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Textos de Rudolf Steiner

A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Sexta Conferência

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Rudolf Steiner  

Dornach, 30 de novembro de 1919

 

Nas conferências dos últimos dias vimos que para uma compreensão global do ser humano é necessário abordá-lo em suas partes constitutivas, considerar principalmente a grande diferença que há entre o que chamamos de organização da cabeça, e o que chamamos de  organização do restante do ser humano. Os senhores sabem que também  podemos dividir esse restante do ser humano em outras duas partes de forma que, no total, se chega a uma trimembração. Porém, para a compreensão geral dos impulsos significativos para a evolução da humanidade que atuam no presente e no futuro próximo, é importante diferenciar entre a organização da cabeça e a organização do restante do ser humano.


Na Ciência Espiritual falamos do ser humano “capital” e do restante do ser humano, isto é, da organização da cabeça e da organização do restante do ser humano como sendo imagens criadas pela própria natureza para expressar e revelar, respectivamente, o âmbito anímico e o âmbito espiritual. O ser humano está inserido na evolução total da Terra e da humanidade terrena de uma forma que só podemos entender se contemplarmos a diferença entre a organização da cabeça e a organização do restante do ser humano no que diz respeito à sua posição nesta evolução. O que está ligado à organização da cabeça, isto é, principalmente o que se revela como sendo a vida de representações mentais do ser humano por meio da cabeça, é algo que podemos acompanhar retrospectivamente até o princípio da evolução pós-atlântica da humanidade se considerarmos, por enquanto, somente esse período. Se prestarmos atenção ao tempo que se seguiu diretamente à grande catástrofe atlântica, aos séculos VI, VII, VIII a.C., encontraremos a humanidade, nas regiões ocupadas pelo mundo civilizado, vivendo uma atmosfera anímica que quase não se pode comparar com a nossa. O que o ser humano tinha como conteúdo de sua consciência naquele tempo, e o que caracterizava a sua concepção do mundo, é difícil de se comparar com a nossa contemplação sensorial, com a nossa compreensão pensante do mundo. Na minha “Ciência Oculta” denominei essa primeira cultura pós-atlântica de Antiga Índia. Podemos dizer: a organização do ser humano, que naquele tempo era ligada principalmente à cabeça, era tão diferente da nossa que esse antigo povo não levava em consideração o tempo e o espaço como fazemos hoje, esse antigo povo não fazia assim. Seu modo de abranger o mundo era mais uma visão panorâmica de espaços incomensuráveis, e o tempo aparecia-lhe como um entrelaçamento de diversos momentos. A clara diferenciação entre o espaço e o tempo da cosmovisão atual não existia naqueles tempos antigos.


Encontramos os primeiros passos em direção a uma consideração objetiva do espaço e do tempo nos séculos V e IV, principalmente no período que denominamos  Pérsia Antiga. Mas toda a atmosfera anímica tinha ainda uma forma tal que é difícil compará-la com a disposição anímica e universal do ser humano atual. Naqueles tempos antigos o ser humano interpretava todas as coisas de tal modo que chegava a ver, em toda parte, gradações de algo luminoso, claro, e de algo escuro, tenebroso. As abstrações em que vivemos hoje eram totalmente estranhas a essa população antiga da Terra. Ainda existia algo como uma concepção universal integral, uma consciência de que tudo o que é visível estava permeado pela luz e suas gradações, até as trevas. A ordem moral universal também era vista assim. Via-se uma pessoa bondosa como luminosa, clara, uma pessoa desconfiada, egoísta, era vista como uma pessoa escura. Via-se ainda, de certo modo, na aura do ser humano, sua individualidade moral.  E se tivéssemos falado sobre o que hoje denominamos ordem natural com um ser humano da Pérsia Antiga, ele não teria entendido nada. Ordem natural, no sentido que damos ao termo atualmente, não existia em seu mundo de luz e sombra. Para ele havia tão-somente um mundo de luz e sombra, e quanto ao mundo dos sons, por exemplo, ele também se referia a um certo matiz de tons como luminosos, claros, e a outro matiz de tons como escuros, sombreados. Para ele o mundo era de luz e sombra. E o que se expressava por meio desse claro-escuro eram ao mesmo tempo poderes espirituais e poderes da natureza. Para ele não existia diferença entre poderes espirituais e naturais. O fato de diferenciarmos a necessidade natural e a liberdade humana lhe teria parecido uma loucura porque para ele não existia essa dualidade, de um lado a arbitrariedade humana,  de outro, a necessidade natural. Para ele tudo podia ser, de certa maneira, englobado sob uma unidade físico-espiritual. Se eu fosse desenhar uma imagem - o significado disso somente será compreendido mais tarde - para caracterizar essa visão cósmica da Pérsia Antiga, eu teria que desenhar uma linha mais ou menos como a serpente do mundo, o símbolo do Universo que engloba de forma unitária a concepção da humanidade.


            Depois, passados os dois milênios em que a atmosfera anímica do ser humano permaneceu nessa forma, surgiu o que ainda podemos perceber como uma ressonância da cosmovisão da Caldéia, do Egito, e de uma forma especial na cosmovisão cujo reflexo foi mantido no Antigo Testamento. Aí surge algo que já está mais próximo de nossa visão cósmica atual. O matiz de uma certa necessidade natural penetra no representar mental do ser humano. Mas essa necessidade natural ainda está muito distante do que hoje denominamos a ordem natural vital ou mecânica. Naquela época os acontecimentos naturais ainda coincidiam com o querer divino, com a providência. A providência e os acontecimentos naturais eram uma única coisa. O ser humano sabia que, ao mover sua mão, na verdade era algo divino que o permeava e movia sua mão, seu braço. Se uma árvore era sacudida pelo vento, a visão dessa árvore não era essencialmente diferente da visão de seu braço em movimento. O ser humano via a mesma força divina providencial em seus movimentos e nos movimentos da árvore. Mas já discernia entre o Deus exterior e o Deus interior; mas pensava nesse Deus como unitário, o Deus na natureza como o próprio Deus no ser humano. Naquele tempo acreditava-se na existência de algo no ser humano por meio do qual a providência que existe na natureza, e a providência existente no homem  podiam encontrar-se.


Assim se via o processo respiratório do ser humano. Dizia-se que quando uma árvore se sacode, manifestava-se o Deus exterior, e quando movo meu braço, o Deus interior. Quando inspiro o ar, transformo-o interiormente e o deixo sair novamente, é o Deus exterior que entra em mim e de novo sai. Assim percebia-se o mesmo elemento divino ora no exterior, ora no interior, mas em um ponto estava ao mesmo tempo no exterior e no interior. Dizia-se: como um ser que respira, o homem é ao mesmo tempo um ser da natureza exterior e um eu próprio.


Se eu fosse caracterizar a terceira época através de um símbolo, da mesma forma que fiz em relação à visão cósmica da Antiga Pérsia por meio dessa linha (desenho anterior), teria que fazê-lo assim (desenha uma lemniscata dentro do ovo).


Por um lado, essa linha representaria a existência da natureza, por outro, a existência humana, e o ponto de cruzamento está no processo respiratório.


Isso se modifica no quarto período, o grego-latino. A oposição entre o exterior e o interior, a existência natural e a existência humana surge de forma brusca perante os seres humanos. O ser humano começa a sentir-se em oposição à natureza. E se tiver que mostrar-lhes novamente com um desenho,  como o ser humano começa a se perceber no período grego, eu teria que desenhar assim (desenha dentro da lemniscata):


Por um lado ele percebe o exterior, por outro lado o interior, e entre eles não há mais o ponto de cruzamento.


O que o ser humano tem em comum com a natureza permanece, de certa forma, fora da consciência. É excluído da consciência. Na cultura ioga hindu tenta-se voltar a inseri-lo novamente. Por isso a cultura ioga hindu é um retrocesso atávico para graus anteriores da evolução da humanidade, porque procura-se trazer o processo respiratório de volta à consciência. No terceiro período, esse processo era considerado conforme com a natureza, como algo através do qual o homem pudesse sentir-se fora da natureza e ao mesmo tempo dentro dela. Esse quarto período inicia-se no século VIII a.C. Foi então que começaram aqueles exercícios de ioga num período hindu mais recente, e que procuravam, atavicamente, recuperar o que já pertenceu, em tempos passados, ao ser humano, especialmente na cultura hindu, mas que se perdeu.


Perdeu-se essa consciência ligada ao processo respiratório. E se perguntarmos: Por que a cultura ioga hindu procurou recuperar essa consciência, o que pensava alcançar com isso?, teremos que dizer: Ela queria alcançar uma compreensão verdadeira do mundo exterior.  Porque ao se entender o processo respiratório no terceiro período cultural, entendia-se interiormente algo que ao mesmo tempo era exterior.


Isso, hoje, deve ser alcançado por meio de outro caminho. Atualmente ainda vivemos (porque o quarto período somente terminou no ano de 1.413, isto é, no meio do século XV) sob as conseqüências da cultura do quarto período, que contém uma certa dualidade na disposição anímica humana. Temos, a partir da nossa organização da cabeça, uma visão incompleta da natureza, que chamamos de mundo exterior, e por meio de nossa organização interior, a organização do restante do ser humano, um conhecimento incompleto de nós mesmos. (Desenha duas figuras separadas entre si.) Falta o elo de união, não existe  algo que permitiria que víssemos ao mesmo tempo o processo do mundo com o nosso próprio processo.


Devemos então conquistar novamente, mas de modo consciente, o que se perdeu. Quer dizer, devemos chegar a compreender novamente algo que está no interior do ser humano, que faça parte ao mesmo tempo do mundo exterior e do mundo interior, algo que novamente preencha ambos os domínios. (Desenha uma lemniscata em volta das duas figuras).


             Esse deve ser o empenho do ser humano da quinta época pós-atlântica: Encontrar novamente, no interior do ser humano, algo no qual se desenrole também um processo exterior.


Os senhores devem lembrar-se de que já mencionei esse fato importante no artigo sobre o “Futuro Social” (“Soziale Zukunft”), onde aparentemente falei sobre o significado desses assuntos para a vida social, mas na verdade indiquei claramente que algo deve ser encontrado, algo que o ser humano capte, algo que está dentro dele e ao mesmo tempo o reconheça como um processo do mundo. Como seres humanos da atualidade, não podemos remontar à da cultura ioga hindu, que é algo passado. Compreendam que o próprio processo respiratório modificou-se. Isso é algo que não pode ser comprovado numa clínica. Mas o processo respiratório do ser humano transformou-se desde a terceira época pós-atlântica. Falando toscamente, na terceira época pós-atlântica o ser humano ainda respirava a alma, agora ele respira o ar. Não foram somente as nossas representações mentais que se tornaram materialistas, a própria realidade perdeu sua alma.


Peço aos senhores que não vejam algo insignificante no que vou dizer-lhes agora. Imaginem o que significa o fato de que a realidade em que a humanidade vive transformou-se de tal modo que o ar que respiramos é uma coisa diferente do que era a quatro milênios atrás. Não foi somente a consciência da humanidade que se transformou, não, na atmosfera da Terra havia alma. O ar era a alma. Hoje o ar não o é mais, ou antes, o é de outra maneira.  As entidades espirituais de natureza elementar que mencionei ontem penetram nela novamente, podemos respirá-los ao praticar os exercícios de ioga. Mas o que era possível alcançar com a respiração normal de três milênios atrás, não pode ser recuperado de modo artificial. É uma ilusão dos orientais que isso pudesse ser trazido de volta. Mas o que vou dizer-lhes agora descreve uma realidade. O elemento anímico, no ar que pertence ao ser humano, não existe mais. E é por isso que os seres que mencionei ontem, que eu gostaria de denominar seres anti-micaélicos, podem penetrar no ar e, por meio do ar, no ser humano, e assim atingem a humanidade do modo como descrevi ontem. E só poderemos afastá-los se procurarmos seguir, em lugar do ioga, o caminho que é o correto hoje. Deve ficar claro que devemos procurar o caminho correto, e que este caminho só poderá ser procurado quando estivermos conscientes de uma relação muito mais sutil do ser humano com o mundo exterior de modo que, em relação ao corpo etérico, aconteça algo de que nos tornemos cada vez mais conscientes, um processo que se parece com o processo respiratório. Assim como, durante o processo respiratório, inspiramos oxigênio puro e expiramos carbono inutilizável, assim ocorre um processo parecido com todas as percepções sensoriais. Imaginem que estão vendo alguma coisa. Tomemos algo radical: Imaginem que estão vendo uma chama. Acontece algo, então, que pode ser comparado, porém de forma muito mais sutil, com a inspiração. Fechem então o olho (podem fazer algo parecido com cada um dos sentidos), e terão a cópia da imagem da chama, que aos poucos vai se transformando, que, como diz Goethe, vai se dissipando. Nesse processo de captação da impressão de luz e da dissipação posterior há, além do processo puramente fisiológico, uma participação intensa do corpo etérico. Mas nesse processo existe algo muito significativo. Aí dentro vive o elemento anímico que, três milênios atrás, era inspirado e expirado com o ar. Devemos aprender a compreender o processo sensorial com o seu elemento anímico do mesmo modo como era compreendido o processo respiratório três milênios atrás.


Isso está ligado ao fato de que, três milênios atrás, o ser humano vivia numa espécie de cultura noturna. Jeová revelava-se através dos profetas a partir dos sonhos noturnos. Mas nós devemos desenvolver as sutilezas de nossa relação com o mundo de modo que, ao percebermos o mundo, não tenhamos somente percepções sensoriais, mas assimilemos também o elemento espiritual. Temos que ter a certeza de que, com cada raio de luz percebido, com cada som, com cada percepção de calor e suas dissipações estamos numa relação anímica recíproca com o mundo, e essa relação anímica recíproca deve tornar-se, para nós, algo significativo. Podemos ajudar-nos para que isso se realize.


Eu lhes falei que o Mistério do Gólgota ocorreu na quarta época pós-atlântica, que, calculando-o exatamente, começa no ano 747 a.C. e termina no ano 1413 d.C.. No primeiro terço desse período situa-se o Mistério do Gólgota. Mas o que permitiu que os seres humanos compreendessem esse Mistério foram as ressonâncias do antigo modo de pensar da velha cultura. O modo de compreender o Mistério do Gólgota deve dar-se de um modo totalmente novo. Pois o modo antigo de compreendê-lo deteriorou-se. Já não está à altura do Mistério. E muitas das tentativas que foram feitas para habilitar o pensar humano a compreender o Mistério do Gólgota, revelaram-se inadequadas para apreendê-lo.


Vejam: Todas as coisas que surgem exteriormente, de forma material, têm também seu lado espiritual-anímico. E todas as coisas que surgem espiritual-animicamente têm  também o seu lado exterior material. O fato de que o ar da Terra deixou de ter alma, de modo que o ser humano não respira mais o ar originalmente anímico, tem um efeito espiritual significativo para a evolução da humanidade. Pois o ser humano, ao receber por meio da respiração a alma com a qual era relacionado originalmente, assim como está escrito no início do Antigo Testamento: “E Deus soprou ao homem o hálito como uma alma viva”, por essa inspiração do elemento anímico o homem tinha a possibilidade de tornar-se consciente da pré-existência do elemento anímico, da existência da alma antes de sua descida para o corpo físico através do nascimento ou da concepção. E na medida em que o processo respiratório deixava de ter o elemento anímico, o ser humano perdia a consciência da pré-existência do anímico. Na época de Aristóteles, durante a quarta época pós-atlântica,  já não havia mais a possibilidade de entender com a força de compreensão humana a pré-existência do elemento anímico. Isso não era mais possível.


Historicamente estamos perante o estranho fato de que, quando o acontecimento mais importante, a vinda do Cristo, se deu na evolução da Terra, a humanidade precisou primeiro amadurecer para entendê-lo. Com o remanescente da força de compreensão proveniente da cultura antiga, ela ainda tem a capacidade de acolher os raios de luz do Mistério do Gólgota. Mas ela perde, depois, essa capacidade de compreensão, e o dogmatismo afasta-a cada vez mais da compreensão do Mistério do Gólgota. A Igreja proíbe a crença na pré-existência da alma, não porque a idéia da pré-existência da alma não fosse compatível com o Mistério do Gólgota, mas porque com a retirada do elemento anímico do ar a força de compreensão humana deixa de conseguir introduzir na alma a consciência da pré-existência da alma, consciência que era uma força que penetrava na alma. A idéia da pré-existência desaparece, e passam a prevalecer os elementos de compreensão ligados à cabeça. Quando resgatarmos o elemento anímico dentro de nossas percepções sensoriais, teremos novamente um ponto de cruzamento, e nesse ponto perceberemos a vontade humana que emerge da terceira camada da consciência, como descrevi nos últimos dias. Reconheceremos, então, algo que é ao mesmo tempo subjetivo e objetivo, pelo qual Goethe tanto ansiava. Teremos novamente a possibilidade de compreender de modo sutil como é singular, na verdade, a relação sensorial do ser humano com o mundo exterior. Pensar que o mundo exterior simplesmente atua sobre nós, e que nós simplesmente reagimos à ele são idéias toscas. Tudo o que se diz por aí a este respeito são apenas idéias rudimentares. A realidade é que um processo anímico pode ocorrer de fora para dentro, interagir com o processo anímico profundamente inconsciente, interior, de modo que os processos se entrelacem. Os pensamentos universais atuam em nós de fora para dentro, a vontade humana atua de dentro para fora. A vontade humana e os pensamentos universais devem se cruzar nesse ponto, assim como antigamente, na respiração, o objetivo cruzava-se com o subjetivo. É nosso dever aprender a sentir como a nossa vontade pode atuar por meio de nossos olhos,  e como, de fato, a atividade dos sentidos pode, aos poucos, deixar de ser recepção passiva fazendo com que os pensamentos universais se cruzem com a vontade humana. Devemos desenvolver essa nova vontade do ioga. Com isso serão novamente transmitidos conteúdos parecidos com os que foram transmitidos aos seres humanos com o processo respiratório, três milênios atrás. Nossa compreensão precisa tornar-se muito mais anímica, muito mais espiritual.


 Era isso que Goethe procurava em sua concepção do mundo. Goethe qçueria conhecer o fenômeno puro, que ele chamava de fenômeno primordial, onde somente contava o que atuava de fora sobre o ser humano sem que nele se mesclasse o pensamento luciférico emanado da própria cabeça do ser humano. Esse pensamento deveria servir somente para apresentar ordenamente as partes do fenômeno. Goethe não procurava a lei natural, mas o fenômeno primordial. Isso é o relevante nos estudos que fez. Quando chegarmos a esse fenômeno puro, a esse fenômeno primordial, encontraremos algo no mundo exterior que nos habilitará a perceber o desenvolvimento da nossa vontade na observação do mundo externo, e então nos elevaremos novamente para algo objetivo-subjetivo como ocorria no antigo conhecimento hebreu. Devemos aprender a não falar sempre da oposição que existe entre o material e o espiritual, mas reconhecer a interação que existe entre o material e o espiritual, os dois formando uma unidade, principalmente na esfera da vida sensorial. Quando deixarmos de ver a natureza de modo materialista, e também não inventarmos algo anímico que poderia ser visto na natureza, como Gustav Theodor Fechner , ocorrerá conosco algo que se assemelhará à cultura de Jeová há três milênios. Quando aprendermos a receber algo anímico da natureza por meio da percepção sensorial, teremos uma relação crística com a natureza exterior. Essa relação com a natureza exterior será como uma espécie de processo respiratório espiritual.


Podemos nos ajudar compreendendo cada vez mais claramente, por meio do raciocínio humano sensato, que a pré-existência é algo que está na base da existência de nossa alma. A representação mental da pós-existência puramente egoísta, que só provém da nossa necessidade de continuar existindo após a morte, deve ser complementada pelo reconhecimento da pré-existência do elemento anímico. Devemos chegar a alcançar de modo diferente a visão da verdadeira eternidade da alma. É o que podemos denominar a cultura de Micael. Ao caminharmos pelo mundo conscientes de que a cada olhar, a cada tom que ouvimos, flui algo espiritual-anímico para dentro de nós, e que ao mesmo tempo irradiamos algo anímico para o mundo, teremos alcançado a consciência que a humanidade necessita para o futuro.


Quero voltar mais uma vez a essa imagem. Os senhores estão vendo uma chama. Fechando os olhos terão a pós-imagem que se dissipa. Será que isso é somente um processo subjetivo? O fisiólogo moderno afirma isso. Não é verdade. No éter universal isso transcorre como um processo objetivo, do mesmo modo como a presença de gás carbônico que expiramos é um processo objetivo. Os senhores cunham no éter universal a imagem que percebem em si como uma pós-imagem que depois se dissipa. Isso não é somente um acontecimento subjetivo, também é um acontecimento objetivo. O objetivo está aqui. Os senhores poderão reconhecer como algo que acontece dentro de nós é, ao mesmo tempo, de uma forma sutil, um acontecimento universal, se apenas considerarem o seguinte: Olho para uma chama, fecho os olhos, deixo que a imagem se dissipe - dissipar-se-á, também, se eu deixar os olhos abertos, mas os senhores não poderão percebê-lo dessa maneira -, então isso é algo que não acontece apenas dentro de mim, isso é algo que acontece no mundo. E não acontece apenas com a chama. Se estou diante de uma pessoa e digo: Esta pessoa disse isso ou aquilo (o que pode ser verdade ou mentira), então isso é um julgamento, uma ação moral ou intelectual no meu interior. Isso dissipa-se como a chama. Isso é um acontecimento universal objetivo. Se os senhores pensarem algo bom sobre o seu próximo, isso se dissipa, mas no etérico universal é um acontecimento objetivo; ao pensarem mal, dissipa-se como um acontecimento objetivo. Os senhores não podem trancar em seu íntimo o que percebem ou julgam no mundo. Parece que o fazem para a sua própria compreensão, mas tudo isso é, ao mesmo tempo, um acontecimento universal objetivo. Assim como, durante a terceira época, havia a consciência de que o processo respiratório era ao mesmo tempo algo que ocorria dentro do ser humano, e um processo objetivo. No futuro, a humanidade deve conscientizar-se de que o anímico de que falei é, ao mesmo tempo, um acontecimento universal objetivo.


Para essa transformação da consciência é preciso que exista uma força maior na disposição anímica humana, maior do que a que o homem moderno está acostumado. Permear-se com essa consciência é permitir a entrada da cultura de Micael. Se apresentarmos a luz como representante geral da percepção sensorial, devemos chegar ao ponto de pensar na luz contendo em si o elemento anímico, e considerarmos isso tão óbvio como o ser humano do segundo e terceiro milênios a.C. acreditava que o ar fosse anímico, como de fato era. Devemos perder totalmente o hábito de ver na luz o que a época materialista está acostumada a ver nela. Devemos deixar de acreditar que do Sol irradiam somente aquelas ondas das quais nos fala a Física e a consciência geral da humanidade. Devemos ter clareza de que, com as ondas de luz, algo anímico penetra no espaço cósmico. E ao mesmo tempo devemos compreender que isso não foi assim na época que precedeu a nossa. Naquela  época chegava à humanidade, por meio do ar, o mesmo que hoje se aproxima de nós pela luz. Vejam: Existe aí, no processo da Terra, uma diferença objetiva. E de modo geral, podemos dizer: Processo anímico do ar, processo anímico da luz. (Escreve na lousa):

É mais ou menos isso que podemos observar na evolução da Terra. O acontecimento central dessa evolução é o Mistério do Gólgota, assinalando a transição de uma condição da Terra para outra. Ficar nas abstrações sobre o elemento espiritual, cair num panteísmo nebuloso ou algo parecido, não é adequado ao presente nem ao futuro da humanidade. Na verdade, o importante é que a humanidade atual comece a reconhecer a presença da alma no que ela percebeu até agora como simples processo material. 


Trata-se de aprender a dizer: Houve um tempo, antes do Mistério do Gólgota, em que a Terra tinha uma atmosfera que continha a alma que pertencia ao anímico do ser humano. Agora a Terra tem uma atmosfera que se esvaziou desse elemento anímico. Em compensação, a luz que nos envolve da manhã à noite foi preenchida com este mesmo elemento anímico que antes estava no ar. Isso foi possível graças à união do Cristo com a Terra. O ar e a luz transformaram-se em outra coisa, inclusive de modo espiritual-anímico, durante a evolução da Terra.


Descrever o ar e a luz de uma mesma maneira, puramente material, durante os milênios em que a Terra se desenvolveu, é algo infantil. O ar e a luz transformaram-se interiormente. A atmosfera e o ambiente de luz em que vivemos são diferentes dos que envolviam nossas almas em encarnações passadas. O mais importante é reconhecer de modo espiritual-anímico o que exteriormente é material. Enquanto as pessoas descreverem a existência puramente material da maneira a que estamos acostumados e depois dizerem, como se fosse um enfeite: Mas nesse material há também, em toda parte, o elemento espiritual!, não haverá uma verdadeira ciência espiritual. Os seres humanos modernos são, nesse contexto, muito estranhos, querem de qualquer maneira refugiar-se no abstrato.  Mas é necessário que, no futuro, não diferenciem o material e o espiritual, mas que procurem o espiritual dentro do próprio elemento material de modo que possam descrevê-lo como sendo espiritual ao mesmo tempo, e reconheçam no espiritual a transição para o material, reconheçam-no em sua atuação no material. Somente quando tivermos alcançado essa visão conquistaremos novamente o verdadeiro conhecimento do ser humano. “O sangue é uma seiva muito especial”, mas o sangue do qual fala a Fisiologia moderna não é esta seiva muito especial, é somente um líquido cuja composição química é relatada de maneira idêntica à de qualquer outra composição material. Não vê no sangue nada de especial. Mas se chegarmos ao ponto de partida em que compreendemos animicamente a metamorfose do ar e da luz,  chegaremos a compreender de modo espiritual-anímico, pouco a pouco, o próprio ser humano com todos os seus membros. Não veremos mais a matéria abstrata e o espírito abstrato, mas veremos espírito, alma e organismo interagindo. Será  a cultura de Micael. 


O nosso tempo exige isso de nós. Isso é algo que deveria ser assimilado com todas as fibras anímicas pelos seres humanos que quiserem entender a nossa época. Por  muito tempo houve uma resistência contra tudo que era trazido de desconhecido para dentro da visão cósmica do ser humano. Já mencionei várias vezes o curioso exemplo em relação a algo bem simples: Quando, em 1835, estavam querendo construir o primeiro trem de Fürth (cidade alemã) para Nuremburgo, e perguntaram ao Colegiado de Medicina da Bavária se seria saudável construir esse trem, responderam - esse documento existe, não é um conto de fadas - que o trem não devia ser construído, pois os homens que usassem esse meio de locomoção se tornariam nervosos. E depois ainda acrescentaram: Já que haviam pessoas exigindo trens, deveriam instalar muros de tábuas dos dois lados da ferrovia para que o trem não provocasse traumatismo cerebral nas pessoas quando passasse ao seu lado. Vejam: Uma coisa é um critério desses, outra coisa é o desenvolvimento da humanidade. Hoje achamos graça num documento como esse, escrito pelo Colegiado de Medicina em 1835. Mas na verdade, não temos o direito de rir: Se algo parecido acontecesse conosco, reagiríamos do mesmo modo. Não podemos simplesmente dizer que o Colegiado de Medicina da Bavária estava totalmente equivocado. Se compararmos o psiquismo geral da humanidade atual com o da humanidade de dois séculos atrás, podemos dizer que os homens ficaram nervosos. Talvez o colegiado de Medicina tenha exagerado um pouco, mas os homens de fato ficaram nervosos. Mas não se pode colocar objeções desta ordem à evolução da humanidade, o relevante é que certos impulsos que querem entrar, realmente entrem na evolução da Terra, e não sejam rejeitados. Realmente é incômodo para o ser humano o que quer entrar de tempos em tempos no desenvolvimento da cultura humana, e é necessário descobrir objetivamente qual é o nosso dever quanto ao desenvolvimento desta cultura, não a partir da comodidade humana, nem mesmo a partir de uma comodidade mais refinada. E hoje finalizo com essas palavras porque, sem dúvida alguma, anuncia-se por todo lado que uma luta, que está crescendo, surgiu entre o conhecimento antroposófico e os diversos credos. Os credos que querem permanecer nos velhos caminhos já conhecidos, que não querem esforçar-se por um novo conhecimento do Mistério do Gólgota, fortalecerão cada vez mais sua posição, que já é forte, de combate, e seria muito  leviano de nossa parte não tomarmos consciência de que essa luta está começando.


Pois vejam: eu não faço questão de uma tal luta, especialmente de uma luta contra a Igreja Católica que parece estar-nos sendo imposta. Quem conhecer bem os impulsos históricos mais profundos que determinaram os credos de hoje, não estará disposto a lutar contra algo que deve ser respeitado por sua antigüidade. Mas se a luta se impuser, não há como evitá-la. E o clero atual não está, de modo algum, disposto a deixar entrar o que precisa entrar: A Ciência Espiritual. Podemos prever que a luta necessária contra o que foi colocado no texto que li recentemente para os senhores, na verdade seria grotesca: foi dito que se deveria buscar informações sobre a Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia em textos dos meus opositores, pois os meus próprios textos haviam sido proibidos aos católicos pelo Papa. Isso não é cômico, é um assunto muito sério! Uma luta que surge de modo tão bizarro, que é capaz de enviar uma mensagem dessas ao mundo, não deve ser considerada de modo leviano. Não deve ser tomada levianamente, especialmente quando não queremos entrar nessa luta. Pois vejam, citamos como exemplo a Igreja Católica. Com a Igreja Evangélica a situação é a mesma, apenas a Católica é mais poderosa, suas instituições são muito mais antigas. Se compreendermos o significado de cada peça das vestimentas do padre quando lê a missa,  o significado de cada ato da missa, reconheceremos instituições respeitadas por um longo tempo, instituições que são mais antigas até que o cristianismo, porque o sacrifício da missa é um culto de Mistério muito antigo transformado pelo cristianismo. E ligado a isso está o sacerdotismo, que faz uso dessas armas de combate! Se por um lado tivermos uma veneração profunda para o culto, assim como para o seu simbolismo, e por outro lado pudermos enxergar o tipo de armas usadas para defender o que existe nisso, e o tipo de armas usadas para agredir o que quer entrar na evolução da humanidade, veremos como é necessário assumir uma posição muito séria perante esses fatos. É algo que realmente deve ser estudado, ser bem compreendido. E o que está sendo anunciado por esses credos, está somente no começo. Não é hora de dormir, mas sim de aguçar a visão para tudo isso! Por um longo tempo, vinte anos, em que o movimento antroposófico expandiu-se através da Europa Central, pudemos conceder-nos um dormitar sectário tão difícil de ser combatido em nossos próprios círculos, e que ainda está tão enraizado nas almas das pessoas que estão no Movimento Antroposófico. Mas acabou o tempo em que podemos conceder-nos essa sonolência sectária. É uma verdade profunda o que freqüentemente afirmei aqui: Que é necessário visualizar o significado histórico universal do movimento antroposófico e passar por cima de frivolidades, mas também é necessário considerar seriamente os pequenos impulsos.