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Textos de Rudolf Steiner

A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Sétima Conferência

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Rudolf Steiner  

Dornach, 6 de Dezembro de 1919

 

            Os senhores ouviram em várias ocasiões que, para se ter um verdadeiro conhecimento do ser humano, é necessário observar realmente a sua trimembração. No ser humano a cabeça - falando de forma geral -, os órgãos do tórax, e a disposição dos membros organizam-se de forma relativamente independente, sendo que devemos imaginar que uma boa parte do que fica dentro do tronco faz parte da organização dos membros. Os  senhores  puderam  concluir, também,  a  partir  de  conferências e  da exposição que fiz nos  “Enigmas da alma”, como a cabeça tem relação com a vida do pensar e da representação mental, como tudo que é atividade rítmica no ser humano  - falando de forma geral – está relacionado com o sistema torácico, com tudo que é  esfera do sentir e esfera do querer que, porém, no ser humano representa, na verdade, o  espiritual, tem relação com o sistema ou organização dos membros. Esses três sistemas são relativamente independentes no organismo humano. A vida das representações mentais, a vida dos sentimentos, e a vida da vontade também são relativamente independentes, mas atuam em conjunto. Como sabem, a diferença entre esses três sistemas pode ser melhor compreendida a partir do ponto de vista espiritual, quando dizemos: Na vida vígil comum o ser humano está realmente vígil somente no sistema da cabeça, com tudo o que, do ponto de vista anímico, está ligado com a vida das representações mentais e do pensar. Ao contrário, tudo o que está ligado, do ponto de vista corpóreo, à vida dos sentimentos, quer dizer, com o sistema rítmico em si, é uma vida de sonho que permeia a vida vígil mesmo durante a parte da vida em que estamos despertos. Sabemos indiretamente o que acontece na esfera dos sentimentos por meio de nossas representações mentais quando estamos acordados, mas nunca diretamente pelos próprios sentimentos. A vida volitiva permanece ainda mais obscura pois, segundo  seu verdadeiro conteúdo, é captada por nós apenas como a própria vida do sono. Desse modo podemos dizer, com mais exatidão do que acontece normalmente, até que ponto estados subconscientes estão na base da consciência humana comum: Representações mentais subconscientes estão na base da vida dos sentimentos, e fazendo uma comparação, representações mentais ainda mais inconscientes estão na base da vida volitiva.


É muito importante termos consciência de que, na verdade, todos os três sistemas do ser humano contêm o pensar, o sentir e o querer. No sistema da cabeça, do pensar, também há vida de sentimentos e volitiva, porém elas estão menos desenvolvidas do que a vida das representações mentais. Do mesmo modo há pensamentos na esfera do sentir que chegam à nossa consciência apenas em forma de sonho, mais fracos que na esfera da cabeça. Mas o que normalmente não se considera em nossos tempos de ciências abstratas, é que esses membros subconscientes da entidade humana são tanto mais objetivos, na medida em que chegam menos subjetivamente à consciência. O que isso quer dizer? Quer dizer que o que temos por meio da nossa vida de representações mentais, da nossa vida cerebral, são processos que acontecem principalmente dentro de nós. Mas o que vivenciamos no nosso sistema rítmico, no sistema  torácico, o que acontece na esfera dos sentimentos, isso não é apenas nossa propriedade individual, é algo que ocorre dentro de nós mas, ao mesmo tempo, representa processos universais objetivos. Quer dizer, quando sentimos alguma coisa, isso é obviamente um acontecimento dentro de nós, mas ao mesmo tempo é algo que acontece no mundo, algo que tem um significado no mundo. E por isso mesmo é muito interessante observar quais são os acontecimentos universais que estão na base da nossa vida dos sentimentos. Suponhamos que os senhores vivenciem algo que ocupe intensamente os seus sentimentos, um acontecimento que suscite alegria ou tristeza. Como sabem, a vida total do ser humano decorre de tal forma que podemos dividi-la em períodos de sete anos mais ou menos. O primeiro período vai do nascimento até a troca dos dentes, o segundo período até o amadurecimento sexual, o terceiro até o começo do 21? ano - tudo isso aproximadamente -, e assim por diante. Esta é uma divisão da biografia humana. (Veja desenho 19, linha horizontal com marcações verticais).


Considerando essa divisão, veremos os pontos cruciais do desenvolvimento humano, que no início da vida terrestre humana se expressam claramente na troca dos dentes, no amadurecimento sexual, pontos que, mais tarde, tornam-se mais velados, mas que continuam muito claros para a pessoa que sabe observar. (Faz um esboço dos pontos cruciais). O que ocorre com o físico-anímico do ser humano por volta dos vinte e um anos é tão claramente perceptível para a pessoa que sabe observar, quanto o é o amadurecimento sexual para a fisiologia exterior. Mas normalmente esses acontecimentos são menos observados. Assim temos uma divisão geral da biografia do ser humano. Mas quando surge um acontecimento significativo, por exemplo entre a troca de dentes e o amadurecimento sexual, que excita muito a esfera dos sentimentos, (desenha uma espiral vermelha), acontece algo muito característico que na realidade normalmente não se nota, porque a observação atual é muito superficial. Mas esse acontecimento ocorre de fato. De certa forma há a impressão, a impressão  sentimental oscila distanciando-se da consciência. Mas quando se trata de uma impressão sensível, ocorre algo no mundo objetivo, independente do que está acontecendo na consciência, na vida anímica em geral. E podemos comparar o que acontece no mundo objetivo com uma espécie de excitação vibrátil: Propaga-se no mundo. E o estranho é que não se propaga infinitamente, mas depois de ter-se propagado o suficiente, quando, de certa forma, sua elasticidade chegou ao fim, vibra de volta (meio círculo à esquerda), e no próximo setênio surge de maneira a, de algum modo, retornar como um impulso que vem de fora e penetra na vida anímica. Não quero dizer que depois de sete anos mais ou menos sempre volte um acontecimento desses, isso não seria correto porque tem relação com a configuração individual da vida. Mas acontece no período seguinte de sete anos, só que não é observado pelos homens.


Com nossa vida anímica passamos constantemente por esses acontecimentos, que penetram a vida de sentimentos e que são a repercussão do mundo que vivenciamos na esfera dos sentimentos, de alguma forma, durante o setênio precedente. Um acontecimento que excita de algum modo nossos sentimentos, ressoa novamente em nossa vida anímica no ciclo de vida seguinte. Os homens normalmente não reparam nisso. Quem se esforçar um pouco, já poderá ver isso exteriormente.


Quem já não teve a experiência de ver surgir, de repente, um mau humor, sem saber de onde vem, numa pessoa que se conhece bem? A pessoa transforma-se sem razão aparente. Se formos observar bem, e se conseguirmos ter um olho anímico para o comportamento especial de uma pessoa,  se conseguirmos sentir o que essa pessoa diz entre as palavras, ou com as palavras, poderemos retroceder a um acontecimento precedente que  excitou seu sentimentos, como descrevi. E nesse ínterim foi acontecendo algo no mundo que não teria acontecido se essa pessoa não tivesse tido essa excitação dos sentimentos. Mas tudo isso é um processo que, além de ser vivenciado pela pessoa, também ocorre objetivamente fora do ser humano. Os senhores podem ver quantas ocasiões existem para que essas coisas aconteçam fora do ser humano, que existem por causa do ser humano, e que são simplesmente acontecimentos mundiais objetivos.


Nesses acontecimentos mundiais objetivos interfere o que acontece entre os seres elementares, inclusive aqueles seres elementares que descrevi da outra vez como estando fora do ser humano. Sob outro aspecto relacionei-os com o sistema da respiração, com o sistema rítmico. Aqui podem vê-los agindo conjuntamente com o sistema rítmico pela via indireta das excitações dos sentimentos. Ao compreender bem esses fatos, somos forçados a dizer: o ser humano produz constantemente algo em volta de si que parece uma aura bastante grande. Mas nessas ondas que ele põe em movimento, interferem os seres elementares que, dependendo do ser humano, podem influenciar o que volta. Imaginem–no assim: os senhores têm uma excitação; irradiam-na. Quando volta, ela não deixou de ser influenciada;  no ínterim os seres elementares ocuparam-se com essa excitação. E quando volta a agir sobre o ser humano com aquilo que os seres elementares fizeram com o que estava fora dos senhores, receberão de volta o efeito dos seres elementares. (Desenha o meio-arco do lado direito. O desenho está completo.)


Por meio da atmosfera espiritual emanada pelo ser humano, ele começa a ter uma ação recíproca com os seres elementares. Tudo o que acontece como destino na biografia do ser humano, está ligado a isso. Também temos dentro de nossa biografia uma espécie de realização do nosso destino. O que vivenciamos hoje tem um significado amanhã. Esse é o caminho por meio do qual se constrói nosso destino. E na elaboração do nosso destino colaboram aqueles seres elementares que se sentem atraídos pela nossa própria natureza. Sentem-se atraídos e atuam sobre nós.


Podem ver aí uma ação recíproca entre o ser humano e o seu entorno, e verão ,de certo modo, a atuação das forças espirituais no entorno. Observando essa atuação, muitas coisas que se tornarão destino do ser humano, ficarão claras. A compreensão dessas relações está muito distante para nossa época “esclarecida” - temos que escrever “esclarecida” sempre entre aspas -, e somente as tradições de épocas antigas, em que os homens tinham mais ligação com a realidade por meio de graus de consciência mais elementares, chegam a aparecer nos tempos modernos. Podemos encontrar a expressão dessas tradições de forma muito bonita nas poesias mais antigas, em que o destino do ser humano é ligado à interferência de seres elementares. Realmente, um dos poemas mais belos que foram conservados, e que tratam dessa interferência no destino por parte dos seres elementares em nosso entorno, é aquele que podemos ver freqüentemente hoje, nas apresentações de euritmia. Poderão ver como os seres elementares do reino do rei dos elfos interferem no destino. O poema é o seguinte:

A filha do rei dos elfos

O Senhor Oluf cavalga à noite, e vai longe
convidar para seu casamento.

Os elfos dançam sobre o campo verde,
a filha do rei dos elfos lhe estende a mão.

“Bemvindo, senhor Oluf, porque se apressa assim?
Entre aqui nas fileiras e dance comigo!”

“Não posso dançar, não quero dançar,
amanhã cedo é o dia do meu casamento.”

“Ouça, senhor Oluf, venha dançar comigo,
lhe darei duas esporas douradas,

Uma camisa de seda, branca e fina,
minha mãe branqueou-a no luar.”

“Não posso dançar, não quero dançar,
amanhã cedo é o dia do meu casamento.”

“Ouça, senhor Oluf, venha dançar comigo,
lhe darei um monte de ouro.”

“Um monte de ouro aceitarei com prazer,
mas dançar não quero nem devo!”

“Se senhor Oluf não quiser dançar comigo,
peste e doença deverão segui-lo!”

Aqui já há a atuação do mundo elementar no destino do ser humano, na medida em que toma conta do destino com o que mais dá na vista: doença e morte.

Deu-lhe um golpe no seu coração.

Peço que prestem atenção nisso. Na poesia antiga as expressões são diferentes das que são usadas na poesia moderna - esta de Herder foi resgatada da cultura popular. Poderia se dizer que noventa e nove por cento das poesias de nossa cultura são supérfluas. As poesias que realmente vêm de um conhecimento antigo sempre correspondem aos fatos, à realidade. Aqui nunca estaria escrito que ela lhe teria dado um golpe na cabeça, ou na boca, ou no nariz, mas:

Ela deu-lhe um golpe no coração,
ele ainda sente enorme dor.

Isso tinha que estar ligado a um órgão rítmico, por isso o coração.

Ela levantou-o pálido sobre seu cavalo.
“Cavalgue para casa, para a sua senhorita.”

E quando chegou na porta de sua casa
Sua mãe estava tremendo.

“Ouça, meu filho, diga-me logo,
por que está tão pálido e lívido?”

“E como não deveria estar pálido e lívido,
se estive no reino do rei das fadas?”

“Ouça, meu filho, tão querido,
que devo dizer à sua noiva?”

“Diga que fui ao bosque,
testar cavalo e cão.”

De manhã cedinho, mal o dia havia começado,
chegou a noiva com a comitiva de bodas.

Ofereceram água-mel, ofereceram vinho.
“Onde está o senhor Oluf, o meu noivo?”

“O Senhor Oluf cavalgou ao bosque,
para testar cavalo e cão.”

A noiva levantou a coberta vermelha -
Lá estava o senhor Oluf, e estava morto.

Gostaria de chamar sua atenção justamente para a reprodução poética absolutamente objetiva daquilo que sucede ao redor do homem num desses momentos do destino, e que se põe em evidência especialmente nos contextos que podemos perceber no retorno periódico de vivências que excitam a esfera dos sentimentos. Pois elas sempre voltam de modo a  interferir no nosso destino, porém não totalmente iguais mas depois de passarem pelo que esses seres elementares fizeram a elas. Do mesmo modo que vivemos no ar físico, que vivemos sob os efeitos dos reinos mineral, vegetal e animal, também vivemos com as partes do ser humano que inicialmente estão no subconsciente, com o nosso sistema rítmico, na esfera espiritual dos seres elementares. Nessa região constrói-se tanto do nosso destino quanto pode ser construído ao longo da vida entre o nascimento e morte.
Somente pelo fato de estarmos completamente despertos na cabeça, é que sobressaímos  desse intercâmbio com os seres elementares. É somente com a nossa vida vígil da cabeça que não estamos incorporados ao reino do seres elementares, de certo modo sobressaímos acima da superfície desse mar elementar em que estamos constantemente nadando.


Aqui podem ver, no contexto da vida comum, a volta fatal dos acontecimentos por meio do que ocorre no nosso sistema rítmico, e no sistema dos membros. Esses também entram em efeitos recíprocos com o entorno, efeitos que são, porém, muito mais complicados, e que também retornam, mas a curva de oscilação é mais longa. Os efeitos voltam somente na próxima encarnação, ou numa das próximas encarnações. De modo que podemos dizer que o que chamamos de destino, ou carma, não precisa mais ser algo tão misterioso se observarmos que é somente uma ampliação do que podemos estudar na própria vida humana no retorno desses acontecimentos. Porque esses acontecimentos não voltam iguais, eles voltam muito modificados.


Nas conferências pedagógicas que fiz, sempre chamei a atenção para o fato de que durante a escola primária há um entroncamento importante por volta do nono ano de vida. Esse entroncamento da vida deveria ser tomado em consideração seriamente. Até esse momento, por exemplo, não se deveria lecionar ciência natural ao ser humano de outra maneira senão ligando as descrições dos processos naturais - sob forma de fábulas, lendas e semelhantes -  à vida moral humana. Somente depois, quando o ser humano estiver maduro para isso, começarão as descrições simples, elementares, da natureza. O currículo escolar resulta, na verdade, de uma observação real do ser humano, até os detalhes. Já chamei sua atenção para esse fato no artigo “Os fundamentos pedagógicos da Escola Waldorf”. Nesse artigo também indiquei o momento por volta do nono ano de vida. Esse momento poderia ser caracterizado do seguinte modo: A consciência do Eu ganha uma nova forma. O ser humano torna-se capaz de observar mais objetivamente a natureza exterior. Antes, ele ligava tudo o que via na natureza exterior ao seu próprio ser. A consciência do Eu já se desenvolve no primeiro setênio aos dois anos, dois anos e meio, e assim por diante. Mas essa consciência retorna no segundo setênio, por volta do nono ano de vida. Esse retorno da consciência do Eu, por volta do nono ano de vida, é um dos retornos mais marcantes. A consciência do Eu volta de forma mais espiritual, enquanto foi mais anímica no segundo ou terceiro ano de vida.  Esse é somente um dos acontecimentos que voltam de modo muito marcante. Mas podemos reconhecê-lo também em acontecimentos menos significativos na biografia do ser humano.


Esses conhecimentos íntimos da vida humana serão, no futuro, muito necessários. A compreensão desses temas terá que tornar-se do conhecimento geral. Esse conhecimento geral do ser humano modifica-se de tempos em tempos. Atualmente causa-nos preocupação quando nossos filhos, aos dez anos, ainda não sabem calcular certos problemas. Os romanos não se preocupavam com isso; ficavam preocupados quando um menino nessa idade ainda não conhecia as “leis das doze tábuas”, enquanto nós fazemos menos questão de que nossas crianças conheçam as determinações legais. Seria um mau sinal da nossa condição anímica, se ainda fosse assim. Mas a idéia que temos sobre o que deveria fazer parte do conhecimento geral modifica-se, e agora estamos no ponto de partida de uma época em que, a partir da evolução da Terra e da humanidade, esse conhecimento íntimo da vida anímica deve transformar-se em conhecimento geral. O ser humano deve chegar a conhecer-se melhor do que se pensava ser necessário até hoje. Senão, esses assuntos retroagiriam sobre a condição de toda a vida humana do modo mais prejudicial possível.


O fato de não sabermos onde está a origem de algo que nos causa excitação, não quer dizer que por isso não ocorra em nossa vida anímica. Os acontecimentos voltam, eles influenciam nossa vida anímica. Não conseguimos explicá-los, nem tomamos consciência deles. A conseqüência disso é que entramos nos mais diversos estados anímicos. E hoje em dia as pessoas sofrem muito com esses estados anímicos que simplesmente aceitam, e que não sabem que resultam de vivências passadas. O que diz respeito aos sentimentos, de alguma forma volta. Os senhores poderão manter em mente, como algo representativo desse assunto que freqüentemente menciono, o seguinte: Ao ensinarmos uma criança a rezar, quer dizer, a desenvolver um sentimento que suscita uma atmosfera de devoção, um dia isso retorna. Na verdade retorna mais tarde, depois de muito tempo. Também retorna no ínterim, mas mantém-se com um movimento pendular e volta novamente. Depois de muito tempo, volta o orar, porque podemos desenvolver o estado anímico do abençoar.  Por isso digo com tanta freqüência: Homem idoso algum, que não tenha aprendido a rezar na sua infância, poderá abençoar efetivamente através do imponderável. Orar transforma-se em abençoar. Esses são os retornos da vida .


Esses temas terão que ser compreendidos pouco a pouco.  O fato de que ainda não são entendidos é a razão pela qual os seres humanos também não conseguem compreender o grande significado do Mistério do Gólgota. Afinal, que significado tem para os homens perturbados pelo conhecimento atual, quando dizemos: “Depois que o Cristo passou pelo Mistério do Gólgota, ele uniu-se à vida da humanidade na Terra”. Os homens sequer querem fazer uma representação mental de como estão englobados dentro de um relacionamento recíproco com o elemento em que está o Cristo. Para a nossa representação mental não há muito que possa ser percebido da influência do impulso de Cristo. Mas quando olhamos para o inconsciente, para as esferas do sentir e da vontade vivemos, em primeiro lugar, na esfera dos seres elementares, mas essa esfera é, para nós, permeada ao mesmo tempo pelo impulso do Cristo. Através do nosso sistema rítmico, fisiológicamente falando, através da nossa esfera do sentir, mergulhamos na região à qual Cristo se uniu para a sua existência na Terra. Temos aí, de certo modo, o lugar em que Cristo pode ser encontrado objetivamente, de modo real e não por meio de uma tradição ou de um misticismo subjetivo. Ao mesmo tempo, porém, vivemos na época a partir da qual os acontecimentos que partem deste lugar, como expus da última vez, têm um grande significado objetivo para a vida humana pois eles adquirem, aos poucos, uma influência inconsciente sobre as decisões e atuações dos homens quando estes se negam a aceitá-los. Quando os seres humanos os aceitarem poderão vivenciar uma influência consciente, quer dizer, poderemos contar com eles, poderemos, de certo modo, chamar os mundos espirituais que fazem parte da nossa vida para que atuem conosco.


Nesse contexto, também podemos reconhecer exteriormente como estamos diante de um momento de transição na evolução da humanidade. Preciso indicar somente um fato do qual já lhes falei várias vezes de um ou outro ponto de vista. Tomemos os relatos históricos comuns, a História como é apresentada atualmente, e poderemos dizer: esses relatos históricos ainda não avançaram até o Mistério do Gólgota. Observem o que lhes é apresentado normalmente como História Universal. Certo, relata-se as épocas dos antigos reinos da Assíria, da Babilônia, da Pérsia, do Egito, Grécia, Roma. Depois talvez também se mencione o Mistério do Gólgota, mas a história das migrações dos povos continua igual, para uns até Luiz XIV, ou até a Revolução Francesa, ou Poincaré, para outros até a queda dos Hohenzoller, e assim por diante. Mas na História comum não encontrarão absolutamente nada sobre a continuação da atuação do impulso de Cristo. Para o relato histórico, na verdade, é como se o impulso de Cristo tivesse sido eliminado. É estranho como alguns historiadores, como por exemplo Ranke , que era cristão e dava muito valor, de modo subjetivo, ao impulso de Cristo, não conseguiu, como historiador, incluir o acontecimento de Cristo na História. Ele não soube o que fazer com esse acontecimento. O acontecimento do Cristo não desempenha um papel na História. Podemos dizer então: Pelo que até agora se revela na História, para o conhecimento espiritual do homem, o cristianismo ainda não existe. Apenas nossa Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia, ao apresentar a Historia, conta de modo positivo a necessidade da quarta época pós-atlântica, por meio da qual o acontecimento do Cristo teve que irromper no desenvolvimento histórico concreto. Nós apresentamos a História de tal maneira que, como sabem, esse acontecimento do Gólgota está dentro do nosso relato histórico. Mais até: Não apresentamos somente a evolução histórica do ser humano acolhendo o acontecimento do Gólgota; também relatamos a evolução do universo, o desenvolvimento cósmico de tal maneira, que temos o Mistério do Gólgota dentro dele.


Se estudarem minha “Ciência Oculta”, verão que nela não se fala somente de eclipses, que passaram, do Sol ou da Lua, ou de quaisquer explosões ou erupções no cosmos, mas fala-se do acontecimento do Cristo como um acontecimento cósmico. E é estranho: Se podemos, inicialmente, dizer que os historiadores, ou assim chamados historiadores não enontram possibilidades de alinhar o acontecimento do Cristo na continuidade do vir a ser histórico, os representantes oficiais das confissões ficam  furiosos. Quando ouvem que há algo como a Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia, que fala do acontecimento crístico como de um acontecimento cósmico, esses representantes oficiais das confissões começam a vociferar terrivelmente. Assim poderão ver quão pouco essas confissões estão dispostas a realizar as grandes exigências do nosso tempo, de relacionar o acontecimento crístico com os acontecimentos do mundo em geral. Teremos que dizer: Pessoas, até mesmo teólogos que hoje em dia falam muitas vezes do Cristo, falam desse Cristo do mesmo modo em que falam de qualquer ser divino, do mesmo modo em que os antigos judeus ou os judeus modernos falam de Javé ou Jeová. E eu lhes disse recentemente: Podem pegar o livro de Harnack “A essência do cristianismo”, e se todas as vezes em que ele usa o nome de Cristo o apagarem e colocarem no lugar o nome universal de Deus, o sentido não se modificará porque o autor não tem noção do aspecto específico do cristianismo. Sim, o livro “A essência do cristianismo”, de Harnack, é página por página uma descrição do contrário da essência do cristianismo, porque não trata do cristianismo, trata de um ensinamento geral de Jeová. É muito importante indicar esses fatos, pois eles têm uma relação real com as mais necessárias exigências de nossa atualidade.  O que precisa fluir para a evolução cultural humana é a consciência, para os homens, de que além do mundo espiritual geral abstrato, existe um mundo espiritual concreto em que vivemos junto com o que sentimos, queremos e fazemos, e que somente sobressaímos desse mundo por meio do que pensamos, por intermédio da cabeça. De fato, justifica-se um novo tipo de cosmovisão quando aspiramos à verdadeira permeação do que sentimos, queremos, e fazemos com o impulso de Cristo.


A nossa Astronomia, a nossa teoria da evolução só puderam desenvolver-se nos tempos mais recentes a partir de fórmulas abstratas, porque o impulso de Cristo não penetrou inicialmente no íntimo dos seres humanos,  permaneceu somente como tradição e atingiu os seres humanos de maneira altamente subjetiva sem atingi-los intimamente, de modo que as vivências interiores não são, ao mesmo tempo, vivências universais objetivas, quer dizer, onde estamos em relação recíproca com o que acontece espiritualmente à nossa volta.


Vemos emergindo hoje, em alguns lugares, uma forte consciência da necessidade de novos impulsos para a evolução da humanidade. Mas os homens têm dificuldade em decidir-se por uma vida espiritual concreta. Quando falam do espírito têm o anelo, uns mais, outros menos, por viver no abstrato.
Mesmo a consciência de nossa posição perante nossos pensamentos tem que mudar, de certo modo. Já chamei sua atenção, de um ponto de vista ou de outro, para o que quero dizer com isso, pois já mencionei em conferências públicas que a exposição da Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia não acontece tendo como meta um programa qualquer, não acontece devido à preferência ou ao entusiasmo por um ideal numa direção, mas pela compreensão do que a humanidade necessita atualmente. E isso deve estar novamente ligado a certos estados anímicos dos tempos passados, estados anímicos que existiram em épocas em que os seres humanos tinham mais relação com seu verdadeiro em-torno espiritual. Em tempos passados isso era diferente. Mas hoje deveríamos sentir isso muito fortemente. Já disse várias vezes: De fora, não pode vir mais nada para os seres humanos. Temos que buscar de dentro os impulsos do progresso para a evolução da humanidade, de nossa relação com o mundo espiritual, e na verdade temos que ter uma vista aguçada para perceber como tudo o que vivenciamos sem que nós mesmos façamos algo, torna-se, na verdade, cada vez mais, vivências da decadência. De certo modo já nos encontramos na decadência da evolução da Terra, e como seres humanos devemos elevar-nos para podermos ir mais além dessa evolução, por meio de nossa ligação com o mundo espiritual. Devido a isso, o que, porém, procuramos como conhecimento, deverá ser percebido como uma força que possibilitará à humanidade, como um todo, passar para os próximos estados da evolução da Terra quando esta perecer debaixo de nós, do modo como passamos, em pequena escala, para outros estados de desenvolvimento quando o corpo morre, quando passamos pelo portal da morte. Como ser humano individual atravessamos o portal da morte, quer dizer, entramos no mundo espiritual, o corpo morre embaixo de nós. Assim acontecerá um dia com a humanidade como um todo. Essa humanidade inteira desenvolver-se-á para a existência em Júpiter. A Terra tornar-se-á então um cadáver. Já estamos na evolução do perecimento. O ser humano individual fica com rugas e cabelos grisalhos. Para o geólogo que realmente sabe observar - falei sobre isso recentemente - a Terra, hoje, tem sinais claros de seu envelhecimento. Ela está morrendo debaixo de nós. O que hoje procuramos espiritualmente é, de fato, um trabalho contra o processo de envelhecimento da Terra. É a consciência disso que deveria permear-nos.
De um outro ponto de vista, os tempos antigos designavam os conhecimentos de seus Mistérios como sendo algo análogo à força curativa, também à força curativa física. Hoje essa consciência deveria começar a permear de novo a humanidade. A procura pelo conhecimento deve gerar a consciência de que com isso está-se fazendo algo para que a evolução da humanidade toda continue. Nunca chegaremos a essa consciência se não enfocarmos, como descrevi, o que acontece concretamente em volta de nós, porque de outro modo veríamos tudo o que o ser humano sente, quer, e faz somente como um assunto pessoal. Não saberemos que existe algo que também acontece do lado de fora. Mas será necessário - e aqui terei que fazer uma observação que talvez não será tão compreensível para todos - que os aspectos mais exatos do conhecimento humano venham ao encontro desses anseios. Esses conhecimentos, porém, ainda não chegaram ao auge. Atualmente, por exemplo, ainda podem encontrar as representações mentais mais absurdas nas Ciências Exatas. Mencionarei algumas que poderão, talvez, ser compreensíveis. As pessoas geralmente imaginam de forma trivial (desenha): Em algum lugar está o Sol. O Sol irradia luz para todos os lados como outra fonte de luz qualquer. E os senhores poderão constatar que as pessoas que estudam essa difusão da luz com representações matemáticas, dizem: A luz espalha-se até o infinito e depois, de algum modo, ela some. Ela se perde por seu próprio enfraquecimento pela propagação até o infinito. Mas não é assim. Tudo o que se propaga dessa maneira chega a um limite, e desse limite move-se de volta para sua origem transformado em algo diferente. A luz do Sol não vai até o infinito, volta não como luz, mas como outra coisa; mas ela de volta.


E no fundo é assim com qualquer luz. Assim é, no fundo, com todos os efeitos. Todos os efeitos obedecem, no fundo, à lei da elasticidade, que tem um limite.  Esse tipo de representações mentais atualmente são muito comuns nas explicações das Ciências Exatas, e hoje se considera  muito pouco as realidades. Se fossem físicos, eu  chamaria sua atenção para o fato de como as pessoas na Física fazem cálculos com o caminho que é percorrido, e com o tempo. E depois indicam a velocidade, denominada normalmente com c ou v, uma função do caminho e do tempo, e representam-na como um quociente (escreve na lousa “caminho”, “tempo”, e a fórmula):
 

Mas isso está totalmente errado. A velocidade não é o resultado; a velocidade é a questão elementar que contém em si qualquer coisa, seja ela material ou espiritual, e nós a decompomos em caminho, espaço e tempo. Abstraímos as duas coisas. Espaço e tempo, como tais, não são algo real. Velocidades diversas são algo real no mundo. Essa é uma observação que faço somente para físicos, mas eles irão entender que mesmo em todas as coisas que hoje fundamentam teoricamente o nosso conhecimento, valem condições frágeis. Em toda parte há estipulações que só existem porque não somos capazes de compreender o espiritual como algo concreto.


A exigência da era de Micael é que a humanidade chegue ao ponto de compreender o espiritual em sua concretude, quer dizer, que ela saiba que há diversos seres elementares e superiores no em-torno humano, do mesmo modo que se diz haver ar e água no em-torno. É isso que importa, e deve tornar-se novamente conhecimento humano como já o foi, em tempos antigos. Mas ninguém quer admiti-lo. Na verdade, não se quer admitir as reviravoltas no desenvolvimento da humanidade, como as que já houve, por exemplo, no meio do século XV. Mas há detalhes que provam que é assim.
Não sei se foi um sueco, ou um norueguês que recentemente escreveu um livro em que cita muito os alquimistas. Em um trecho, em particular, ele cita um alquimista que fala de uma porção de coisas de Mercúrio, de Antimônio, e assim por diante. E esse autor atual, que parece ser um excelente químico - como  se deduz de seu livro - diz então que não consegue entender nada dessa receita química que é mencionada por um alquimista.  Ele realmente não consegue imaginar nada pela simples razão que, quando um químico moderno fala de Mercúrio, ele está falando do mineral mercúrio; quando o químico moderno fala de Antimônio, ele está falando do metal, e assim por diante . Mas nesse livro, as palavras que ele cita significam algo bem diferente, não o metal exterior mas certos processos que ocorrem no organismo humano. É um conhecimento humano interior. Se anotarmos as palavras no sentido em que estavam presentes na consciência do autor que esse bom homem moderno cita hoje, poderíamos ler esse conhecimento humano interior como a descrição de um processo laboratorial que trabalha com retortas, e coisas parecidas. Só que não encontraremos o sentido. Só poderíamos ver essas coisas como algo absurdo. Mas elas terão sentido logo que soubermos o que significavam Antimônio, Mercúrio, e etc. nos tempos antigos, e que disso também resultava um aspecto para o mineral exterior, mas que esses processos significavam principalmente processos interiores da natureza humana, para os quais havia outros remédios do que há hoje. Por isso, a pessoa que estudar a literatura anterior ao século XV, deve estudá-la com outro sentido do que aquela que for ler mais tarde. Aí poderemos estudar também exteriormente toda a transformação da constituição anímica. Mas hoje vivemos num tempo em que devemos começar a dar muito valor a esses temas aos quais a humanidade não deu valor por muitos séculos.