Textos de Rudolf Steiner

A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Décima Primeira Conferência

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Rudolf Steiner  

Dornach, 14 de dezembro 1919


           Hoje eu ainda gostaria de falar sobre os temas abordados ontem e antes de ontem, em parte de modo mais geral. A partir das duas contemplações, os senhores também poderão concluir que a Ciência Expiritual, do modo em que é pensada aqui, deve nascer das exigências
mais profundas e mais sérias do desenvolvimento da humanidade nos nossos tempos e no futuro mais próximo. Já mencionei muitas vezes que aqui não lidamos com os ideais que surgem da subjetividade do ser humano, mas com o que pode ser lido na história do desenvolvimento espiritual da humanidade. E na história do desenvolvimento espiritual da humanidade podemos ler realmente que a ciência da iniciação, quer dizer, a ciência que busca seus conhecimentos do outro lado do limiar do mundo espiritual, é necessária para o prosseguimento do desenvolvimento da humanidade. Mas os poderes que representam o antigo se opõem a tudo o que se poderia afirmar hoje em dia com relação a um verdadeiro conhecimento do mundo espiritual. E a oposição das pessoas em quem vivem, de certo modo, os poderes do antigo, deve ser superada. Devemos entender profunda e seriamente a questão da necessidade de mudarmos nossas formas de aprender e de pensar em relação aos assuntos mais importantes do desenvolvimento da humanidade. Por isso quero pedir-lhes que dêem valor justamente a que nossa tendência deva direcionar-se a superar tudo o que for meramente sectário, que ainda existe em grande quantidade na índole antroposófica, e ver realmente o significado da Ciência Expiritual orientada pela Antroposofia para o universo e para a humanidade.


Os seres humanos hoje ainda estão longe de despertar do sono em que foram envolvidos por aquela evolução cujos traços essenciais já descrevi, e que começou nos meados do século XV. Certo, o que aí foi incorporado à evolução da humanidade, a ciência natural exterior com seus grandes triunfos, a concepção materialista das leis universais e com isso as idéias sociais equivocadas que estão surgindo tão claramente nos dias de hoje, tudo o que desse lado envolveu a humanidade em um sono, continua atuando poderosamente. E um progresso benéfico não será possível sem despertar a humanidade desse sono. Não esqueçamos que o conhecimento do  espiritual tem inimigos poderosos em todos os que querem ver que, antes de tudo, haverá continuidade do que estão acostumados a pensar, querem que continue por pura comodidade pensante. Não podemos dizer: Se por esse lado a hostilidade e a oposição à Ciência Espiritual, como entendemos aqui, se erguem tanto mais à medida em que a Ciência Espiritual for sendo conhecida, então não deveríamos considerar esses obstáculos. Desconsiderar totalmente o que aí se levanta certamente poderia ser uma opinião possível. Porém este seria um pensamento totalmente errôneo nos tempos atuais, pois também não deixamos de considerar o elemento pernicioso que se aproxima de nós mas tentamos afastá-lo, às vezes até de forma indelicada. Isso é algo que naturalmente deve ser decidido de caso a caso. 


Essas coisas também devem ser compreendidas a partir das necessidades da época. Por isso deve nos causar especial satisfação quando, nesses tempos cada vez mais difíceis, encontramos pessoas que estão tomadas pela força de vontade que é necessária para defender a nossa causa. Mas infelizmente ainda há muito poucas pessoas da espécie que se compenetra de toda a seriedade daquilo que hoje está em jogo para a evolução da humanidade. De um lado estão os que, não por quaisquer razões espirituais, mas por uma comodidade pensante e outras considerações, não querem sair do que se acostumaram há muito tempo. Do outro lado precisam estar os que se opõem com todo o seu ser ao que está maduro para sucumbir. E não devemos acreditar que hoje a tolerância com o que está maduro para sucumbir possa ser o motivo que nos detenha. Nos últimos cinco a seis anos as pessoas poderiam ter aprendido como tudo o que é antigo leva ao absurdo. E os que ainda não o aprenderam terão muitas oportunidades para aprendê-lo proximamente. Mas há que existir em nós o fogo para aquilo que, como algo novo, quer ser implantado na evolução da humanidade.


Por isso me deu uma certa satisfação receber a carta cujo conteúdo principal quero anunciar-lhes hoje como introdução. Trata-se do fato de que em Reutlingen, uma cidade vizinha a Stuttgart, aquele mesmo professor apresentou-se para esbravejar, novamente com razões tolas, contra o que se pretende aqui com a Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia, do mesmo modo como o fez no texto tolo de cujo conteúdo lhes falei aqui há pouco tempo. De qualquer modo esse professor, um dos orgulhos (pois são assim os orgulhos desse lado) da universidade de Tübingen, (não são diferentes em outras universidades do mundo), deve ter falado do mesmo modo em que falou no seu texto escrito. Então apresentou-se a ele o nosso amigo Dr. Walter Stein , mas dessa vez - isso é descrito na carta - com o entusiasmo verdadeiro que hoje é necessário quando se mede toda a seriedade do que está sendo arriscado. E o Dr. Stein descreve essa discussão que aconteceu alguns dias atrás à sua esposa, que está aqui conosco: “Ontem estive em Reutlingen, onde o Dr. Traub falava contra Steiner. Eu me apresentei para a discussão. Foi uma batalha de vida ou morte. Eu apresentei Traub como um homem sem consciência, um homem totalmente sem cultura que se entrega totalmente à matéria que estuda. Ele só conseguiu dizer suas palavras finais gaguejando. Ele foi derrotado. O pastor da cidade, que fez a abertura, foi encurralado por mim com textos bíblicos, pois em relação às palavras de Cristo sobre a reencarnação ele disse: ‘Aqui o Cristo se engana’, - o pastor de Reutlingen. Eu levantei e exclamei: ‘Ouçam! Hoje isso é religião, um deus que se engana!’. O público delirava. Quiseram interromper-me, tirar-me a palavra, diziam: ‘Voltemos ao assunto!’, batendo os pés. Mas eu falei bem tranqüilo, indiquei com a mão o Professor Traub e disse: ‘Essa é a autoridade!’. Recebi aplausos e venci. O homem foi derrotado. Eu hoje ainda me sinto meio morto.”


Cada um que sabia e sabe quão intimamente a Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia está ligada com os poderes que devem ser conclamados na atualidade e no futuro mais próximo da humanidade, podia prever que um grande ódio se elevaria contra a Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia, que já está atuando há duas décadas aqui na Europa. Mas o entorpecimento, a atitude que quer produzir um pouco de volúpia na alma com idéias e conceitos espirituais, não pode ser confundida com essa Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia. E se o Dr. Stein sente que é uma batalha de vida ou morte, esse sentimento é algo de muito correto. Estamos no começo. Contra nós brame a batalha da vontade destrutiva. Nunca fizemos menção de agir agressivamente, na medida em que entendemos o verdadeiro impulso da nossa Ciência Espiritual. Mas não podemos evitar o que se faz necessário perante o ser agressivo que virá cada vez mais de fora. Não podemos perder a coragem, não podemos querer agir com entorpecimento. Não será nada cômodo introduzir a verdade na evolução da humanidade, e realmente não podemos deixar que sejamos reprimidos por tolerarmos certos assuntos. Pois chegamos longe se os senhores que representam oficialmente o cristianismo, ao chegar num ponto em que não conseguem mais continuar, prontificam-se até a dizer: “Aqui o Cristo se engana”. Naturalmente o senhor padre paroquial não se engana! Mas se o que o senhor padre paroquial tem a dizer não está de acordo com o texto bíblico explícito, então Cristo se engana, não o senhor pastor paroquial! Mas essa é a atitude geral que encontramos atualmente, que só não queremos ver por ser incômodo vê-la. Poderíamos vê-la em todas as áreas, se apenas quiséssemos.


Para aquele, porém, que consegue ver as inter-relações que há na vida, também fica claro que a tragédia européia dos últimos anos, mesmo que pareça ter acontecido exteriormente, tem uma ligação íntima com o que os seres humanos foram acostumados a pensar  e - perdoem a expressão algo trivial, banal - de que os homens gostam tanto de falar: “Como chegamos longe, que maravilha!” - e lambem os dedos de volúpia.


Mas é necessário tornar-se interiormente objetivo. Sob a influência da cultura mais recente os seres humanos perderam a objetividade. O pessoal-individual de cada um age em tudo. E se anotarem algum dia a História dos últimos cinco a seis anos, ela poderá ser escrita somente a partir da base científico-espiritual. Nesses capítulos da história mundial haverá então muita coisa escrita de como o pessoal-individual atuou infinitamente nos grandes acontecimentos mundiais. Eu disse que será impossível  falar dos acontecimentos dos últimos cinco a seis anos sem base científico-espiritual. Só preciso mencionar algo que já mencionei várias vezes. Das trinta ou quarenta pessoas que estiveram em posições de liderança destacada em 1914 e participaram do que chamamos de eclosão da Guerra Mundial - amam-se as falas inexatas hoje em dia porque são adequadas para ocultar a verdade; não foi uma eclosão, foi algo muito diferente, nem foi uma Guerra Mundial: Foi algo muito diferente que ainda não terminou por muito tempo -, das trinta a quarenta pessoas que participaram daquele tempo, um grande número não estava com a sua razão inteiramente, não tinha todas as forças da alma e do espírito em si.  Mas onde a consciência está nublada há portas por onde as forças arimânicas têm uma entrada especialmente fácil para as decisões humanas, para as vontades humanas.


 Os poderes arimânicos atuaram de um modo essencial no ponto de partida dos acontecimentos de 1914. Hoje, se apenas quiséssemos, poderíamos observar, a partir de um acompanhamento puramente exterior desse assunto, como é necessário introduzir o conhecimento espiritual na evolução da humanidade. Mas como estamos longe de contemplar esses assuntos com a devida seriedade  por causa dos nossos hábitos de pensar, perceber e sentir! Por outro lado há o fato - e mais ainda o fato iminente -  de que o tempo está maduro para o aparecimento de seres humanos que podem levar uma alma apropriada e capaz ao encontro dos impulsos espirituais que irrompem no mundo físico desde o último terço do século XIX. Além de termos entrado escorregando para dentro de uma época materialista, persiste o outro fato de que os portais que vão do mundo espiritual ao nosso, desde o último terço do século XIX estão abertos, e que seres humanos que levam sua alma aberta, sua consciência aberta ao encontro  desses impulsos espirituais podem ter relações com o mundo espiritual. Certo, o número dos  seres humanos em cuja consciência o mundo espiritual já atua deve ser pequeno. E podemos dizer: Os próximos dez, vinte, trinta anos, até a metade do século serão anos em que os seres humanos terão aprendido cada vez mais a sutilmente prestar atenção ao seu interior, para oferecer esse interior aos impulsos do mundo espiritual que querem entrar.


Os seres humanos que recebem hoje esses impulsos do mundo espiritual, que sabem hoje das realidades e conhecimentos que devem entrar na evolução da humanidade, sabem o seguinte: Se a ciência da iniciação que deve ser manejada por esses seres humanos não frutificar a ciência natural, principalmente o que chamamos de arte, a humanidade sofrerá um rápido e horrível declínio. Deixem que se continue a ensinar por mais três décadas da maneira como se ensina nos cursos superiores, deixem que por mais três décadas se pense sobre as questões sociais da maneira que se pensa hoje, e os senhores terão então, depois de trinta anos, uma Europa devastada. Por mais ideais que levantarem em uma ou outra área, poderão falar até o esgotamento sobre as exigências individuais que surgem de um ou outro grupo de pessoas, poderão falar, acreditando que com exigências tão insistentes se poderá fazer algo para o futuro da humanidade. Tudo será em vão se a transformação não acontecer a partir do fundamento das almas humanas: A partir da idéia da relação desse mundo com o mundo espiritual. Se não aprenderem a mudar o pensamento, um dilúvio moral assolará a  Europa!


Trata-se de compreender, justamente, o que significaria se um número de seres humanos que olham para o conhecimento do além do limiar tivessem que reconhecer: A confusão, as tendências materialistas, os enganos sociais continuam, e as pessoas que não querem aprender a mudar o seu pensar e o seu modo de aprender - ; e se essas poucas pessoas que dispõem da ciência da iniciação tivessem que ver como a humanidade declina por pura comodidade no pensar e no sentir ! Não devemos nos enganar sobre quantos impulsos agem para uma tal situação no mundo assim chamado civilizado. Muitos impulsos atuam nisso porque, na verdade, não é mais natural esperar que a humanidade de hoje, na sua arrogância, rejeite tudo o que vem da ciência da iniciação? A humanidade é tão infinitamente esperta em cada um de seus indivíduos! A humanidade tem a tendência a ridicularizar tudo o que pode ser alcançado somente com um trabalho na evolução da própria alma. A humanidade acredita, sem aprender nada, que sabe tudo. Não é possível solucionar os problemas naturais, nem os problemas sociais, sem frutificar, a partir do mundo espiritual, o pensar, o sentir e o querer humanos. Hoje em dia, para muitos, é realmente uma fantasia falar dessa ciência da iniciação, falar de algo como o limiar para o mundo espiritual. Está certo, não é todo mundo que pode passar o limiar para o mundo espiritual; mas na verdade, não será proibido a ninguém reconhecer a verdade do que dizem os que passaram o limiar para o mundo espiritual. É incorreto se um ou outro lado fica dizendo: “Sim, como devo reconhecer que é correto o que um ou outro apresenta como ciência da iniciação se eu mesmo não consigo ver o mundo espiritual”. Isso é incorreto. O senso comum que não foi levado pela ilusão por idéias naturais ou sociais enganosas de hoje, pode decidir por si mesmo se existe um aspecto de verdade no que alguém diz. Alguém fala dos mundos espirituais: Somente devemos considerar tudo junto - o modo como é falado, a seriedade com que os assuntos são abordados, a lógica desenvolvida e assim por diante - , então poderemos formar um juízo sobre a mensagem que vem do mundo espiritual, se é charlatanismo ou se tem fundamento. Isso cada um pode decidir por si, e não existe obstáculo em ninguém para tornar frutífero no pensamento natural e social o que for retirado da fonte da vida espiritual pelos que têm  o direito de falar do princípio da iniciação.


As forças de desenvolvimento da humanidade que guiaram inconscientemente o ser humano de modo que ele pudesse progredir estão exauridas, e se exaustarão completamente até a metade do século, aproximadamente. As novas forças devem ser buscadas no fundo das almas. E o ser humano precisa compreender como ele, no fundo de sua alma, está ligado às raízes da vida espiritual.


Atravessar o limiar naturalmente é algo que não pode ser efetuado por qualquer pessoa nos dias de hoje. Porque no decorrer dos últimos séculos o ser humano foi acostumado a contemplar tudo o que surge à sua frente como se acontecesse no tempo. Mas a primeira coisa que perceberemos do outro lado do limiar é que existe um mundo em que o tempo, como nós o compreendemos, não tem significado. Devemos sair da representação  temporal. Por isso é tão útil quando os seres humanos que querem preparar-se para a compreensão do mundo espiritual, comecem pelo menos a fazer a representação mental  retrospectiva. Por exemplo um drama, que exteriormente começa com o primeiro ato e continua até o quinto, comece a ser imaginado de trás para frente até o começo do primeiro ato; uma melodia seja imaginada não na seqüência como é tocada, mas os tons seguindo de trás para frente, e vivenciá-la assim; imaginar o dia não da manhã à noite, mas retrospectivamente da noite à manhã. Com isso acostumaremos seriamente o nosso pensar a abolir o tempo. Perante a vida cotidiana estamos acostumados a imaginar as coisas de modo que depois do primeiro acontece o segundo, depois do segundo o terceiro, depois do terceiro o quarto e assim por adiante (escreve os números), e sempre pensamos de modo que o nosso pensar é uma imagem do acontecimento exterior. Comecemos então a pensar assim, de trás para frente, perceber de trás para frente, então teremos que nos conter interiormente e essa contenção é boa, pois ela nos força a sairmos do mundo sensorial comum. O tempo decorre de um, dois, três, quatro, e assim por diante nessa direção (seta para a direita). Se pensarmos ao contrário, da noite para a manhã em vez de manhã para a noite, pensaremos contra o tempo (seta para a esquerda). Suspendemos o tempo.


             Se conseguirmos ir adiante com esse tipo de pensar, pensando para trás na nossa vida até onde der, teremos alcançado muito. Porque quem não consegue sair do tempo, não consegue entrar no mundo espiritual.   


Dizemos que o ser humano se desmembra em corpo físico, corpo etérico, corpo astral e Eu. Inicialmente o corpo físico e o corpo etérico são levados em consideração  pelo mundo físico,  pelo mundo sensorial.  O corpo etérico ainda tem um acontecimento terreno no tempo, o corpo astral só poderá ser encontrado quando sairmos do tempo. O corpo físico está no espaço. O Eu, o verdadeiro Eu só poderá ser encontrado quando sairmos do espaço. Pois o mundo em que está o verdadeiro Eu não é espacial.


São dois aspectos, então, que fazem parte das primeiras vivências quando atravessamos o limiar para o mundo espiritual: Que saímos do tempo e que saímos do espaço. Já indiquei várias vezes anteriormente o que pode levar a representações não espaciais, chamando a sua atenção para as dimensões, não do modo ingênuo como muitas vezes os espíritas falam sobre o espaço tetradimensional e coisas parecidas, mas de modo mais sério. Porém, reflitam sobre o que se perde de tudo o que os senhores chamam de conteúdo de sua consciência quando não estiverem mais no espaço nem no tempo. Sua vida está totalmente adaptada ao espaço e ao tempo. A vida anímica do ser humano também está totalmente adaptada ao espaço e ao tempo. Os senhores irão para um mundo ao qual não estão adaptados: Não estar adaptado ao mundo significa sentimento de dor, sofrimento. Assim que, de início, não é possível entrar no mundo espiritual sem dominar a dor e o sofrimento. Os seres humanos não estão conscientes, mas eles recuam diante do mundo espiritual por medo porque não querem pisar no abismo que parece ser o mundo em que não existe espaço nem tempo. 


Se eu agora apresento à sua visão espiritual novamente essa primeira experiência da vivência além do limiar, irão se conscientizar vivamente de que em poucos seres humanos existe hoje a coragem interior forte para, de certo modo, entrar no não-espacial e atemporal de forma a também ter a experiência. Mas pelo seu destino, alguns seres humanos são obrigados a atravessar o limiar. Sem a sabedoria que pode ser trazida do outro lado do limiar, não é possível progredir. A partir daí sentem o que é necessário. É necessário que no futuro aumente o que chamamos de confiança de um ser humano no outro. Essa seria uma virtude social fundamental. Na nossa época das exigências sociais, essa virtude é a que menos existe porque os seres humanos exigem que se viva pela comunidade, mas ninguém tem confiança no outro. Na nossa época das exigências sociais, regem os instintos mais antisociais.

Para que a educação geral da humanidade progrida de modo que os seres humanos cresçam para dentro do mundo espiritual, será necessário que se confie na pessoa que tem o direito de falar da ciência da iniciação, mas não com a confiança que provém da crença cega na autoridade, bem sim a partir do senso comum. Pois sempre poderemos compreender o que se traz como mensagem de além do limiar usando realmente o senso comum.


Devemos dirigir o nosso olhar, novamente a partir do senso comum, para um lado, para aquele que se nos opõem. Embora nem todas as pessoas digam tão explicitamente: “Aí o Cristo se engana”, elas falam desse modo; assim é a lógica da vida atual. E quando, depois, os seres humanos vêm e dizem que não conseguem diferenciar entre o que, a partir dos mundos espirituais é anunciado com uma lógica intrínseca, e o que dizem os professores universitários, não estão usando o sendo comum, ou pelo menos a vontade do senso comum. A partir do senso comum podemos afirmar que, quando alguém diz “Aí o Cristo se engana”, não dá para contar mais com ele a partir desse ponto de vista.


Perdemos o que seria uma verdadeira ciência da alma. Não a temos mais. Em conferências públicas recentemente, na Basiléia e em outros lugares, eu indiquei porque perdemos a ciência da alma. A ciência da alma, por exemplo, já se tinha tornado incômoda para a Igreja Católica no século IX; mencionei-o várias vezes. Por isso o espírito foi suprimido no oitavo Concílio Ecumênico Geral em Constantinopla, no ano de 869, como já expus várias vezes. Naquela época foi promulgado o seguinte dogma: O ser humano, sendo um bom cristão, não pode pensar que ele se constitui de corpo, alma e espírito, mas sim só de corpo e alma, e que a alma tem propriedades espirituais. Hoje a psicologia ainda ensina isso acreditando que parte de uma ciência imparcial, mas na verdade só repete o dogma de 869. Tudo o que tinha relação com a alma, foi monopolizado na forma de crença, de confissão, na forma de dogma proveniente das igrejas  confessionais. Tudo o que, a partir do ser humano, deve ser conhecimento do anímico, foi monopolizado pelas comunidades confessionais. E o verdadeiro conhecimento, o conhecimento livre foi deixado somente para a natureza exterior. Não é de admirar-se que hoje não tenhamos nenhuma ciência da alma. Pois toda a erudição profana entregou-se somente à ciência da natureza, porque a ciência da alma tinha sido monopolizada e a ciência do espírito abolida. Não temos uma ciência da alma. Não podemos progredir se nos basearmos na ciência que hoje dita o tom. Pois se nos basearmos no que hoje é a psicologia da palavra (ela não é mais do que isso), não conseguiremos chegar a uma verdadeira compreensão do que atua na alma. Pela exposição que fiz na minha “O conhecimento  dos mundos superiores”, os senhores sabem que ao transpor o limiar para o mundo espiritual o pensar, sentir e querer se separam na consciência. Na consciência atual comum que se pratica, o pensar, o sentir e o querer formam uma espécie de caos; eles estão sobrepostos em camadas. No momento em que transpomos o limiar para o mundo espiritual, no momento em que apenas nos dispomos a alcançar a ciência da iniciação por meio da experiência, o pensar, sentir e querer se tornam poderes independentes. Eles se tornam independentes. É aí que os conhecemos, somente então aprendemos a diferenciar, de verdade, o pensar do sentir e do querer.


Aprendemos a diferenciar principalmente o pensar do querer. Tomando o pensar que atua em nós, seres humanos, não pelo seu conteúdo mas em relação às forças que o constituem, tomando a força do pensar em nós, então esta é algo como a penetração do brilho do que vivenciamos nos mundos espirituais antes do nascimento, antes da concepção. E a entidade volitiva no ser humano é algo ainda embrionário, algo germinativo que somente chegará a um desenvolvimento completo post mortem, após a morte. De modo que podemos dizer: Se isso aqui (veja o próximo esquema) é a biografia humana entre o nascimento e a morte, então durante o decorrer da vida humana o pensar, do modo em que existe no ser humano, é somente uma aparência, pois a sua verdadeira natureza jaz antes do nascimento, ou seja, antes da concepção, e o querer é somente um germe, pois o que se desenvolve desse germe, só se desenvolve após a morte. Na natureza humana o pensar e o querer são totalmente diferentes.


           Se agora alguém vem com a lógica do presente que faz com que tudo encaixe direitinho, que gosta de fazer sistemas, dirá: “Hoje nos disseram que o pensar é a força que vem da vida pré-natal, o querer é a força que indica a vida pós-morte”. Ora, assim definiu-se, separou-se o pensar e o querer por definição. Mas com definições não ganhamos nada. Normalmente não vemos o insuficiente de cada definição. Existem algumas definições, especialmente as que têm um valor científico, que parecem muito sensatas, mas todas têm, em algum lugar, um “porém” que nos faz lembrar a definição que foi dada certa vez na Antiga Grécia como resposta à pergunta: “O que é o ser humano? - O ser humano é um ser bípede que não tem asas” - sendo que no dia seguinte um estudante trouxe um galo depenado e disse: “Isso é um ser humano, pois é um ser bípede sem penas”. - Antes disso ele tinha depenado o galo com cuidado. As coisas não são tão fáceis assim que possamos lidar com elas usando o intelecto como ferramenta comum. Pois vejam, podemos dizer bem bonito: “Devemos afirmar que o que nós percebemos como pensar tem sua verdadeira essência antes do nascimento e em nós somente acontece algo como uma imagem espelhada do pensar”. Aqui existe uma certa dificuldade. Os senhores, porém, irão superá-la com um pequeno esforço intelectual.


Se tiverem aqui um espelho e aqui um objeto, por exemplo uma vela, os senhores terão uma imagem refletida: Os senhores poderão discernir a imagem do objeto, não serão confundidos. Se os senhores, de alguma forma, taparem a vela, talvez com uma tela, verão no espelho somente a imagem. A imagem fará tudo o que a vela fizer. Na imagem os senhores  poderão ver  o  que a   vela   está   fazendo.  Os  senhores  estão


acostumados a pensar espacialmente, por isso podem imaginar facilmente como a imagem age em relação à realidade da vela. Mas o que em nós é a força do pensar, é, como força, uma imagem refletida, e a realidade está no tempo antes do nascimento. A força real cuja imagem usamos nesta vida está no tempo antes do nascimento. Por isso, o princípio da consciência humana, que resulta quando olhamos para a nossa própria consciência é: Eu penso, então eu não sou. Cogito ergo non sum!  O fundamental que devemos compreender é que no pensar atua a natureza imagética, e que a força do pensar está no tempo antes do nascimento. O desenvolvimento mais recente começou com a afirmação do contrário como axioma básico da Filosofia: “Cogito ergo sum”, o que é uma bobagem. Podem ver como a humanidade mais nova precisa passar pela sua prova. Mas estamos num ponto decisivo. Devemos aprender a pensar de modo diverso sobre os fundamentos da vida da alma.


Com isso teríamos levado o pensar, de certo modo, de volta à sua essência, e poderíamos agora afirmar algo parecido sobre o querer. O querer não é como uma imagem, nem uma imagem espelhada, mas deve ser compreendido como germe e aperfeiçoamento em relação à força de vontade entre o nascimento e a morte, e no que isso se transformará depois da morte. Somente esse arranjo de termos a imagem do pensar e o embrião do querer nos permite a liberdade entre o nascimento e a morte. Os senhores poderão ler sobre isso tanto nos meus livros “O Enigma do Ser Humano”, “Os Engimas da Alma”, quanto na segunda edição de minha “Filosofia da Liberdade”, onde esses assuntos também são tratados filosoficamente.


Mas agora vem o curioso, a partir do que poderão perceber quanto é insuficiente o cômodo pensar comum para entrar na realidade. Compreendemos o ser do pensar. Mas quando captamos em nós essa essência do pensar, devemos dizer ao mesmo tempo: Esse pensar não é mero pensar, nesse pensar também há uma força do querer. Com a mesma entidade interior com o qual pensamos, ao mesmo tempo queremos. Só que é principalmente pensar, tem um sub-tom do querer; do mesmo modo, o nosso querer tem um sub-tom do pensar. De fato, temos duas coisas em nós: Algo que é principalmente pensar, mas que tem um sub-tom do querer (No esquema iniciado na pág. ...  ele escreve ao lado da palavra pensar, a palavra querer entre parêntesis); algo que é principalmente querer, mas que tem um sub-tom do pensar (ao lado da palavra querer,  escreve a palavra pensar entre parêntesis). Contemplando a realidade, os senhores não chegarão a conceitos claros que podem ser encaixados em sistemas, mas uma coisa será sempre, ao mesmo tempo, num certo sentido, a outra. Somente quando penetramos nesses assuntos  é que teremos uma visão de certas relações do ser humano com mundos que estão fora dos que vemos com os nossos olhos e ouvimos com os nossos ouvidos, nos quais, porém, não vivemos menos do que nesse mundo dos sentidos. Mas não podemos dizer que os mundos além do mundo dos sentidos não têm importância para nós, estamos no meio deles. Devemos ter clareza que, andando nesse chão terreno nós estamos andando, do mesmo modo como andamos pelo ar sensorial, pelos mundos espirituais.


Relações, eu digo, com os mundos espirituais, resultam quando olhamos para essas sutilezas da vida anímica humana. Através do que é o pensar, e somente tem um sub-tom do querer, estamos ligados com uma certa espécie de existência espiritual dos mundos espirituais. E por outro lado, por meio do que é mais querer e menos pensar, estamos ligados com uma outra espécie  de mundos espirituais. Isso tem um significado mais profundo. Pois o que assim encontramos se expressa na vida humana, e as diferenciações que existem no mundo provêm de que sempre uma ou outra força da natureza humana se desenvolveu mais para um ou outro lado. As forças que existem no querer, que tem o sub-tom do pensar, por exemplo, foram desenvolvidas no sentido mais eminente na cultura hebraica antiga. E as forças do ser anímico humano que têm sua base principalmente no pensar que tem um sub-tom do querer, foram desenvolvidas na cultura antiga que chamamos de pagã. (No esquema da pág. ... são adicionadas as palavras “antiga hebraica” e “pagã”). E atualmente as duas correntes correm paralelas. Atualmente temos no mundo civilizado, confundindo-se, a corrente que é uma continuação do velho paganismo, a cosmovisão natural, e a outra cosmovisão que é a continuação da antiga cultura hebraica, que temos na visão social da atualidade, nos nossos conceitos éticos e religiosos.


            Hoje esse individualismo vive no próprio ser humano individual. De um lado o ser humano idolatra a natureza de modo pagão, do outro lado, sem encontrar uma verdadeira base natural, exceto levando os hábitos do pensar para a assim chamada ciência social ou sociologia, ele está pensando sobre a vida social, até sobre a vida ética. E quando depois filosofa, ele lega que numa área encontra a liberdade, na outra área encontra a necessidade natural, e depois ele se encontra em algo fantasmagórico entre liberdade e necessidade natural, entre as quais não haveria uma ponte, e outras alegações semelhantes, e a confusão é enorme.


Mas essa confusão é, em muitos contextos, o conteúdo da vida atual, o conteúdo da vida atual em declínio. Pois o que faz falta nessa nossa vida atual? Temos uma concpeção natural: Ela é somente a continuação do antigo paganismo. Temos uma concepção moral, social: Ela é somente uma continuação do Antigo Testamento. O cristianismo foi um episódio que primeiro foi compreendido historicamente, mas hoje ele parece como se tivesse caído pela peneira da civilização humana. No fundo, o cristianismo não está presente. Os senhores podem tratar as pessoas que falam freqüentemente de Cristo do mesmo modo que eu sugeri fazer com o livro “Essência do Cristianismo”, de Harnack: Em todo lugar onde ele escreve “Cristo”, os senhores podem riscar a palavra “Cristo” e escrever “Deus-Pai”, ou também podem colocar um “deus” meramente panteísta e afins: no geral, tudo estará correto. E onde não houver concordância, ele fala bobagens, predicados que não pertencem aos sujeitos.


Todos esses temas devem ser mencionados hoje em dia pois devemos reconhecer aqui, partindo da base, o que deve ser o conteúdo da consciência do futuro. Também a atual teoria da evolução fala disso. O ser humano evoluiu de seres inferiores e assim por diante, esses seres inferiores evoluíram até chegar a ele. Certo, os senhores só precisam ler a minha “Ciência Oculta” e verão que isso, por um lado, deve  ser dito de nós também.  Mas o fato é, que se considerarmos a cabeça humana do modo em que a carregamos sobre os ombros hoje em dia, ela está em desenvolvimento regressivo. Se todo o nosso organismo  - por favor, entendam bem - tivesse a mesma organização que a nossa cabeça, teríamos que morrer constantemente. Vivemos somente através da força vital do resto do nosso organismo, que sempre é enviada para cima, para a cabeça. As forças através das quais finalmente morremos, atuam na nossa cabeça, existem na nossa cabeça. A cabeça é um ser que morre constantemente, está em desenvolvimento retrógradoo. É por isso, também, que o anímico-espiritual pode desenvolver-se na cabeça. Pois se imaginarem a cabeça esquematicamente, devem imaginar que seu desenvolvimento ascendente já passou a ser um desenvolvimento retrógrado; aqui há um vazio. (Desenha, veja esquema abaixo). E nesse vazio, nesse lugar onde sempre está havendo destruição, entram alma e espírito. Isso é literalmente verdadeiro. Por intermédio da cabeça carregamos alma e espírito porque nossa cabeça já está num desenvolvimento perecedouro. Quer dizer, na nossa cabeça morremos constantemente. E o sub-tom do querer que faz parte do nosso pensar está presente na nossa cabeça. Mas esse sub-tom do querer  é um impulso constante para morrer, para  a superação  da matéria.


             Quando realmente morremos, esse querer se apresenta. E quando o nosso corpo físico é entregue à terra, aquilo que até a nossa morte se passava na nossa cabeça desde o nosso nascimento, por meio da nosso corpo continua até fisicamente no corpo da Terra. Os senhores carregam sua cabeça nos seus ombros. Nela se desenrola um processo por si mesmo - só que é constantemente revigorado e impedido pelo que emerge do resto do organismo -, que depois se desenrola quando os senhores forem entregues à Terra pelo fogo ou pela decomposição. Aí continua a acontecer o que os senhores fazem entre o nascimento e a morte dentro de sua pele. Isso continua na Terra: A Terra pensa, usando o mesmo princípio que os senhores usam ao pensar com a sua cabeça, através do fato de que os senhores se dissolvem nela, através do fato de que os cadáveres são depositados nela. Atravessando o portal da morte, levamos para a terra física, por meio de nosso cadáver que se dissolve, o processo do qual nos apoderamos durante a vida entre o nascimento e a morte. Isso é uma realidade da ciência natural. Os seres humanos deverão conhecer tais verdades no futuro. A ciência natural atual, em relação a esses temas, é uma criancice, pois ela nem chega a pensar ou pesquisar esses assuntos.


E inversamente: O que temos na nossa cabeça como desenvolvimento destrutivo é a continuação do que existia antes do nascimento, respectivamente antes da concepção. O destruir começa apenas com o nosso nascimento, porque é somente aí que recebemos a cabeça, antes disso não era um destruir. Agora tocamos realmente na beirada de um segredo significativo excepcional da existência do universo. O que vive na nossa cabeça, através do que entramos em contato com os outros seres humanos, com a natureza exterior, é a continuação do que acontece nos mundos espirituais antes de entrarmos no corpo físico. Se compreendermos bem isso, então chegaremos a compreender como as forças dos mundos espirituais participam do mundo físico. Isso fica mais evidente se contemplarmos esses assuntos não de modo abstrato, mas de modo concreto.


Um exemplo (escreve os números na lousa): Em 1823 morreu Goethe. À época da primeira geração após a sua morte, até 1856, não foram muitas as forças de seu espírito que participaram desse período. Escolho um exemplo; naturalmente as forças de outros seres humanos também atuam, é somente um exemplo representativo.  Então, até o ano de 1865, a pessoa que tivesse dirigido sua atenção para a alma de Goethe pouco teria percebido da participação de suas forças. Depois dos primeiros 33 anos já começa uma atuação dele, a partir do mundo espiritual, em nosso desenvolvimento na terra. E isso fica cada vez mais e mais forte até o ano de 1898. Continuando a observar este fato depois dessa época, podemos dizer: O primeiro período de participação das forças supra-sensoriais de Goethe na nossa cultura terrestre é então de 1865 até 1898. Como já disse, até 1865 não foi significativo, depois começa a sê-lo. Depois de 33 anos temos então 1931, decorre o período seguinte, que seria o segundo. E em 1964 teríamos então o decurso do terceiro período.


             Podemos dizer que baseados em um exemplo desses realmente podemos aprender como, relativamente logo depois que o ser humano atravessa o portal da morte, as forças que ele desenvolve então participam do que ocorre na Terra. Devemos somente saber como essas forças participam. Quem de verdade trabalha espiritualmente, sabe como as forças do mundo espiritual colaboram com as forças com as quais ele trabalha. E se, antes de ontem, eu disse que na metade desse século há um momento importante, isso é como nesse exemplo aqui, aconteceu com base nas observações a partir das quais podemos ver como as forças dos mundos espirituais participam no mundo físico.


Essa metade do século cai junto com o decurso daquele período em que, de certo modo, forças atávicas que ainda tinham permanecido desde antes da metade do século XV caem numa decadência terrível. E a humanidade deve tomar a decisão, antes da metade desse século, de dedicar-se ao espiritual. Hoje em dia ainda encontramos muitas pessoas que dizem: Sim, mas por que vem a desgraça? Por que os deuses não ajudam? - É que estamos no período da evolução da humanidade em que os deuses  ajudam imediatamente se os seres humanos forem ao seu encontro, mas onde os deuses, pelas suas leis, não podem trabalhar com marionetes mas com seres humanos livres.


E aqui estou no ponto que indiquei ontem. Se, digamos, um ser humano com conhecimentos, ainda na época grega, sim, dessa época até a metade do século XV se referia aos fenômenos, do nascimento e da morte do ser humano, ele podia indicar o mundo divino, indicar como o destino do ser humano é engendrado a partir dos mundos divinos através do nascimento e da morte. Hoje devemos falar de outro modo, hoje devemos dizer que o destino do ser humano é determinado pelas suas vidas terrestres anteriores, e pelo modo como é determinado por elas, de como cria as forças pelas quais os mundos divinos se acercam dele. Devemos aprender a pensar  inversamente  sobre a relação do ser humano com os mundos divino-espirituais, devemos aprender a procurar no ser humano a fonte a partir da qual se desenvolvem as forças através das quais uns e outros seres divinos possam acercar-se de nós. Pois chegamos nesse momento importante da evolução da Terra. E o que acontece exteriormente, hoje deve ser compreendido como a expressão de um acontecimento interior que só pode ser compreendido com o ponto de vista do conhecimento científico-espiritual. Hoje todo ser humano tem a possibilidade de observar as tendências mais exteriores dos acontecimentos. Pois nos últimos quatro, cinco anos, muitas pessoas foram assassinadas. São no mínimo dez a doze milhões no mundo civilizado, talvez até mais; três vezes esse número foi espancado e transformado em aleijados nos países mais diversos, nossa civilização realmente chegou muito longe! Mas pouco a pouco, isso terá que ser reconhecido como sendo as tendências, e a fonte terá que ser procurada no que ocorre nas almas humanas quando se opõem  ao mundo espiritual que quer irromper, que quer carregar o ser humano para o futuro. E hoje todas as coisas devem ser contempladas a partir desse ponto de vista, quer dizer, realmente aprofundado. 


Hoje em dia poderíamos dizer que talvez algumas coisas que aconteceram seriam melhor descritas se mudássemos os pontos de vista. Falando toscamente, direi algo que deve encerrar esta conferência de modo bem atual, dado que o matiz dessas três conferências tenha sido dado justamente pela presença que muito nos satisfaz de um  bom número dos nossos amigos ingleses: Hoje podemos falar de vencedores e de vencidos. É surpreendente, um ponto de vista surpreendente, mas talvez não seja o mais importante. Talvez outro ponto de vista seja muito mais importante, e esse outro ponto de vista poderia talvez ser extraído do seguinte:


Uma vez eu li, aqui mesmo, uma dissertação de Fercher von Steinwand, aquele poeta alemão-austríaco que nos anos cinqüenta do século XIX já falou sobre o futuro do povo alemão. A conferência já é notável porque foi proferida diante do rei de então da Saxônia e de seus ministros. Naqueles anos cinqüenta - aqueles que estiveram presentes naquele momento, a ouviram - Fercher von Steinwand disse que o seu povo alemão estava predestinado a representar no futuro algo parecido com o que os ciganos representavam naquela época. Foi uma visão profunda que Fercher von Steinwand teve do desenvolvimento da humanidade. Podemos olhar para esses assuntos com toda a objetividade. Encarando esses fatos objetivamente,  talvez escolheremos outro ponto de vista que aquele freqüentemente escolhido hoje em dia. Perguntaremos: O que ocorre, afinal, com o que se transformou nos assim chamados vencidos, nos assim chamados vencedores?


Bem, o verdadeiro vencedor é, na verdade, o ser anglo-americano. E esse ser anglo-americano é destinado, pelas forças que já caracterizei várias vezes, à futura regência mundial.


Podemos então perguntar: Tendo em vista que o povo alemão estará excluído da vivência dos acontecimentos através dos quais o mundo exterior será regido no futuro, o que é que acontece?  A responsabilidade - não a do indivíduo naturalmente -, mas a responsabilidade do povo  é eliminada, a responsabilidade pelos acontecimentos da humanidade. A responsabilidade do povo - não a do indivíduo - é eliminada nos que foram pisados, pois é isso o que foram. Eles também não conseguirão erguer-se de novo. Tudo o que se diz nessa direção é miopia. A responsabilidade é eliminada. Tanto maior se tornará a responsabilidade do outro lado. É lá que estará a verdadeira responsabilidade. O domínio exterior será fácil de conquistar. Este é conquistado por forças que não são do próprio mérito. Essa transferência externa do domínio exterior se realiza como a última necessidade natural. Mas a responsabilidade será algo profundamente significativo para as almas. Pois a questão já está escrita no livro do destino da humanidade: Será que entre os que receberem o domínio exterior como uma necessidade externa haverá um número suficientemente grande de seres humanos que sintam a responsabilidade, de modo que os impulsos da vida espiritual sejam introduzidos nesse domínio puramente exterior, materialista - pois será um domínio puramente exterior, materialista, não se iludam - , nessa culminação do domínio materialista? E isso não pode acontecer muito devagar! A metade do século é um momento muito significativo. Deveríamos sentir justamente todo o peso da responsabilidade se, de certo modo, formos escolhidos pelo destino natural a assumir o domínio do materialismo - pois será o domínio do materialismo - no mundo terreno exterior. Pois esse domínio do materialismo carrega em si, ao mesmo tempo, o germe da destruição. A destruição que começou não cessará. E assumir o domínio exterior hoje em dia significa: Assumir, viver com as forças da destruição, as forças da doença do ser humano. Pois o que a humanidade carregar para o futuro surgirá do novo germe do espírito. Esse germe terá que ser cuidado. E para isso existe a responsabilidade justamente no lado ao qual caberá o domínio mundial.


Esses assuntos também não podem ser pensados superficialmente. Esses assuntos devem ser pensados detalhadamente, não podemos parecer espiritualistas e ser na verdade materialistas. Há duas coisas que ouvimos freqüentemente hoje em dia: uma é que os homens dizem: Ora, vocês ficam falando em idéia sociais, mas idéias não se transformam em pão! - É uma objeção barata, que é feita muitas vezes hoje em dia. E a outra é dizer: Se as pessoas voltarem a trabalhar tudo ficará bem, a questão social terá outra feição. - Ambas as frases são materialismo camuflado, pois ambas as frases querem negar a vida espiritual.


Primeiro, por meio do que nos diferenciamos do mundo animal? Os animais vão, buscam seu alimento enquanto há, seguindo seus instintos inatos. Se não houver o suficiente, terão que morrer de fome. Qual a vantagem do homem? Ele trabalha para que os alimentos sejam produzidos. No momento em que ele começa a trabalhar, começa o pensamento.  Somente no momento em que começa o pensamento que também começa a questão social.  Quando o homem precisa trabalhar, ele necessita de um impulso para trabalhar. Os impulsos que existiam até agora, não existirão mais. Serão necessários novos impulsos para trabalhar. E nem pode tratar-se da questão: Se os homens trabalharem novamente, tudo ficará bem - ; não, quando os seres humanos, a partir de sentimentos de responsabilidade pelo mundo fornecerem pensamentos que carreguem suas almas, então as forças que surgirem desses pensamentos passarão para a mão e para o querer, e surgirá trabalho. Mas tudo depende do pensamento. E o próprio pensamento depende de que abramos os nossos corações para o mundo espiritual.


Hoje é necessário falar muito sobre a responsabilidade e o significado do pensamento. Por isso eu queria enfatizar esse matiz na conferência de hoje.
Como faz parte do destino não conseguirmos ir embora quando queremos viajar, ainda estaremos aqui amanhã. Por isso quero falar amanhã, às oito horas, especialmente sobre o fundamento antroposófico, o fundamento científico-espiritual oculto da questão social. De modo que, antes de partirmos, eu possa falar aos amigos sobre a questão social, mas dissertarei de modo científico-espiritual  sobre os fundamentos mais profundos da questão social.        

 

 

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