Textos de Rudolf Steiner

A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Décima Conferência

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Rudolf Steiner  

Dornach, 13 de dezembro 1919

 

Ontem lhes falei da relação que existe entre a Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia e as formas da nossa construção. Eu gostaria de chamar a sua atenção em especial para o fato de que as relações entre essa construção e a nossa Ciência Espiritual  não são exteriores mas que, de certo modo, o espírito que atua na Ciência Espiritual fluiu para dentro dessas formas. E devemos dar um valor especial ao fato de que, de certo modo, podemos afirmar que uma verdadeira compreensão dessas formas, compreensão baseada nas sensações, significa uma leitura do sentido interior que existe no nosso movimento. Hoje quero abordar ainda alguns assuntos relativos à construção para depois, em conexão com isso, expor hoje ou amanhã alguns assuntos importantes da Antroposofia.


Ao observar a construção, os senhores verão que a planta arquitetônica são dois círculos entrelaçados, um maior e um menor, de modo que eu poderia desenhar esquematicamente a planta dessa forma (desenha a planta).


A construção inteira está orientada de leste para oeste. (Traça a linha leste-oeste). Os senhores devem ter visto que essa linha leste-oeste é o único eixo de simetria e que, portanto, tudo é orientado simetricamente por esse eixo.


Aliás, não estamos lidando com uma mera repetição de formas como se usa normalmente na arquitetura, talvez com capitéis iguais ou coisa parecida mas, como já o expus ontem, estamos lidando com uma evolução de formas, com o surgimento de formas posteriores a partir de formas anteriores.
Finalizando o contorno exterior, os senhores encontrarão sete colunas do lado esquerdo e sete do lado direito. (Faz um esboço das colunas.) Já mencionei ontem que essas sete colunas têm capitéis e pedestais, e sobre si as arquitraves correspondentes que  desenvolvem suas formas numa evolução progressiva.


             Se tiverem uma percepção desse projeto, já captarão algo nos dois círculos entrelaçados - mas terão que captá-lo pela sensação - que indica o desenvolvimento da humanidade. Eu já disse ontem que, mais ou menos na metade do século XV, registra-se um momento decisivo no desenvolvimento da humanidade. O que na escola, e de forma exterior, é denominado “História”, é somente uma convenção pois ela registra fatos exteriores de tal modo que se cria a impressão de que o ser humano tivesse sido o mesmo  nos séculos VIII e IX como foi nos séculos XVIII e XIX. Historiadores mais modernos, por exemplo Lamprecht , já perceberam que isso é tolice, que de fato a constituição e o ambiente anímicos do ser humano eram totalmente diferentes antes e depois desse momento mencionado. E na atualidade estamos dentro de um desenvolvimento que só poderemos entender quando nos conscientizarmos de que estamos nos desenvolvendo em direção ao futuro com forças anímicas específicas, e que as forças anímicas que fizeram seu desenvolvimento até o século XV e que, porém, ainda aparecem como fantasmas nas almas humanas – mas elas estão diminuindo -, fazem parte do que está desaparecendo, do que está condenado a apartar-se da evolução da humanidade. Devemos desenvolver uma consciência quanto a essa importante mudança de direção no desenvolvimento da humanidade para que nos tornemos capazes de falar sobre os assuntos da humanidade atual e do futuro próximo.


Esses assuntos revelam-se especialmente onde os seres humanos querem dar ênfase ao que sentem, ao que percebem. Vamos lembrar apenas de um fato no desenvolvimento da arquitetura, algo que já mencionei mas que desejo retomar aqui para mostrar com um exemplo como progride o desenvolvimento da humanidade.


Observem as formas de um templo grego. Como podemos entender as formas de um templo grego? Só poderemos entendê-las se estivermos conscientes de que a idéia  arquitetônica desse templo grego está direcionada a transformar esse templo em morada  de um deus ou deusa que permaneciam ali dentro sob forma de estátuas. Todas as formas do templo grego seriam absurdas se não compreendêssemos que ele é o invólucro, a morada do deus ou deusa que deve estar lá dentro.


Passemos das formas do templo grego para as próximas formas arquitetônicas novamente significativas, até chegarmos à catedral gótica. Quem entrar numa catedral gótica e tiver o sentimento de ter diante de si algo concluído, pronto, não entende as formas da arquitetura gótica tanto quanto aquele que não entende o templo grego, que pode contemplá-lo sem enxergar a estátua divina no seu interior. Um templo grego sem imagem divina - é necessário somente pensar a imagem lá dentro, mas para entender a forma é necessário pensá-la ali dentro - , um templo grego sem imagem divina é uma impossibilidade para a compreensão sensorial. Uma catedral gótica vazia também é uma impossibilidade para o ser humano, que de fato sente dessa maneira. A catedral gótica só  estará pronta quando a comunidade estiver lá dentro, somente quando estiver cheia de pessoas e, no fundo, só quando estiver cheia de pessoas às quais se diz algo de modo que o espírito da palavra esteja atuando sobre a comunidade, ou no coração da comunidade. Então a catedral gótica estará pronta. Mas a comunidade deve fazer parte, senão as formas não serão compreensíveis.


Qual é a evolução que temos diante de nós, que vai do templo grego até a catedral gótica? O resto são, no fundo, formas intermediárias, não importa o que a explicação da História erroneamente diga. Qual é a  evolução que temos diante de nós?  Olhando para a cultura grega, que foi o auge do quarto período pós-atlântico, devemos dizer: Na consciência grega ainda vivia algo da permanência de poderes divino-espirituais entre os homens, só que os homens eram obrigados a construir residências para os deuses que eles conseguiam ter presentes apenas em imagens. O templo grego era a morada do deus ou da deusa dos quais se tinha a consciência: Estão entre os seres humanos. Sem a consciência dessa presença de poderes divino-espirituais não seria possível pensar na inserção do templo grego na cultura grega.  


Prosseguindo do auge da cultura grega para o seu término, perto do fim do quarto período pós-atlântico, perto dos séculos VIII, IX e X D.C., chegaremos às formas da arquitetura gótica, que exige uma comunidade. Tudo corresponde à vida sensorial do ser humano daquele tempo. Os seres humanos, naturalmente, eram diferentes em seu estado anímico do que haviam sido no auge do pensamento grego. A consciência da presença imediata de poderes divino-espirituais não existia, os poderes divino-espirituais tinham sido deslocados para um outro mundo distante. O reino terrestre foi muitas vezes acusado de ser um reino que se distanciou dos poderes divino-espirituais. A substância material era algo a ser evitado, a vista deveria desviar-se dela e dirigir-se, pelo contrário, para os poderes espirituais. O ser humano procurava na adesão aos outros dentro da comunidade - de certo modo procurando o espírito grupal da humanidade - a atuação do espiritual, que com isso também ganhou o caráter de algo abstrato. Por isso as formas  góticas dão uma impressão abstrato-matemática em comparação com as formas da arte arquitetônica grega, que parecem mais dinâmicas, que têm algo de uma casa que envolve o deus ou a deusa. Nas formas góticas tudo é ascendente, tudo indica que devemos procurar em distâncias espirituais aquilo pelo que a alma anseia. Para o grego, seu deus ou sua deusa estava lá. De certo modo, ele escutava o murmúrio dos deuses com seu ouvido anímico. Na época gótica, a alma ansiosa somente podia pressentir o divino nas formas que tendiam para cima.


Assim a humanidade, quanto ao seu estado anímico, tornou-se saudosa,   assentou-se em anseios, em procuras, acreditava poder ser mais feliz nessa procura por meio da união na comunidade, mas sempre esteve convicta de que o que devia reconhecer como divino-espiritual não era algo que atuava diretamente entre os seres humanos, mas ocultava-se em submundos misteriosos. Quando queriam expressar o que desejavam e procuravam ansiosamente, só podiam expressá-lo conectando-o a algo misterioso. A expressão da época para toda essa atmosfera anímica dos seres humanos é o templo ou a catedral, da qual poderíamos dizer também, que na sua verdadeira forma típica é a catedral gótica. Mas se, justamente naquela época em que os homens queriam elevar-se do terreno ao supra-terreno, aquilo pelo que se ansiava como o mistério mais sublime era colocado diante do campo visual espiritual, tornava-se necessário passar do mero estilo gótico para outra coisa que, poderíamos dizer, agora não reunisse a comunidade física, mas que fizesse com que todo o espírito da humanidade, ou todos os espíritos anímicos da humanidade  adotassem a convergência comum para um centro, um centro misterioso.


Se imaginarem a totalidade das almas humanas como que confluindo de todos o pontos cardeais da Terra teriam, de certo modo, a humanidade da Terra inteira reunida como numa grande catedral que não fosse pensada  como sendo gótica, ainda que devesse ter o mesmo sentido que a catedral gótica. Na Idade Média esses assuntos estavam ligados ao aspecto bíblico. E se imaginarmos que os setenta e dois discípulos - não precisamos pensar logo na História física, mas no espiritual que nesses tempos entretecia a contemplação física do mundo – , se imaginarem, então, como se pensava dentro do espírito da época, que os setenta e dois discípulos de Cristo se espalharam por todos os pontos cardeais e plantavam o espírito nas almas, o espírito que deveria confluir no Mistério de Cristo, assim os senhores têm em tudo que novamente refluiu daqueles homens a cujas almas os discípulos haviam levado o espírito do Cristo, nos raios que vêm de todas essas almas de diversos pontos cardeais aquilo que, de modo mais completo e universal, o ser humano do princípio da Idade Média pensava como sendo aquilo que ansiava pelo mistério. Talvez não seja necessário que eu desenhe todos os setenta e dois, mas posso esboçá-los (desenha). Só farei o esboço, mas imaginem que isso seriam setenta e dois pilares. Desses setenta e dois pilares  viriam então os raios que a partir da humanidade total anseiam pelo mistério do Cristo. Cerquem tudo isso com algo como uma parede - isso então não seria gótico, mas já indiquei porque não se permaneceu estritamente no gótico - cuja planta é um círculo, e imaginem aqui os setenta e dois pilares, assim teriam a catedral que, de certo modo, abarca toda a humanidade. Imaginem-na também orientada de leste para oeste, assim sentiriam lá dentro, naturalmente, uma planta bem diferente do que na nossa obra, que é composta de dois círculos. A sensação diante dessa planta deve ser bem diferente, e eu tentei  descrever-lhes um esboço dessa sensação. Deveríamos pensar, então, que as linhas de orientação principais de uma obra assim, construída a partir dessa planta, têm forma de cruz, e deveríamos pensar que os corredores principais precisariam estar ordenados segundo essa forma de cruz.


Com certeza era assim que o ser humano medieval pensava que deveria ser sua catedral ideal. Se aqui fosse o leste (continua desenhando), aqui o oeste, depois aqui o norte e o sul, e houvesse três portais no norte, sul e oeste, aqui no leste haveria uma espécie de altar principal, e em cada pilar haveria uma espécie de altar lateral. Mas onde os braços da cruz se cortam deveria estar o templo do templo, a catedral da catedral: de certo modo, haveria ali a concentração do todo, uma repetição, em escala reduzida, do que é a totalidade. Na linguagem abstrata, moderna, diríamos: aqui estaria uma casinha sacramental, mas na forma do todo.


                 Imaginem o que desenhei aqui num estilo arquitetônico que é apenas próximo ao verdadeiro estilo gótico que contém, ainda, várias formas românicas mas que, com certeza, tem a orientação que indiquei aqui. Com isso fiz o esboço de um templo do Graal como o ser humano medieval o imaginava, aquele templo do Graal que de certo modo foi o ideal de construção na época que se aproximava do término da quarta época pós-atlântica: Uma catedral na qual confluíam os anseios de toda humanidade que se orientava pelo Cristo, assim como em cada catedral confluíam os anseios dos membros da comunidade, e assim como se sentiam unidas as pessoas no templo grego mesmo que não estivessem dentro do templo - porque o templo grego só exige que o deus ou a deusa esteja lá dentro, não as outras pessoas -, assim, então, como os seres humanos gregos de uma região se sentiam ligados com seu deus ou sua deusa por meio do seu templo. Falando objetivamente podemos dizer: Quando falava da relação que tinha com o seu templo, o grego descrevia esse fato mais ou menos do seguinte modo: Assim como ele falava de qualquer pessoa da Terra, por exemplo de Péricles: Péricles  mora nesta casa, essa frase: Péricles mora nesta casa, não expressa que a pessoa que o diz tenha alguma relação de propriedade ou esteja ligado de algum modo com a casa, mas como ela está ligada a Péricles quando diz: O Péricles mora nesta casa! O grego  expressaria com a mesma sensação sua relação com o que podia ser interpretado pelo estilo arquitetônico, expressando com isso: Atena mora nesta casa, esta é a residência da deusa, ou: Apolo mora nesta casa!


A  comunidade  medieval  que  tinha a catedral não podia dizer isso. Porque não era essa a casa em que o ser divino-espiritual morava, essa era a casa que expressava em cada detalhe da forma o local de reunião em que a  alma  era  condicionada  para o  misterioso-divino. Por  isso, no  início da quarta época pós-atlântica, no centro do templo do templo  estava,  no que eu chamaria de o “templo original”, a  catedral da  catedral. E  de tudo isso era  possível  dizer: Entrando  aqui  podemos  elevar-nos  aos  mistérios do cosmos!  Era  necessário  entrar  na  catedral. Do  templo  grego  só  era necessário dizer: esta é a casa de Apolo, esta é a casa de Palas. E o ponto central daquele templo original, onde os braços da cruz se cortam, abrigava o Santo Graal, era ali que ele estava guardado.


Vejam, devemos estudar desse modo a atmosfera que carateriza os diversos períodos históricos, senão não chegaremos a conhecer o que realmente aconteceu. E sobretudo, sem essa consideração, não poderemos conhecer quais as forças anímicas que estão começando na atualidade.
Assim sendo, o templo grego envolvia o deus ou a deusa, dos quais se sabia: Eles estão presentes entre os seres humanos. Mas o homem medieval não sentia isso, ele de certo modo sentia  o mundo terreno como que abandonado por Deus. Ele sentia o anseio de encontrar o caminho que levasse aos deuses, ou ao Deus.


Sem dúvida hoje estamos apenas no ponto de partida, porque se passaram apenas alguns séculos desde a grande virada na metade do século XV. A maioria das pessoas quase não vê o que está surgindo, mas algo está desabrochando, algo está mudando nas almas dos seres humanos. E o que precisa fluir para dentro das formas em que incorporamos a consciência da época novamente tem que ser diferente. Esses assuntos não podem ser pensados engenhosamente  com o intelecto, com a razão, esses assuntos somente podem ser sentidos, vistos artisticamente. E a pessoa que quiser levá-los para conceitos abstratos, não os compreende realmente. Mas há várias maneiras de abordar esses assuntos caracterizando-os. É preciso dizer: O grego sentia de certo modo o deus ou a deusa como sendo seus contemporâneos, seus coabitantes. O homem medieval tinha a catedral que não servia como residência ao Deus, mas que de certo modo deveria ser o portão de entrada para o caminho que leva ao divino. Os seres humanos reuniam-se na catedral e o procuravam a partir da alma grupal da humanidade. O fato característico é que toda a humanidade medieval tinha algo que somente pode ser compreendido a partir do aspecto da alma grupal. Até a metade do século XV, o ser humano individual não era tão considerado como a partir daquele tempo. Desde aquele tempo, o mais essencial no ser humano é o anseio por ser uma individualidade, por concentrar as forças individuais da personalidade, por encontrar, de certo modo, um ponto central em si mesmo.


Também não compreenderemos o que está emergindo nas diversas reivindicações sociais de nossa época, se não conhecermos a atuação desse espírito individual em cada ser humano, essa vontade de cada indivíduo de apoiar-se no fundamento de seu próprio ser.


Mas com isso há algo que começou no século XV e só terminará em torno do início do quarto milênio, e que se tornará muito importante para o ser humano. Com isso surge algo que para essa época tem uma importância especial. Pois vejam, ao dizer que cada ser humano anseia por sua própria individualidade, estamos expressando algo indefinido. O espírito grupal, mesmo quando abrange apenas pequenos grupos, é algo muito mais compreensível do que o que o cada ser humano anseia a partir da fonte primordial de sua individualidade. É por isso que será muito importante para esse homem moderno entender o que pode ser denominado: Procurar o equilíbrio entre os pólos opostos.


Uma coisa quer, de certo modo, sobressair da cabeça. Tudo o que leva o ser humano a ser um sonhador, um fantasista, um alucinado, o que o preenche com emoções místicas indefinidas sobre um infinito indefinido, o que o preenche quando é  panteísta ou teísta ou algo parecido, que hoje existe freqüentemente, tudo isso é um polo. O outro polo, falando trivialmente, é o da sobriedade, da secura, mas não é irreal perante o espírito do presente, realmente não é dizer algo imaginário: é o polo filisteu, da mediocridade, o polo que nos puxa para a Terra, para dentro do materialismo. Esses dois pólos energéticos estão no homem, e entre eles está o ser humano, que deve procurar o equilíbrio. De quantas maneiras é possível procurar o equilíbrio? Os senhores poderão imaginá-lo novamente com a imagem da balança (desenha). De quantas maneiras podemos encontrar o equilíbrio entre dois pólos que puxam em direções opostas?


Se aqui, num prato da balança, há cinqüenta gramas ou cinqüenta quilos, e desse lado também, diremos que há equilíbrio. Mas se aqui, num dos pratos, estiver um quilo e no outro prato também um quilo, diremos que também há equilíbrio, e se desse lado tivermos mil quilos e do outro lado também, diremos igualmente que há equilíbrio.

Podemos procurar o equilíbrio de infinitas maneiras. Isso corresponde às infinitas maneiras de ser um ser humano individual. Por isso é tão essencial para o ser humano atual compreender que a sua essência consiste no anseio pelo equilíbrio entre os pólos opostos. E que o indefinido da procura pelo equilíbrio é aquela indefinição da qual lhes falei antes.


Por isso o ser humano atual só consegue lidar com a sua procura quando se apoiar com ela no anseio pelo equilíbrio.


Tão importante quanto era para o grego sentir: Na comunidade à qual pertenço atua a deusa Palas, atua o deus Apolo, essa é a casa de Palas, essa é a casa de Apolo - assim era importante para o ser humano da Idade Média saber: Existe um local de reunião que abriga algo - podiam ser as relíquias de um santo, ou o próprio Santo Graal -, existe um local de reunião em que, ao reunir-se, os anseios da alma pelo mistério indefinido podem fluir, e é igualmente importante para o ser humano moderno desenvolver uma percepção para o que ele é como ser humano individual: Que ele, como ser humano individual, é um      procurador do equilíbrio entre duas forças polares, opostas. Poderíamos expressá-lo animicamente da seguinte maneira: De um lado atua o que leva o homem a querer ir além da sua cabeça, à exaltação, ao fantástico, o que quer desenvolver a volúpia, que não se importa com as condições reais da existência. Assim como um extremo pode ser definido animicamente desse modo, o outro extremo pode ser indicado como puxando para a Terra, para o sóbrio, para o seco, para o intelectualismo seco e assim por diante. Fisiologicamente poderia ser expresso da seguinte maneira: Um polo é tudo que faz o  sangue ferver, e se ferve demais, torna-se febre. Fisiologicamente expresso, esse polo  engloba tudo que tem a ver com as forças do sangue, o outro polo com tudo o que está ligado à ossificação, à petrificação do ser humano, ao que, ao ir para o extremo fisiológico, levaria à esclerose nas suas mais diversas formas.  E entre a esclerose e a febre como polos extremos e radicais, o ser humano também deve manter o seu equilíbrio fisiológico. A vida consiste basicamente na procura do equilíbrio entre o sóbrio, o seco, o burguês e o exaltado-fantástico. Somos animicamente saudáveis quando encontramos o equilíbrio entre o exaltado-fantástico e o seco-burguês. Somos fisicamente saudáveis quando conseguimos viver no equilíbrio entre a febre e a esclerose, a ossificação. E isso pode acontecer de inúmeras maneiras, dentro das quais a individualidade pode viver.


É nisso que o ser humano, nos tempos modernos, deve sentir a antiga sentença de Apolo “Reconhece-te a ti mesmo”. Mas “Reconhece-te a ti mesmo” não em qualquer abstração: “Reconhece-te a ti mesmo no anseio pelo equilíbrio”. Por isso devemos erguer a leste do edifício aquilo que fará com que o ser humano possa sentir esse anseio pelo equilíbrio. E isso deverá ser representado na escultura de madeira mencionada ontem, que tem como figura central a imagem de Cristo, a imagem de Cristo que procuramos esculpir de modo a podermos imaginar: Foi assim que o Cristrealmente caminhou na Terra, na Palestina, no corpo do homem Jesus de Nazaré, no início da nossa cronologia cristã. Os quadros convencionais do Cristo barbudo são apenas criações do quinto e sexto séculos, e eles realmente não são nada fiéis ao retratado, se assim posso expressar-me. Foi isso que procurei: criar um Cristo fiel ao retrato que fosse, ao mesmo tempo, o representante  do ser humano que procura e anseia pelo equilíbrio. (Desenha).


             Depois os senhores verão duas figuras nesse grupo: Aqui o Lúcifer desabando, aqui o Lúcifer querendo subir. Aqui embaixo, de certa forma ligado a Lúcifer, uma figura arimânica, e aqui uma segunda figura arimânica. O representante do homem colocado entre a figura arimânica: o medíocre, o sóbrio, o seco, o materialista; e a figura de Lúcifer: o exaltado, o fantástico. A figura de Arimã: tudo o que leva o ser humano à petrificação, à esclerose; a figura de Lúcifer: representante de tudo o que leva o ser humano a ultrapassar febrilmente a medida de saúde que ele pode suportar. 


E assim, depois que, de certo modo, colocou-se no centro a catedral gótica que não envolve uma imagem dessas mas, em vez disso, uma relíquia ou até mesmo o Santo Graal, quer dizer, algo que não tem mais ligação com alguém que caminha entre nós, retornamos ao fato de a obra tornar-se algo envolvente, mas agora envolve o ser humano no seu anseio pelo equilíbrio.


Se o destino assim o quiser, e um dia essa obra ficar pronta, de certa maneira aquele que estiver dentro dela, ao olhar para a entidade que dá sentido à evolução da Terra terá diretamente diante de si algo que lhe sugere  dizer: A entidade de Cristo. Mas isso deve ser sentido artisticamente. Não poderá ser imaginado apenas intelectualmente como o Cristo, mas deverá ser sentido. O todo é pensado artisticamente, e o mais importante é o que se expressa nas formas. Contudo, deve sugerir ao homem olhar para o leste de maneira puramente sensorial, com exclusão da intelectualidade que só deve servir de escada para a sensação, e poder dizer: “Isso é você”, mas agora não uma definição abstrata do homem, pois o equilíbrio pode ser alcançado de infinitas maneiras. Não é uma imagem divina sendo envolvida - pois para os cristãos também vale o mandamento de que não deveriam fazer imagens de seu Deus - , não uma imagem divina sendo cercada, mas aquilo que se desenvolveu a partir da alma grupal do ser humano para tornar-se a entidade energética individual de cada ser humano. E nessas formas leva-se em conta o atuar e urdir do impulso individual.


Se o senhores agora não pensarem com o intelecto - o que hoje em dia é uma forma muito apreciada - no que acabo de dizer, mas se o permearem com o sentimento e pensarem que nada foi simbolizado ou inventado pela razão mas que, antes de tudo, pelo menos tentou-se deixar que fluísse para dentro de formas artísticas, então terão o princípio fundamental que deve expressar-se na obra do Goetheanum. Mas também terão o modo como aquilo que quer ser uma Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia está ligado com o espírito íntimo da evolução da humanidade. Atualmente não nos aproximaremos dessa Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia se não procurarmos o caminho a partir das grandes reivindicações da humanidade dos tempos mais recentes do presente e do futuro próximo. Devemos realmente aprender a falar de outro modo sobre o que leva os seres humanos ao encontro ao futuro.


Existem atualmente várias sociedades secretas orgulhosas de si, mas que no fundo não são mais do que portadoras do que ainda vem dos tempos da grande virada no século XV. Isso muitas vezes se expressa bem exteriormente. Nós também já vivenciamos várias vezes como esse anseio penetrava em nosso grupo. Quando querem ressaltar o valor de algum anseio assim chamado oculto, aludem ao fato de se tratar de algo antigo. Havia, por exemplo, um senhor entre nós que, de certa maneira, queria gabar-se um pouco como sendo rosacruz.  E quando dizia alguma coisa que, na maioria das vezes, não era mais do que uma opinião própria, trivial e particular, nunca deixava de dizer: Como os “antigos” rosacruzes disseram. Ele nunca deixou de dizer o “antigo”. E se pesquisarmos várias coisas das sociedades secretas atuais, veremos sempre, em toda parte, que o valor das coisas representadas está baseado na sua antigüidade. Algumas retrocedem até a filosofia rosacruz - a seu modo, obviamente - , outras retrocedem muito mais, principalmente ao Antigo Egito, e quando alguém, hoje em dia, pode esbanjar sabedoria templária egípcia, grande parte da humanidade cai no conto pela sua mera anunciação.


A maioria dos nossos amigos sabe que sempre enfatizamos: O movimento espiritual orientado pela Antroposofia não tem nada a ver com essa procura pelo antigo. Ele procura o que se revela diretamente do mundo espiritual no mundo físico. Por isso ele precisa falar sobre muitas outras coisas de forma diferente do que as sociedades secretas fundamentadas sobre antigüidades que podem, porém, ser tomadas a sério e que ainda têm, atualmente, um papel importante nos acontecimentos da humanidade. Ao ouvirem essas pessoas falando - hoje elas abrem as vezes a boca por vontade própria - , pessoas que são iniciadas em certos mistérios das sociedades secretas atuais, ouvirão como falam sobretudo de três coisas. Em primeiro lugar falam da vivência que tem aquele que realmente procura pelo mundo espiritual, quando passa o limiar para o mundo espiritual. Ela consiste no fato de que não podemos evitar de, no momento em que atravessamos esse limiar, encontrar os poderes que são os verdadeiros inimigos da humanidade, que são os verdadeiros e reais adversários essenciais do ser humano físico que vive aqui na Terra como é o propósito dos poderes divinos. Isso quer dizer: Essas pessoas sabem que o que se oculta da consciência humana normal está entretecido pelos poderes que, com um certo direito, podem ser denominados os entes causadores da doença e da morte, com os quais também se entretece tudo o que está ligado ao nascimento humano. E os senhores ouvirão dessas pessoas que sabem algo sobre esses assuntos, que esses assuntos deveriam ser mantidos em segredo - digo-o no conjuntivo - porque à humanidade profana (essa é a forma usada, mas na verdade estamos falando das almas imaturas que ainda não chegaram a ter a força para isso, aliás, grande parte da humanidade é assim), não pode ser revelado o que existe além da consciência normal.


A segunda vivência é que a partir do momento em que o ser humano aprende a reconhecer a verdade (que só pode ser reconhecida quando conhecemos os segredos do supra-sensorial), também aprende a reconhecer até que ponto tudo o que podemos afirmar a partir da mera observação sensorial do mundo à nossa volta é ilusão, engano; por mais exatamente que se pesquise, mais enganoso é ainda. O homem de hoje precisa perder o chão sob os pés,  perder o chão firme para poder dizer: Isso é um fato, pois eu o vi - isso acaba depois de atravessar o limiar.


O terceiro é que no momento em que começamos a executar uma tarefa própria ao ser humano - seja trabalhar com ferramentas, ou no solo, especialmente quando fazemos um trabalho humano entretecendo-o na tecelagem do organismo social - , então fazemos algo que não toca somente a nós, mas faz parte do universo todo. O ser humano acredita hoje que é óbvio que quando ele constrói uma locomotiva, ou faz um telefone ou um pára-raios ou uma mesa, ou quando cura um doente, ou também não o cura deixando que fique doente, ou faz qualquer outra coisa, isso seriam coisas que acontecem somente dentro da evolução da humanidade aqui na Terra. Não, o que eu mencionei no drama de mistério “O Portal da Iniciação”, de que quando algo acontece aqui ocorrem acontecimentos no universo inteiro - lembrem-se da cena entre Strader e Capésio-, é uma verdade profunda.


As pessoas que sabem algo sobre os assuntos conservados nessas sociedades na mesma forma que tinham antes da metade do século XV, e que muitas vezes são conservados sem a mínima compreensão, aludem a essas três vivências. As pessoas falam sobre esses assuntos aludindo primeiro ao mistério da doença, da saúde, do nascimento e da morte, em segundo lugar ao mistério da grande ilusão no sensorial, em terceiro ao mistério do sentido universal da obra humana. E falam disso de uma determinada maneira. Sobre todos esses assuntos - e principalmente sobre essas coisas mais importantes - deveremos falar no futuro de modo diferente do que no passado. Quero dar-lhes uma amostra de como, no passado, se falava de outra maneira sobre esses assuntos que depois se derramaram na consciência geral, permearam a ciência comum, o pensamento social comum e assim por diante, e como se deverá falar no futuro ali onde se fala realmente da verdade, como depois deverá fluir daí o que vem das fontes secretas do anseio pelo conhecimento para o conhecimento da natureza exterior, para a cosmovisão social exterior e assim por diante.


Quero falar-lhes ainda dessa enorme metamorfose - que hoje devemos entender porque os seres humanos devem despertar completamente da consciência grupal para a consciência individual -, dessa grande metamorfose histórica.             

 

 

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