Textos de Rudolf Steiner
A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Oitava Conferência
Rudolf Steiner
Dornach, 7 de dezembro de 1919
Tudo o que relatei durante as últimas semanas culmina no fato de que realmente estamos perante o irromper de um mundo espiritual no mundo atual e que é, em essência, o resultado do desenvolvimento cultural que começou por volta da metade do século XV, quando tudo se modificou no mundo conhecido pela civilização. O que se introduziu na consciência antes da metade do século XV relacionava-se mais com a estrutura interior do homem. Os senhores poderão constatar, em textos antigos que eventualmente ainda possam encontrar - já mencionei isso ontem -, como são usadas expressões muito parecidas com as expressões atualmente usadas na Química, na Física, e assim por diante. Porém o químico ou físico modernos não compreenderão realmente as coisas escritas nesses livros, pela simples razão de que acreditam que essas descrições relatam processos exteriores. Na realidade, nestes textos antigos não se descrevem processos exteriores, mas processos interiores, ocorrências no interior dos corpos humanos físico ou etérico. Foi só a partir da época de Galilei e Giordano Bruno que a humanidade começou a dirigir sua atenção mais para o mundo exterior, e hoje chegamos ao ponto de termos um conhecimento da natureza que já influenciou todo o pensar - principalmente o pensar e sentir populares - , um conhecimento da natureza muito amplo sobre os reinos mineral, vegetal e animal que, porém, não pode dar esclarecimento algum sobre a essência do próprio ser humano, nem mesmo sobre sua essência físico-corpórea. Mas hoje o ser humano já deveria formular a pergunta: Como deveria ser minha atitude perante os reinos da natureza, perante tudo o que me rodeia como reinos animal, vegetal e mineral, como o reino físico exterior ao homem, como o reino do ar e da água, do fogo e das nuvens, do sol, da lua e das estrelas? Qual deveria ser minha atitude como ser humano diante desses reinos?
Não poderemos responder minuciosamente a essa pergunta se não aprofundarmos um tanto mais aspectos já mencionados sobre o ser humano . Olhemos primeiro para o ser humano como um ser sensorial e racional: Por meio de nossos olhos, ouvidos e os outros órgãos dos sentidos, que embora existam para o restante do corpo físico são órgãos da cabeça, percebemos o mundo externo. Digerimos esse mundo externo usando como ferramentas nossas idéias e conceitos ligados ao nosso cérebro. Guardamos a representação mental das nossas lembranças - pois isso é necessário para a nossa integridade interior como homens - , daquilo que vivenciamos por meio dos nossos sentidos, do que pensamos usando a nossa inteligência denominada racional. Afinal, tudo o que captamos do mundo externo, aquilo que acontece dentro de nós por meio de nossos sentidos que captam o mundo externo, o que fazemos dessas percepções por meio da nossa inteligência é o que guardamos na memória como representações mentais. Qual é, na verdade, nossa posição como seres humanos diante do mundo?
Vamos partir de um fenômeno simples da percepção sensorial, já mencionado nos últimos dias. Imaginem estar vendo com os seus olhos uma chama. Fechem os olhos: Obterão uma imagem persistente da chama. Essa imagem persistente da chama, que carregam em seu olho, começa a desaparecer. Goethe, que sempre se expressou claramente sobre esses assuntos, disse: A imagem persistente se esvai gradativamente. A constituição original do olho e do sistema nervoso ligado ao olho se recompõem depois de terem sido modificados pela impressão luminosa exercida sobre o olho. O que ocorre no órgão dos sentidos é somente o processo mais simples daquilo que ocorre com sua memória, com sua lembrança, quando os senhores recebem quaisquer impressões externas, refletem a respeito delas, e elas permanecem como representações mentais de suas lembranças. A diferença é somente que, quando os senhores captam uma impressão com seu olho, no exemplo uma chama, e depois têm a representação mental dela, isso logo se esvai, tem pouca duração. Quando captam algo com todo o seu ser e refletem sobre essa impressão, conseguem lembrar-se dela mais tarde; quando vem essa grande imagem persistente da lembrança, isso dura muito tempo; sob certas circunstâncias, para certas vivências, dura por toda a vida. No que isso se baseia? Essa simples imagem que os senhores têm no olho, que talvez ecoe por alguns minutos apenas, talvez somente por uma fração de minuto, se a fizerem submergir novamente, isso acontece apenas porque esse processo não está passando por todo o seu organismo mas permanece numa parte restrita dele. O que, na lembrança, se transforma em representação mental passa, primeiro, por uma grande parte - que descreverei mais adiante - da estrutura orgânica geral, depois penetra no corpo etérico, e através deste passa para o éter cósmico à sua volta. No momento em que uma imagem não fica presa, como imagem sensorial, a um único órgão, mas avança por uma grande parte do ser humano inteiro, penetra no corpo etérico e passa para fora, então poderá permanecer como imagem persistente por toda a vida. Trata-se apenas de que a impressão seja suficientemente profunda e que atinja o corpo etérico, e que este não a retenha mas que a transfira para o etérico exterior do cosmo, inscrevendo-a nele. Não pensem que, ao se lembrarem de certas coisas, isso seja somente uma ocorrência em seu interior. Não é possível anotar todas as vivências em sua agenda - se bem que hoje muitas pessoas já o façam -, e depois retomá-las, relê-las novamente. Mas estarão anotando o que lembrarem no etérico universal, e o etérico universal fará surgir novamente o acontecimento nos senhores quando devem lembrar-se dele, como se fosse a impressão de um lacre. Lembrar não é somente um assunto pessoal, lembrar é confrontar-se com o universo. Não é possível estar só ao querer lembrar-se das vivências, quando se é um ser humano interiormente bem estruturado. Não conseguir lembrar-se de vivências é algo que destrói a entidade humana.
Imaginem o que significa, (já mencionei esse exemplo várias vezes): Um senhor que eu conhecia bem, e que ocupava uma posição importante, de repente, sem razão aparente, sentiu a necessidade de ir à estação ferroviária comprar uma passagem, para viajar a lugares longínquos e desconhecidos onde não havia nada para ele fazer. Ele realizou tudo isso num estado de consciência diferente. Durante todo o tempo em que viajou, não teve a lembrança habitual de si próprio, e somente voltou a si quando se encontrava num asilo de indigentes, em Berlim. Todo o tempo anterior, a partir do momento em que saiu de Darmstadt, permaneceu apagado em sua consciência. Mais tarde, a partir de indicações dadas por várias pessoas, descobriram que tinha estado em Budapeste, em Lemberg, e de Lemberg retornara a Berlim, voltando a si no asilo de indigentes. Vejam, sua razão estava completamente em ordem. Durante todo o tempo, a partir de sua entrada no trem em Darmstadt até seu acolhimento no asilo de indigentes em Berlim, ele soube o que fazer para comprar os bilhetes, para alimentar-se, e por aí em diante. Mas enquanto agia assim, não tinha qualquer lembrança do restante de sua vida. Voltou depois a lembrar-se de sua vida anterior à saída de Darmstadt, mas não teve nenhuma lembrança de sua viagem., Foi possível conhecer os pormenores dela somente por meio de informações de terceiros. Esse é um exemplo. Eu poderia relatar muitos outros parecidos. Com esse exemplo quero chamar a atenção para como seria nossa vida se uma lembrança contínua não atravessasse todas as nossas vivências. Imaginem como pensariam sobre o seu Eu como ser humano, se não existisse a lembrança de um certo período em que não estivessem dormindo - do período de sono logicamente não poderemos lembrar-nos. Tudo o que faz parte da suscetibilidade sensorial, da nossa inteligência, é nosso assunto pessoal. No momento em que isso começa a ter caráter de lembrança, tudo o que o ser humano vivencia em sua vida anímica, é um confronto com o universo, um confronto com o mundo. A humanidade atual ainda não sabe com a intensidade necessária, que o que expus é um fato. Mas fará parte do conhecimento futuro da humanidade não olhar a lembrança que o ser humano etérico carrega em si, apenas como um assunto pessoal, mas como algo pelo qual o homem terá que sentir-se responsável perante o mundo.
No início desse ciclo de conferências, falei como na época à qual normalmente retrocedemos na história, por exemplo, ainda na época grega, existia uma consciência que abrangia a nação, que não ia muito além dela. Depois essa consciência transformou-se em consciência terrestre. Mas somente na atualidade deverá surgir uma consciência cósmica, universal, para o futuro da humanidade, em que o ser humano terá que voltar a se conhecer - isso já foi o caso em tempos muito remotos - como um cidadão do cosmos inteiro. O caminho para essa consciência será sentir em si, claramente, a responsabilidade pelo que se pensa e que poderá levar à lembrança.
Mas o que lhes descrevi agora pertence a uma grande parte do ser humano mas não, verdadeiramente, ao ser humano inteiro. Para caracterizar-lhes esse fato, terei que fazer uma indicação esquemática. Suponhamos: Essa seria a região dos sentidos (branco), onde aglomero
todos os sentidos inclusive a região do raciocínio; então, de certo modo chegaríamos ao que, no organismo humano (vermelho), reflete os pensamentos que temos (setas, em vermelho), de forma que possam vir a ser as lembranças, aquilo que no ser humano se choca com a objetividade do cosmos. Já lhes indiquei uma vez os locais do corpo humano em que o ser humano colide com o cosmos.
Se analisarem, por exemplo, um nervo que de algum lugar no corpo dirige-se à medula espinhal - estou fazendo um desenho esquemático - , encontrarão para cada um desses nervos um outro, ou pelo menos para quase todos eles, um outro que faz o trajeto contrário. Os fisiólogos dos
sentidos chamam os primeiros nervos de sensitivos, e os outros de nervos motores.
Bem, já falei muitas vezes sobre esse disparate que é afirmar que uns nervos são sensitivos e os outros, motores. Mas o importante é que, na verdade, todo canal nervoso completo tem sua origem na periferia do ser humano e volta novamente à periferia, mas em algum lugar está interrompido. Assim como num fio elétrico interrompido que faz uma faísca pular para o outro lado, há uma espécie de salto, um efeito sensorial do assim chamado nervo sensitivo até o começo do assim chamado nervo motor.. E nesse local - há inúmeros locais, por exemplo na nossa medula espinhal, e em outras partes do nosso corpo - , nesses pontos também ficam os pontos espaciais em que o ser humano não pertence somente a si mesmo, mas onde ele pertence ao cosmo. Se ligarem todos esses pontos, incluindo os gânglios do sistema simpático, terão esse limite inclusive físico-fisiologicamente. De modo que poderão dizer: De certa forma, dividimos o ser humano em dois - um lado é maior que a metade, mas suponhamos que o dividimos ao meio – e o vemos como um grande órgão sensorial, observamos o acolhimento pelos sentidos como a verdadeira suscetibilidade dos sentidos, e a elaboração feita pelo intelecto como uma atividade sensorial mais sutil, a formação de imagens da lembrança como imagens persistentes que, no entanto, são permanentes para a vida entre o nascimento e a morte, porque batem contra o éter universal quando a lembrança se forma. Nosso próprio éter bate contra o éter cósmico, e ocorrem disputas entre nós e o éter cósmico. A outra parte do ser humano é a que tem como órgão final os membros, tudo o que é membro. Assim como a primeira parte tem como órgão final a esfera sensorial (escreve a palavra esfera sensorial), a outra parte do ser humano tem os membros que lhe foram adicionados (continua desenhando no Desenho 22): crescem os pés, os braços. Naturalmente, este é um desenho simples e esquemático.
Eu deveria desenhar para dentro tudo o que se relaciona com a vontade, como desenhei, a partir dos sentidos, tudo o que tem relação com a inteligência, e isso liga-se à outra parte do ser humano. Essa parte relacionada com a vontade é o outro polo do ser humano. Entre ambos está o limite, o limite interior que visualizarão ao ligarem todos os terminais nervosos e todos os gânglios. Se ultrapassarem um pouco esse limite, de modo a pensarem esse limite como uma peneira e se, de um lado, a vontade forçasse passagem pelos buraquinhos dessa peneira (veja desenho 22, laranja), e do outro lado a inteligência forçasse passagem (amarelo) – então teriam, no meio, a índole, a esfera do sentimento. Pois tudo o que faz parte do sentir é, na verdade, metade vontade e metade inteligência. A vontade empurra de baixo, a inteligência de cima: isso resulta no sentir. No sentir, em estado sonhador, sempre está, de um lado, a inteligência, e do outro, dormindo, a vontade.
Depois que, de certo modo, estudamos o ser humano segundo a Ciência Espiritual - distinguindo de um lado o polo da inteligência, do outro lado o polo da vontade - , depois que vimos que os órgãos físicos da parte superior são a expressão do polo da inteligência, os senhores podem questionar: O interior do homem - pois agora conhecemos os seus dois lados, os dois polos do ser humano - relaciona-se com o que no mundo exterior? Na verdade, com nada. No mundo exterior temos um reino mineral, um reino vegetal, e um reino animal. Nenhum deles está realmente em concordância com o que o ser humano é interiormente, nem fisicamente.
Agora farão uma objeção importante, muito lógica. Dirão: Mas consistimos das mesmas substâncias do mundo exterior, pois comemos essas substâncias, unimo-nos às substâncias do reino mineral colocando sal e outros minerais nos alimentos, o mesmo se dando com as plantas. Existem também os que comem carne, que se unem à substâncias animais, e assim por diante. Mas há um terrível engano nessa crença de que nossa própria corporalidade tem relação com as substâncias do mundo exterior. A nossa corporalidade defende-se constantemente contra as influências do mundo exterior, e também contra as influências que nos chegam por meio dos alimentos. É difícil para os homens modernos compreender que o essencial do nosso corpo não é a incorporação dos alimentos, mas o fato de os expelirmos novamente. Algumas coisas conseguimos eliminar rapidamente, outras, porém, somente depois de sete, oito anos. Mas em oito anos não carregarão dentro de si nada daquilo que comeram hoje. Porque tudo se permuta, e a atividade do corpo consiste em eliminar, não em assimilar.
A possibilidade que o ser humano tem de incorporar os alimentos não tem mais significado para o corpo do que o chão tem para o andar. Se não tivessem o chão para andar, não poderiam andar, mas os seres humanos não têm nada a ver com o chão, ele somente precisa sustentá-los. Do mesmo modo a atividade do corpo humano precisa somente de uma oposição, ela precisa constantemente chocar-se contra algo, por isso temos que comer constantemente, para que a atividade do corpo se choque contra algo. Assim como afundaríamos no solo, a atividade do corpo afundaria na nulidade se não se chocasse constantemente contra o “chão” que está sendo preparado - mas que agora permeia o corpo todo. Os senhores não comem para unir os alimentos a si, comem para poderem proporcionar a atividade necessária para eliminar os alimentos. Pois sua essência humana consiste na atividade da eliminação dos alimentos. Assim como não podem considerar o piso como parte da sola do seu pé, tampouco podem, se quiserem pensar a verdade, considerar a substância dos alimentos (na medida em que existem de alguma forma no mundo exterior) como parte da sua condição de ser humano. O ser humano não é mais que uma reação contra o mundo à sua volta. Ele é uma reação, porque na verdade o ser humano é inteiramente atividade.
Tudo o que expus agora ocorre de forma bem diferente nos órgãos da esfera sensorial e da inteligência, e ainda mais diferente nos órgãos da esfera da vontade. O ser humano é uma entidade polar. Mas esses dois polos da entidade polar humana não têm muita ligação com o que está no mundo exterior.
No mundo exterior temos os reinos mineral e vegetal. Esses reinos mineral e vegetal não estão intimamente relacionados com nosso próprio ser. Se procurarmos algo relacionado com esses reinos mineral e vegetal, teremos que olhar para o mundo que atravessamos antes do nosso nascimento, ou seja, de nossa concepção, antes de descermos do mundo espiritual para o mundo físico. Olhando para os mundos mineral e vegetal, teremos que dizer: Antes do meu nascimento estive num mundo espiritual. Não vejo esse mundo espiritual com os meus sentidos físicos, não o penso com meu raciocínio físico. Mas esse mundo, que para mim está envolto por um véu quando sou um ser sensorial, esse mundo revela-se exteriormente no mundo vegetal e no seu suporte, o mundo mineral. Os mundos mineral e vegetal têm muito mais ligação com nossa vida extraterrestre do que com a nossa vida entre o nascimento e a morte. Naturalmente não falo das plantas que podemos ver à nossa volta por meio de nossos sentidos e que se revelam a nós: elas são os efeitos das forças às quais estamos ligados entre a morte e o novo nascimento. E o reino animal também não tem muito a ver com o que somos como entidade humana, ele tem mais ligação com o tempo que se segue diretamente após a morte, do qual é uma revelação exterior, polarmente contrária. Podemos dizer então: Não saberemos o que existe no ser humano se estudarmos cientificamente o ambiente em que ele habita. De fato, a ciência atual que hoje é muito valorizada, é uma ciência que, na verdade, não contém nada da essência do ser humano. Podem conhecer muito bem tudo o que se pesquisa segundo o método científico moderno, mas não conhecerão nada sobre a entidade do ser humano porque ela não está contida no conhecimento científico.
Durante os últimos quatro séculos, todas as nossas representações mentais triviais surgiram a partir da popularização do método científico. Mesmo o agricultor no campo pensa dessa maneira, embora usando suas próprias palavras. Mesmo o catolicismo, com seu materialismo dogmático, pensa de forma científica. O pensar científico, no fundo, domina tudo. Mas hoje chegamos a um momento em que tornou-se necessário construir a ordem social.
Atualmente uma grande parte do mundo civilizado - essa parte torna-se cada vez maior e um dia chegará a ser o mundo todo - sente a necessidade de erguer uma nova estrutura social. Os homens estão refletindo sobre a estrutura social. Exigências sociais estão presentes na humanidade civilizada. De que surgiram? Surgiram de impulsos que se manifestaram na subconsciência da humanidade. De que modo se pretende satisfazê-las? Com os resultados do pensar científico. E os resultados científicos são denominados “pensar social” em vastos círculos porque são empregados na vida social dos homens.
Assim aconteceu que na Europa Oriental deverá ser introduzida uma nova ordem social estatal a partir de um pensar puramente científico-material. Aqueles senhores que, segundo as indicações de Ludendorff e Hindenburg , levaram para a Rússia o Dr. Helphand , que se auto-denomina Parvus, para que lá implantasse o bolchevismo, são a encarnação dos métodos científicos. Até se poderia dizer: A prova prática do que será o método científico, quando enraizar nas cabeças de certos revolucionários sociais, nos é mostrada pelos homens do bolchevismo. O método científico encarnado vive hoje na Rússia através dos serviços de Helphand como condutor, pois ele levou o vagão selado através da Alemanha para a Rússia, para conduzir os homens do bolchevismo sob a proteção de Ludendorff e Hindenburg.
Não podemos deixar de avaliar a extensão desse método científico encarnado! Chamei-lhes a atenção para alguns fatos. Há dois filósofos que foram altamente burgueses e corriqueiros. Um, Avenarius , que lecionava na Universidade de Zurique, é um homem que certamente fez questão de desenvolver um pensar caracteristicamente burguês. O outro é Ernst Mach , que lecionava em Praga e em Viena. Eu mesmo o ouvi, em 1882, proferindo conferências na Academia de Ciências de Viena. Ele sempre me pareceu a encarnação do espírito e moralidade burgueses. Se perguntarem hoje pela “Filosofia de Estado” do bolchevismo, não é coincidência mas uma necessidade interna que a filosofia Avenariana e a de Mach sejam a Filosofia de Estado, pois essas coisas têm ligação: são a conseqüência máxima do método científico convertido por metamorfose em pensar social. Por isso esse assunto deve ser levado a sério. Primeiro o pensar científico floresceu como a flor social no Oriente. Continuará florescendo, se não atacarmos a questão a partir de suas raízes, na própria vida científica material.
Um certo modo de pensar e sentir está se espalhando pelo mundo. Essa onda é impelida pelo pensar científico-social material. Espalhando-se, essa onda captura o pensar social que é necessário hoje e que se torna, então, um poder da humanidade absolutamente destrutivo. Os círculos dirigentes não tiveram o poder e a força necessários para verter no pensar humano uma onda espiritual que verdadeiramente o sustentasse. Por isso a onda materialista abriu espaço nas massas do proletariado, no pensar social da massa do proletariado. E o marxismo, que reviveu de novo, de maneira tão grotesca, nos últimos quatro a cinco anos, é a florescência e o fruto do método científico-materialista no pensar social. Não podemos deixar de compreender que essa é a configuração do mundo civilizado atual. Se não o enxergarmos assim, deixaremos de perceber os acontecimentos e sintomas mais importantes dessa vida. Não seremos, hoje, seres humanos integrais se não atentarmos para essas manifestações.
Algumas pessoas elevam-se acima da opinião geral. Essas poucas pessoas sentem até certo ponto: Se continuarmos a pensar e sentir do modo como o fizemos, não progrediremos e entraremos cada vez mais no caos. Por isso, para despertar, há chamados como o seguinte; são raros, mas existem. Vou ler então um desses chamados.
Na revista semanal sócio-cultural “Neue Erde” (Terra nova) de Viena, no número 31./32., apareceu um artigo interessante, de Karl Polanyi, sob o título “Crise da Cosmovisão”. Diz que começou uma aversão geral contra a ordem econômica capitalista e, ao mesmo tempo, uma renegação do socialismo marxista.
“Rege ainda hoje uma mistura do marxismo com o socialismo, que é o aborrecimento de todo pensar moderno. Toda tentativa de incentivo intelectual para os problemas sociais mais importantes fracassa no brejo desse baixio espiritual ... A eclosão da guerra mundial foi o ponto de mutação de todo o pensamento capitalista, e com isso, também do pensamento marxista. Os líderes da humanidade reconheceram de modo claro, e as massas pressentiram que nunca mais os assim chamados interesses vitais regeriam o mundo, mas forças de espécie e essência totalmente diferentes. Pois os interesses econômicos vigentes, que os imperialistas perseguiam e os socialistas combatiam numa luta contra moinhos de vento, revelavam-se não somente irreais e abstratos ao ponto de serem meras palavras, mas também como simples superstição econômica e quimera vazia. Ficou claro que a força impulsionadora não é o elemento material, mas a representação mental desse elemento - por mais que essa representação seja errada ou enganosa -, de modo que é a representação, e não o elemento material que dirige as massas. Também a representação mental do interesse material, supostamente o mais concreto e verdadeiro, somente terá efeito histórico quando for elevada a uma crença, somente quando os sacrifícios feitos em seu nome não forem mais levados em conta, e seu próprio valor servir como indenização e justificativa para tudo que se fizer de irracional em seu nome. Esse tempo de paradoxos colossais acreditava no egoísmo. Não era mais rejeitado, não era mais ideologicamente disfarçado. Pelo contrário! A humanidade foi para a morte sob o nome santificado dos interesses econômicos vitais que envolviam o egoísmo numa auréola, sob o Sacro Egoísmo que se elevara ele mesmo ao céu. O elemento material declarou-se como o único ideal, e com isso o mundo materialista concluía sua trajetória. Pois os capitalistas denominaram essa idealização do material como Pátria, como a única verdade e essência; os marxistas, porém, disseram abertamente: Socialismo!
Ética utilitária, compreensão materialista da História, teoria do conhecimento positivista, filosofia determinista: nesse novo ambiente eles não têm mais condições de viver. O Marxismo como cosmovisão foi construído sobre esses pilares. Seu tempo acabou.”
Assim podem ver o chamado de uma alma que pelo menos viu o negativo e o caos ao que nosso tempo está sendo levado. E agora segue uma pergunta terrível e fatal: “O que deverá surgir em seu lugar?”
Essa pergunta é feita pela mesma pessoa que escreveu o artigo que acabei de ler para os senhores. Ela diz ainda: “A resposta a essa pergunta não é determinante para o destino do marxismo. Essa ponderação sobre o destino do marxismo é secundária para espíritos sinceros que buscam a clareza dos fatos. Mesmo que o sol se apagasse, teríamos que achar o caminho na escuridão antes de dizer que um fogo-fátuo é o sol.
Mas o que obscurece o Sol para nossa geração, é um novo Sol muito mais claro e radiante que está surgindo no horizonte. Libertos do pesadelo de uma teoria do desenvolvimento, em cuja rotina fomos condenados ao eterno trabalho em conjunto sem paz, sem pátria; vivendo uma existência sem sentido, despertando da alucinação de uma compreensão errônea da História que não ouve nos acontecimentos do mundo o eco dos gritos dos lutadores mas acredita ouvir, apenas, o eco dos acontecimentos universais; saídos da representação mental obsessiva de um determinismo ridículo, que apresentou o nosso livre arbítrio como um jogo de coincidências resultantes de forças atuantes nos bastidores; da crença nas multidões mortas finalmente nasceu a crença em nós mesmos. Haveremos de encontrar em nós a força e a vocação para transformar em realidade da humanidade as exigências do socialismo por justiça, liberdade e amor.”
Sim, uma alma ansiosa que vê que estamos indo de encontro ao caos, até mesmo fazendo a pergunta fatal: O que deverá tomar o seu lugar?, continua em seguida com a resposta apresentando somente os antigos conceitos que se tornaram meras palavras ocas: Justiça, liberdade e amor, palavras que foram apregoadas por bastante tempo. Essa frase realmente não indica concretamente o caminho.
“O socialismo marxista hoje só obscurece a questão vital, perante a qual a humanidade se encontra; ele impede as forças livres de encontrarem uma solução radical, mantém o pensar no lusco-fusco de um mundo de dogmas ultrapassados, nega a ação por meio de profecias sombrias, autoridades obscuras e símbolos místicos. Ele obstrui o panorama da humanidade.”
Certo: “Ele obstrui o panorama da humanidade” - mas esse panorama não será descerrado com palavras! E o autor continua: “A igreja sobreviveu à sua missão por mil anos. O marxismo poderá sobreviver-nos, mas o novo espírito que nasceu da desgraça dessa Guerra Mundial da humanidade, com certeza o sobreviverá.”
Mas onde está esse novo espírito? Este autor parece ter uma sensibilidade para a nulidade de nosso tempo, para o que leva ao caos. Bem, um amigo nosso, que já está dentro de nossa cosmovisão há bastante tempo, acrescenta algumas linhas ao que li agora. O que li até agora é de alguém que percebe que deveria vir algo novo, mas no fim permanece com o palavreado antigo. Nosso amigo acrescenta: “Aqui vemos uma concepção de mundo que reconhece que o marxismo, em sua forma mais conseqüente como se apresenta no bolchevismo, faz parte do pensar antigo. Ele é apenas um reflexo do antigo mundo capitalista. Ele está doente. Em relação à vida espiritual, o marxismo padece tanto quanto o capitalismo. Na economia é seu oponente, na base espiritual são iguais. Em seu lugar, e no lugar da cosmovisão científica moderna deve surgir a nova cosmovisão antroposófica a partir de uma ‘Filosofia da Liberdade’.”
São apenas poucas linhas acrescentadas por um amigo do nosso movimento, mas para a pessoa que enxerga as engrenagens da humanidade atual fica claro que a Ciência Espiritual Antroposófica quer surgir porque o estado das coisas assim o exige. E até que não admitamos que o processo doentio de nossa vida atual só pode ser curado por uma pesquisa espiritual orientada pela Antroposofia, não haverá modo de sair do caos.
Por isso podemos dizer sem falsa modéstia: Oxalá houvesse muito mais pessoas que respondessem à pergunta: “O que deve surgir no seu lugar?” - dando a mesma resposta que Dr. Kolisko deu a esse Karl Planyi em Viena! Enquanto acreditarmos que a prosperidade do nosso movimento deve ser procurada em algo sectário, não iremos reconhecer o seu sentido. Somente reconheceremos o sentido desse movimento ao compreender que estamos lidando com um assunto universal.
Somente será um verdadeiro representante da cosmovisão antroposófica a pessoa que não apenas reconheça a importância da Antroposofia nesse sentido, mas que a transforme no impulso mais íntimo da própria vontade. Não quis enfeitar com muitas palavras o que pretendia dizer nessa conferência. Em pouco tempo nos veremos aqui novamente, para conferências parecidas. Nem precisaremos despedir-nos, pois nosso próximo encontro não tardará.
Mas preciso dizer que corresponderia a uma necessidade profunda do meu coração, se muitos entre os senhores tomassem a sério, durante as próximas semanas, as palavras com as quais eu quis chamar sua atenção para um dos mais importantes aspectos de nossa situação mundial atual.
Falamos das várias influências danosas do mundo elementar em nossa época atual. Os senhores sabem que uma visão antiga, verdadeira, que apenas precisa ser entendida da forma certa, diz que, com o fim do ano burguês, quando chega a época do Natal, vêm os dias em que a influência espiritual que pode ocorrer dentro da esfera da Terra sobre o ser humano, é mais intensa.
Procuremos, talvez, justamente nessa época que por séculos foi tão importante e essencial aos homens - e atualmente não é mais do que uma época em que damos “presentes adequados” - , procuremos nessa época, então, de acordo com uma antiga tradição anímica, nosso refúgio nos antigos poderes espirituais que, afinal, ainda podem influenciar o destino do ser humano se permitirmos que toda a seriedade que existe na relação entre o mundo espiritual e o mundo humano atue sobre nossa alma!
É isso o que eu quis dizer-lhes no dia de hoje.
Será dada a conhecer a próxima data em que virei lhes falar.