociedade teosófica, nos quakers e assim por diante. A vida econômica que quer emergir só fez brotar as pequenas florzinhas, ainda não foi muito longe. O que é vida espiritual, o que é vida jurídica são plantas estranhas! E plantas tanto mais estranhas (peço que atentem para isso), plantas tanto mais estranhas quanto mais formos em direção ao Oeste na civilização européia.
Pois na Europa Central sempre houve algo que, gostaria de dizer, era como um defender-se, uma luta contra a vida espiritual grega por um lado, e a vida jurídica romana-católica do outro lado. Sempre houve um rebelar-se. Um exemplo dessa rebeldia é a filosofia da Europa Central. Em verdade, na Inglaterra não se sabe nada a respeito dessa filosofia da Europa Central. Na verdade, não é possível traduzir um Hegel para o inglês. Não se sabe nada sobre ele. A filosofia alemã é denominada germanismo na Inglaterra, e com isso referem-se a algo com o que uma pessoa sensata não pode ocupar-se. Mas justamente nessa filosofia alemã, com exceção de um episódio - em que Kant foi totalmente estragado por Hume, e esse horrível elemento de Kant e Hume que foi introduzido na filosofia alemã realmente ocasionou um est rago lastimável nas cabeças dos homens da Europa Central -, com exceção desse episódio temos pelo menos a floração tardia dessa rebeldia justamente em Fichte, Schelling, Hegel. Essa procura por uma vida espiritual livre já aparece em Goethe, que não queria mais saber nada sobre última ressonância da jurisprudência romano-católica dentro do que chamamos de lei natural. Percebam como, do mesmo modo como os juizes ainda vestem seus talares já puídos e os estranhos gorros de tempos antigos - hoje fazem petições para que possam despi-los -, percebam como também na ciência, na lei natural, ainda existe a “lei”, o jurídico! Porque toda a expressão “lei natural” não tem sentido, por exemplo, na ciência de Goethe, que trabalha somente com o fenômeno original, com o fato original. Foi aí que, pela primeira vez, lutou-se radicalmente - mas naturalmente tudo isso focpi no começo -, essa foi a primeira investida rumo à vida espiritual livre: A ciência natural de Goethe. E na Europa Central dessa época já existia até o primeiro impulso para uma vida jurídica e estatal independente. Leiam um artigo como o de Wilhelm von Humboldt . Esse senhor foi até Ministro da Educação prussiano. Leiam o artigo de Wilhelm von Humboldt. Antigamente esse texto custava apenas vinte centavos (não sei quanto custa agora) na coleção da Editora “Biblioteca Universal Reclam”. Leiam o artigo “Idéias para uma tentativa de definir os limites da atuação do Estado”, e então verão como foi dado o início para a construção da vida jurídica e estatal independente, a independência da área verdadeiramente política. No entanto isso nunca foi além de um começo. Esse começo remonta à primeira metade do século XIX, até mesmo ao fim do século XVIII. Mas é preciso considerar que, pelo menos nesta Europa Central, há impulsos importantes nesse sentido, impulsos aos quais podemos nos conectar, que não devem ser desconsiderados, que podem fluir para o impulso do organismo social trimembrado.
Nietzsche escreveu, num de seus primeiros livros, a palavra que voltei a citar, logo nas primeiras páginas, em meu livro sobre ele, através da qual podemos pressentir algo como a tragédia da vida espiritual alemã. Nietzsche, em seu texto “David Strauss, o partidário e escritor”, tentou caracterizar, na época, os acontecimentos de 1870/71, a fundação do Reino Alemão, com as palavras: “Extirpação do espírito alemão em favor do Reino Alemão”. Desde então, essa laringotomia do espírito alemão vem sendo realizada minuciosamente. Quando, durante os últimos cinco a seis anos, três quartos do mundo atacaram essa Alemanha de outrora - não quero falar sobre as causas e sobre os culpados, mas somente indicar a configuração, a situação mundial -, no fundo já era o defunto da vida espiritual alemã. Mas falando assim como falei ontem, caracterizando imparcialmente os fatos, não se deve entender que não haja ainda muita coisa dentro dessa vida espiritual alemã que, apesar da futura ciganice deverá surgir, deverá ser considerada, que exigirá consideração. Pois o que foi que, no fundo, arruinou os alemães? Também esta pergunta deve ser respondida imparcialmente. Os alemães foram arruinados pelo fato de que também queriam participar do materialismo sem ter talento para o materialismo. Os outros têm bons talentos para o materialismo. Aliás, os alemães têm a particularidade que Hermann Grimm certa vez caracterizou de modo excelente dizendo: Via de regra, os alemães recuam quando seria saudável que avançassem corajosamente, e avançam com um ímpeto terrível quando seria saudável que se refreassem. Esta é uma caracterização muito boa para uma qualidade de caráter interior do povo alemão. Porque os alemães tiveram uma força impulsiva através do séculos, mas não tiveram a capacidade de manter essa força. Goethe foi capaz de demonstrar o fenômeno original, mas não conseguiu levá-lo até os primórdios da Ciência Espiritual. Ele conseguiu desenvolver uma espiritualidade como, por exemplo, no seu “Fausto”, ou no seu “Wilhelm Meister”, que poderia ter revolucionado o mundo se tivesse encontrado os caminhos corretos. Em contraposição, a personalidade exterior deste homem genial só chegou até o ponto de engordar na cidade de Weimar, ter um queixo duplo, ser um gordo conselheiro titular que foi muito diligente também como ministro, mas que se viu obrigado a não ser lá muito minucioso com o que é correto, ou não, justamente na vida política.
Deveria ser compreendido, no mundo, que manifestações como Goethe e Humboldt representam em toda parte os primórdios, e que o mundo realmente poderia, para seu próprio dano e não para seu bem, deixar de considerar o que vive dentro da evolução alemã e que ainda não terminou, deixar de considerar o que deve surgir. Pois os alemães, afinal, também não têm a disposição que os outros têm de modo tanto mais grandioso quanto mais nos dirigimos ao Oeste: Ascender em tudo até as últimas abstrações. Denominamos “abstrações” o que os alemães têm em sua vida espiritual, somente porque não podemos vivenciá-lo; e porque comprimimos nossa própria vida pensamos que os outros também não a têm dentro de si. Mas os alemães não têm o dom de penetrar até às abstrações extremas. Isso evidenciou-se especialmente em sua vida estatal, nessa vida estatal tão calamitosa. Se os alemães tivessem tido, desde sempre, o grande talento para a monarquia que os franceses conseguiram manter tão brilhantemente até os dias de hoje, eles nunca teriam sucumbido ao “wilhelmismo”. Eles nunca teriam tido a necessidade de deixar ficar, ou de colocar nessa posição a figura esquisita, caricata, de um monarca. Os franceses denominam-se republicanos, embora tenham entre eles um monarca secreto que conserva intacta a estrutura do Estado, que mantém os ânimos terrivelmente refreados: Pois no fundo o espírito de Luís XIV ainda está presente em toda parte. Naturalmente só existe em estado decadente, mas existe. O povo francês mantém dentro de si um monarca secreto, isto pode ser deduzido de cada uma de suas expressões culturais. E o talento para a abstração, que veio à tona com Woodrow Wilson, no âmbito político exterior é o talento mais extremo para a abstração. Aqueles quatorze pontos do mestre-escola mundial, que em cada uma de suas palavras carregam o cunho do pouco prático e do inexeqüível, só puderam surgir daquele espírito que foi totalmente construído para o abstrato, que não tem senso algum para as verdadeiras realidades.
Haverá dois fatos que a história da cultura do futuro terá dificuldade em entender. Já caracterizei um deles várias vezes para os senhores com as palavras de Hermann Grimm: É a teoria de Kant-Laplace, na qual várias pessoas ainda acreditam hoje. Em seu “Goethe”, Hermann Grimm diz tão bem: Virá o dia em que será difícil compreender a doença que hoje é chamada de ciência pelas pessoas, e que se manifesta na teoria de Kant-Laplace, segundo a qual tudo o que existe à nossa volta surgiu pela aglomeração de uma neblina cósmica geral. E isso deve continuar assim até que tudo volte a cair no Sol! Um osso de carniça em volta do qual circula um cachorro esfomeado é algo mais apetitoso do que as representações mentais fantasiosas, do que essa representação mental fantástica da evolução do mundo. Essa é a opinião de Hermann Grimm. Naturalmente um dia haverá grandes dificuldades para explicar essa teoria de Kant-Laplace a partir dessa loucura científica dos séculos XIX e XX.
O segundo fato incrível será a explicação de que pôde haver um grande número de pessoas que levou a sério esse disparate dos quatorze pontos de Woodrow Wilson numa época que é tão séria do ponto de vista social.
Estudando o que se encontra colocado um ao lado do outro no mundo, veremos como a vida econômica, a vida jurídica e política, e a vida espiritual se emaranham de modo singular. Se não queremos ser arruinados pela vida espiritual e jurídica que chegaram à máxima degeneração, devemos voltar-nos para o organismo social trimembrado que, a partir de raízes independentes, constrói a vida econômica que quer progredir, mas que não pode progredir se não lhe vêm ao encontro uma vida jurídica e uma vida espiritual que partam da liberdade. Os fatos têm suas raízes profundas em toda a evolução da humanidade, e na convivência humana. Estas raízes devem ser procuradas. Deve ser esclarecido aos homens como lá em baixo, eu diria bem no chão, rasteja a vida econômica estabelecida pelos hábitos de pensar anglo-americanos, como somente poderá crescer para cima quando trabalhar em consonância com o mundo todo com algo para o que outros também estejam capacitados, para o que os outros também tenham o dom. Senão a conquista da regência mundial se lhes tornará uma fatalidade.
Se o mundo continuar andando assim como andou com a vida espiritual proveniente do Oriente, esta vida espiritual em degeneração, com uma de suas pontas correrá velozmente para a mentira mais terrível, enquanto na outra ponta está a verdade mais elevada. Nietzsche teve que descrever como já os gregos tiveram que proteger-se da mentira da vida através de sua arte. E no fundo a arte, que protege os seres humanos de afundar na mentira, é o filho dos deuses. Se esse primeiro ramo da cultura for seguido de modo unilateral, essa corrente desembocará na mentira. Na humanidade civilizada, nos últimos cinco a seis anos mentiu-se mais do que em todos os anos da história mundial. Quase não se falou a verdade na vida pública, quase nenhuma palavra que passou pelo mundo era verdadeira. Enquanto essa corrente desemboca na mentira (veja Desenho 38), a corrente central desemboca no egoísmo. Uma vida econômica como a anglo-americana, que deveria desembocar na regência mundial se não se deixar permear pelas vidas espiritual e estatal independentes, desembocará no terceiro abismo da vida humana, no terceiro dos três. O primeiro abismo é a mentira, a degeneração da humanidade por Árimã. O segundo é o egoísmo, a degeneração da humanidade por Lúcifer. O terceiro é a doença e a morte no plano físico, no âmbito cultural é a doença, a morte da cultura.
O mundo anglo-americano pode alcançar a regência do mundo: Sem a trimembração ele derramará sobre o mundo, através desta regência mundial, a morte cultural e a doença cultural, pois estas também são uma dádiva dos Asuras, como a mentira é uma dádiva de Árimã, como o egoísmo é uma dádiva de Lúcifer. Assim o terceiro abismo, digno de estar ao lado dos outros, é uma dádiva das forças asúricas!
Devemos extrarir destes assuntos o entusiasmo que deverá nos atiçar para que procuremos realmente os caminhos para esclarecer o maior número possível de pessoas. A missão do homem judicioso, hoje, é o esclarecimento da humanidade. À tolice que se julga sabedoria e acredita ter chegado tão longe, devemos fazer o máximo possível para contrapor o que podemos adquirir com o aspecto prático da Ciência Espiritual de orientação antroposófica.
Se com estas palavras consegui despertar um pouco a percepção quanto à profunda seriedade contida nestes assuntos hoje em dia, então talvez consegui alcançar o que eu queria alcançar com estas palavras. Quando, em algumas semanas, nos encontrarmos novamente, continuaremos a falar de assuntos parecidos. Hoje eu quis somente suscitar nos senhores um sentimento de que atualmente o trabalho social mais importante é esclarecer os seres humanos no círculo mais amplo possível.