Textos de Rudolf Steiner
A MISSÃO DE MICAEL (apostila) - Segunda Conferência
Rudolf Steiner
Dornach, 22 de novembro de 1919
Ontem falei daquele engano que penetrou na nossa vida espiritual moderna e que, ainda hoje, somente poucas pessoas percebem da maneira correta. Os senhores devem ter pressentido durante essas dissertações que, justamente com a indicação desse engano, estamos num momento muito importante das contemplações da Ciência Espiritual. Será certamente necessária uma visão clara nesse ponto para que haja um desenvolvimento próspero da vida espiritual da humanidade. Eu chamei a atenção dos senhores para aqueles produtos culturais que, como o “Paraíso Perdido” de Milton, ou o “Messias” de Klopstock, nasceram do pensamento popular geral dos últimos séculos. Também chamei a atenção dos senhores para o fato de como é possível observar, justamente nesses produtos culturais que sobressaem em relação ao artístico, em relação ao espiritual em geral, os perigos que corre a nossa vida anímica humana quando não se reconhece a impossibilidade de o homem chegar a um conceito de Deus verdadeiro e necessário para ele, e com isto chegar, também, a um conceito de Cristo, se o homem imagina apenas que a estrutura do mundo, incluindo o elemento espiritual, só pode ser compreendida sob o símbolo da dualidade. Justamente porque, de certa forma, só se discernia a dualidade, de um lado o bem, do outro lado o mal, caiu-se no erro de considerar pertencente ao mal tudo aquilo que tivemos que denominar, com o passar do tempo, como elemento luciférico e elemento arimânico. Só que não se reconheceu o fato de que foram unidos dois elementos universais em um. Com isso aconteceu que os elementos luciféricos foram de fato empurrados para o outro lado, que tende para o bem, de forma que, com outras palavras, acreditava-se estar adorando algo divino, reconhecendo algo divino, estar nomeando algo divino quando, na verdade, estava-se misturando o elemento luciférico com esse elemento divino. Por isso, pois, fica tão difícil em nossa época chegar a um conceito puro do elemento divino, e a um conceito puro do impulso de Cristo no desenvolvimento da humanidade e do mundo. Fomos acostumados, a partir da cultura dos séculos, devido à aceitação dessa dualidade, a falar por um lado do anímico, por outro lado do corporal ou físico. E perdemos a conexão entre aquelas representações mentais que nos são transmitidas pelo anímico-espiritual, e aquelas que nos são transmitidas pelo corpóreo. Hoje, quando falamos do pensar, do querer, da índole do sentir, isso quase não significa outra coisa além de meras palavras, e a psicologia acadêmica é a que mais faz isso. Não chegamos a verdadeiras representações mentais interiores, plenas de conteúdo, relativas a esse elemento anímico. Por outro lado, falamos de um materialismo desespiritualizado, de um material sem alma e, ao mesmo tempo, golpeamos esse material exterior, duro, semelhante à pedra, sem alma, e não conseguimos construir uma ponte que o una com o anímico.
Para nós o espiritual, que está em toda parte e o corporal, que é ao mesmo tempo algo espiritual, partiram-se em dois. Com meras teorias não chegaremos à ponte entre o corporal e o espiritual. E como não conseguimos chegar a isso, principalmente o nosso pensamento científico assumiu esse caráter divergente entre o corporal e o espiritual, ou anímico. Poderíamos dizer: De um lado as diversas crenças caíram no engano de indicar algo espiritual sem estar em condições de expor como esse espiritual intervém diretamente no corporal-físico, como atua criativamente no corporal-físico; do outro lado, porém, um conhecimento sem alma, uma visão sem alma da natureza contempla o corporal sem conseguir ver, através dos processos físicos, o espiritual-anímico que rege esses processos corporais. Quem tiver uma visão geral a partir desse ponto de vista da concepção científica natural, da forma como ela se desenvolveu no decorrer do século XIX entrando no século XX, terá que dizer: Tudo o que aí se manifesta parece uma conseqüência do que foi caracterizado agora. Porém, antes de tudo, temos que acrescentar o correto, que agora já podemos concluir de múltiplas precondições já bastante discutidas aqui, antes de poder compreender totalmente a superstição que hoje encobre a verdade. Fala-se hoje do ser humano como de uma entidade unitária, quer se trate do anímico ou do corporal. Fala-se do anímico como sendo uma entidade unitária, fala-se do corporal como sendo uma entidade unitária. Porém os senhores devem ter visto, a partir de nossas contemplações, que no ser humano rege a grande contradição, já mencionada, entre tudo o que é formação da cabeça, e tudo o que o homem leva em si além da cabeça - pois agora não queremos desmembrá-lo mais, os senhores sabem, pode continuar a ser desmembrado, mas agora iremos resumi-lo em um. (Foi esboçado o lado direito do desenho 3). Existe a pergunta em relação ao desenvolvimento do homem, temos que perguntar de forma totalmente diferente acerca do desenvolvimento do homem em relação à formação de sua cabeça, e acerca do desenvolvimento do homem em relação à formação do resto de seu corpo.
Ao dirigir nossa atenção para a formação da cabeça do homem - consideremo-la primeiro fisicamente -, na medida em que essa formação da cabeça contém o organismo para a percepção sensorial, ou para o pensar ou representar, teremos que, com efeito, retroceder bastante no desenvolvimento cósmico do homem. Teremos que dizer então: Aquilo que hoje encontra sua expressão na formação da cabeça do homem desenvolveu-se e transformou-se pouco a pouco. Desenvolveu-se através da formação do velho Saturno, através da formação do velho Sol, através da formação da velha Lua, e continuou a desenvolver-se durante o período da Terra. Mas isso não aconteceu assim com a outra parte da corporalidade do homem. Seria totalmente errado procurar uma história de desenvolvimento unitária para o ser humano inteiro. Podemos dizer (continua a desenhar, Desenho 3): a formação da cabeça indica para trás, para os graus planetários da formação de nossa Terra: a formação lunar, a formação solar, a formação saturnina. Aquilo que enfim teve sua finalização direta na cabeça humana resultou de um amplo desenvolvimento. Se, porém, adicionarmos a parte restante que pertence ao homem, não poderemos retroceder até a formação saturnina mas teremos que dizer: quanto àquilo que o homem carrega em si além da formação da cabeça, na medida em que for a formação do tórax, podemos retroceder no máximo até o período planetário da Lua, (desenho: linha divisória vertical); quanto àquilo que são os membros, só chegou ao homem durante a formação da Terra.
Só contemplaremos o homem corretamente quando dissermos o
que segue de forma comparativa. Mas, por favor, tomem isso de forma comparativa. Os senhores podem imaginar facilmente, de forma hipotética: sob quaisquer condições orgânicas no cosmos, em quaisquer condições de adaptação ligadas a condições interiores de crescimento, o homem desenvolveria disposições para quaisquer novos membros. Os senhores, então, não iriam recuar na história de toda a configuração humana até o ponto mais remoto de seu desenvolvimento, mas os senhores iriam dizer: Quanto ao seu desenvolvimento, o homem terá que ser considerado retroativamente no tempo; mas num certo ponto do tempo, esse ou aquele membro desenvolveu-se. O motivo de sermos tentados a não pensar dessa forma em relação à cabeça e ao resto do ser humano, decorre apenas do fato de o resto do homem ser maior que a cabeça em relação ao tamanho espacial exterior. A verdade, porém, é que a formação da cabeça recua ao máximo, e que a outra formação somente representa disposições posteriores. Falando, aliás, de uma relação do homem com o mundo animal quanto ao desenvolvimento, somente podemos dizer: o que está na cabeça humana remonta a uma formação animal anterior. A cabeça humana é figura animal transformada, figura animal fortemente transformada.
Sem dúvida o ser humano teve, exteriormente, uma formação animal em circunstâncias físicas bem diferentes, quando nem animais havia ainda. Estes formaram-se mais tarde, somando-se ao homem. Aquilo que no homem teve formação animal, veio a ser hoje a cabeça humana. E aquilo que foi adicionado à cabeça como o restante do organismo, somente foi adicionado à cabeça ao mesmo tempo em que se desenvolveram os animais. Portanto nada tem a ver com uma verdadeira origem animal. De forma que, na verdade, deveríamos dizer: O membro que parece, à primeira vista, ser o mais nobre do ser humano, a sua cabeça, remete-nos de volta para a animalidade; quanto a isso, o próprio homem teve, antes, uma espécie de figura animal. Porém o resto que carregamos conosco foi recebido no desenvolvimento cósmico paralelamente ao desenvolvimento dos animais, como uma certa adição orgânica à cabeça.
Agora, em certo sentido, a cabeça tornou-se o nosso órgão de pensar. Nosso órgão de pensar provém justamente daquilo que tem origem animal, se é que podemos dizer assim. Só que, evidentemente, como uma descendência animal fora do padrão. Se os senhores tomarem hoje uma cabeça humana, talvez não vejam logo, anatomicamente, aquilo que indica a figura animal. Olhando mais detalhadamente, porém, reconhecerão, se souberem interpretar a forma dos órgãos da cabeça, que estes são órgãos animais transformados.
Ora, se prestarmos atenção nisso, teremos que, certamente, mencionar ao mesmo tempo que a transformação da cabeça humana, a partir da animalidade, aconteceu porque essa cabeça já havia tomado um desenvolvimento voltado para trás. O que era cheio de vitalidade nos primeiros estados de desenvolvimento, na cabeça humana já está a caminho do perecer, na cabeça humana é um desenvolvimento voltado para trás. Eu disse certa vez: Se, como seres humanos, fôssemos só cabeça, na verdade nunca poderíamos viver. No fundo teríamos que morrer continuamente, pois o processo orgânico na cabeça humana, em relação às próprias forças da cabeça, não é um processo de vida, mas um processo de morte. O que está na cabeça é constantemente revitalizado a partir do resto do organismo. O fato de que a cabeça também participe da vida geral do organismo, ela deve à outra vida do organismo. Se a cabeça pudesse ser deixada somente aos cuidados daquelas forças para as quais ela foi estruturada, as forças de percepção sensorial e as forças da representação, a cabeça morreria constantemente. A cabeça tem constantemente a tendência a morrer, ela tem que ser constantemente vitalizada. Quando pensamos, quando percebemos sensorialmente, não ocorre em nossa cabeça, no nosso sistema nervoso em geral e na sua ligação com os órgãos dos sentidos, um processo vital ascendente, adequado ao crescimento, pois nesse caso só poderíamos dormir, cairíamos num sono profundo, nunca poderíamos pensar de forma clara. Somente pelo fato de que a morte atravessa constantemente a nossa cabeça, de que há, aí, um desenvolvimento retrógrado constante, que os processos orgânicos são constantemente retirados, é que o pensar e a percepção sensorial ocorrem em nossa cabeça.
Quem quiser explicar de forma materialista o pensamento ou a percepção sensorial a partir dos processos cerebrais, não sabe nada dos processos que ocorrem na cabeça, ele acreditará que ali ocorrem processos que podem ser comparados com o crescimento orgânico ou algo parecido. Esse não é o caso. Aquilo que acontece paralelamente à percepção sensorial e à representação mental, são processos de morte, são processos de desintegração, processos de destruição. Primeiro o elemento orgânico, material, terá que ser desintegrado, terá que ser destruído, depois o processo do pensar elevar-se-á acima do processo orgânico de destruição.
Hoje a humanidade quer compreender estas coisas através da contemplação exterior de sua natureza. O homem pensa, o homem percebe sensorialmente, mas não sabe nada sobre o que ocorre paralelamente em seu organismo, isso fica no inconsciente. Somente através dos processos que relatei em meu livro “O conhecimentos dos mundo superiores” poderemos, aos poucos, chegar a um conhecimento que não viva só naquilo que denominamos o elemento anímico quase só em seu significado semântico: na percepção sensorial e no pensar. Se fizer uma desenvolvimento dessa maneira, a alma pode, por um lado entregar-se ao pensar, à percepção sensorial e, ao mesmo tempo, perceber o que acontece no cérebro. Então não perceberemos aquilo que sentimos normalmente como um processo de crescimento, perceberemos um processo de desintegração que, por sua vez, precisa ser equilibrado constantemente pelo resto do organismo.
Essa é a conseqüência trágica de um verdadeiro conhecimento da atividade de nossa cabeça. O homem clarividente não pode alegrar-se quando vê, por exemplo, o desabrochar dos processos orgânicos da cabeça quando pensa, quando percebe sensorialmente: ele tem que familiarizar-se com o processo de destruição. Ele tem que familiarizar-se, também, com o fato de que os que têm um pensamento materialista acreditam que dentro da cabeça humana ocorrem os processos que, justamente, são excluídos quando o homem pensa, ou quando o homem percebe sensorialmente. O materialismo supõe exatamente o contrário daquilo que é verdade.
Portanto, na cabeça humana lidamos com um desenvolvimento que parte da animalidade, mas um desenvolvimento que já está em sentido retrógrado, em um processo de desintegração. Nosso outro organismo humano está em desenvolvimento ascendente. Não podemos pensar, porém, que esse outro organismo humano não tenha participação no anímico-espiritual, e na vivência deste no homem. Não só o sangue é constantemente enviado para cima, para a cabeça a partir do resto do organismo, mas constantemente sobem também, com o sangue, aquelas imagens anímico-espirituais de pensamentos com as quais é tecido o mundo, com as quais é tecido, também, o nosso organismo. O homem hoje, em seu estado normal, ainda não percebe essas configurações de pensamentos anímico-espirituais, mas teve início o período em que o homem terá que começar a perceber o que ascende de seu próprio ser como configurações de pensamentos. Pois os senhores sabem, nós não dormimos somente do adormecer ao despertar; com uma parte de nosso ser dormimos o dia inteiro. Na verdade estamos acordados somente em relação ao nosso pensar, representar e perceber sensorial. Sonhamos em relação à nossa vida de sentimentos, dormimos completamente em relação à nossa vida volitiva. Pois daquilo que queremos, só sabemos os pensamentos, as idéias, nada sabemos do processo volitivo. O que a vontade realmente faz, realiza-se para a nossa consciência tão inconscientemente quanto a vida do sono entre o adormecer e o despertar. Mas se perguntarmos: Por quais caminhos pode o homem chegar ao conhecimento do verdadeiramente divino? não poderemos indicar o caminho pela cabeça, o caminho pela percepção sensorial e pelo pensar, mas somente poderemos indicar o caminho que atravessa o resto do organismo. E temos o grande, o enorme segredo de que o homem desenvolveu sua cabeça numa longa seqüência de desenvolvimentos, que a ela juntou-se então o restante do organismo, que a cabeça já iniciou um desenvolvimento retrógrado e que, no entanto, aquilo que o homem pode sentir como sendo o seu elemento divino tem que falar-lhe através do restante do organismo, não através da cabeça. Pois é importante que estejamos bem esclarecidos sobre isso: primeiro só as entidades luciféricas falavam ao homem através da cabeça. E podemos dizer: o resto do organismo foi criado adicionalmente à cabeça do homem para que os seus deuses pudessem falar-lhe. No princípio da Bíblia não está escrito: “E Deus enviou ao homem o raio de luz e ele tornou-se uma alma viva”, mas: “Deus soprou ao homem o seu hálito vivo e ele tornou-se uma alma viva”. Aqui se reconhece corretamente que o impulso divino veio ao homem através de uma atividade não ligada à cabeça.
Com isso também lhes ficará compreensível que esse impulso divino, de início, só pôde vir ao homem numa espécie de clarividência inconsciente, ou pelo menos através da compreensão daquilo que lhe foi dado por uma clarividência inconsciente. Se os senhores olharem para o Antigo Testamento de nossa Bíblia, terão que considerá-lo - sabemos isso a partir de outras contemplações - como o resultado de uma clarividência inconsciente. Disso estavam conscientes também aqueles que ajudaram na realização do Antigo Testamento. Não posso relatar-lhes hoje como foi a realização do Antigo Testamento, mas quero chamar sua atenção para as inúmeras vezes em que falamos sobre essas coisas. Nos mestres do velho povo hebreu os senhores encontrarão em toda parte a consciência de que seu Deus não lhes falou através de percepções sensoriais diretas, nem através do pensar comum, não lhes falou por nenhum dos meios para os quais a cabeça é o mediador, mas que seu Deus falou-lhes através de sonhos - que eles não entendiam como sonhos comuns, mas como sonhos permeados de realidade -, Deus falou-lhes através de momentos de clarividência, como a Moisés através da sarsa ardente, e outros fatos parecidos. Quando se perguntava aos iniciados desses tempos antigos como imaginavam que as palavras divinas chegavam até eles, diziam: A nós fala o Senhor, cujo nome é indizível, mas ele fala conosco através de seu semblante. Eles denominavam o semblante de Deus “o Micael”, aquele poder espiritual que incluímos na hierarquia dos Arcanjos. Sentiam seu Deus como aquele que permanecia desconhecido mesmo por trás das visões do clarividente. Porém quando este, através do estado interior de sua alma, elevava-se ao seu Deus, Micael falava com ele. Mas esse Micael falava somente quando os homens conseguiam transpor-se a um estado diferente do estado comum da consciência, quando conseguiam transportar-se a um estado de certa clarividência por intermédio do qual entrava na consciência o que, de outra forma, só atua e vive no homem do adormecer até o acordar, ou então pela vontade que permanece inconsciente e que, na verdade, também dorme, mesmo quando estamos acordados.
Assim, nos antigos mistérios hebreus a revelação de Jeová era denominada “revelação da noite”, e sentia-se a revelação de Jeová, através da revelação de Micael, como sendo a revelação da noite. Olhava-se para o mundo procurando o que o mundo podia dar ao homem pela percepção sensorial e do pensamento humano sensato, e dizia-se: Por esse caminho chegam conhecimentos, chega ao homem uma cognição que, inicialmente, não contém o elemento divino. Mas se o homem se desenvolver a partir desse estado de consciência chegando a outro estado de consciência, o semblante de Deus, “o Micael”, falará ao homem, revelar-lhe-á os verdadeiros segredos relacionados com o ser humano, revelar-lhe-á aquilo que constrói uma ponte entre o homem e aqueles poderes que não podem ser percebidos no mundo sensorial exterior, que não podem ser concebidos com o raciocínio ligado ao cérebro.
Assim, temos que dizer: Os homens viviam nos períodos pré-cristãos de forma a poderem olhar, por um lado, para o conhecimento sensorial - essa percepção era o fio de prumo para as realizações terrenas - , por outro lado olhavam para o conhecimento que só teriam - eles não o tiveram - na consciência comum se essa permanecesse desperta, quando, na verdade, ela dorme entre o adormecer e o despertar. O homem está rodeado de entidades espirituais - isso era sabido - quando está acordado. Essas entidades espirituais não são suas entidades criativas - assim se pensava no Antigo Testamento, na época em que se originou o Antigo Testamento - , essas entidades são as entidades luciféricas. As entidades que eram percebidas como as criadoras-divinas frente à humanidade, atuavam no ser humano entre o adormecer e o despertar, ou naquelas partes do ser humano que também dormem durante a vigília diurna. Na época em que se originou o Antigo Testamento, o deus Jeová era denominado Regente da Noite, e o semblante de Jeová, o Micael, era denominado Servente do Regente da Noite. Pensava-se em Micael quando se desejava falar de todas as inspirações proféticas, pelas quais se compreendia mais do que por aquilo que vinha pelo conhecimento do mundo sensorial.
Que consciência está por trás de tudo isso? Atrás de tudo isso está a consciência que brotou daquela esfera da existência na qual vivem e agem os poderes que cercam Jeová, enquanto a formação da cabeça humana está cercada pela essência luciférica. Um segredo, carregado por todos os templos antigos, e com o qual estava-se bem perto da verdade, foi que o homem se dirigia às entidades luciféricas por meio de sua cabeça, que sobressai do seu organismo. Sabia-se, de certa forma, que com a cabeça sobressaindo do organismo humano, Lúcifer sobressai do organismo humano. O poder que levou a cabeça humana, a partir da animalidade, para a sua figura atual, é uma força luciférica. E aquele poder que o homem deveria sentir como sendo divino, tem que fluir do estado noturno do resto do organismo para a cabeça humana. Este era o conteúdo daquilo que o homem conseguia saber nos períodos pré-cristãos.
O Mistério do Gólgota penetrou com impacto no desenvolvimento da Terra. Sabemos que o Mistério do Gólgota significa a união de um ser sobrenatural com o desenvolvimento humano na Terra através do corpo de Jesus de Nazaré; uma fusão que, com a morte no Gólgota, fez com que essa entidade, que denominamos a entidade de Cristo, se unisse com a entidade humana da Terra. O que aconteceu, então, no desenvolvimento da Terra? Sim, foi somente por causa disso que, na verdade, o desenvolvimento da Terra obteve seu sentido. A Terra não teria seu sentido se o homem, nessa Terra, se desenvolvesse, existisse com os seus sentidos e com o seu raciocínio ligados à cabeça que, em primeiro lugar, têm uma origem luciférica, se percebesse o mundo terreno exterior, o mundo da luz do sol e das estrelas fluindo para a Terra mas tivesse que permanecer num estado de sono para perceber o elemento divino. Jamais a Terra obteria assim o seu sentido, pois o homem vígil faz parte da Terra. O homem adormecido não está consciente de sua ligação com o ser da Terra. Pelo fato de a entidade do Cristo ter habitado num corpo humano que passou pela morte, ocorreu algo como um empurrão no desenvolvimento da Terra. Tudo nesse desenvolvimento da Terra passou a ter um novo sentido. Surgiu inicialmente a possibilidade de o homem, pouco a pouco, ficar apto a reconhecer os poderes divinos que o criaram também durante a vigília normal, quer dizer, no estado normal de consciência. Em relação a isso há, ainda hoje, um engano, unicamente pelo fato de que o tempo que passou desde o Mistério do Gólgota não ter sido ainda suficiente para levar o homem a olhar, também durante a vigília diurna, para o mundo que os profetas do Antigo Testamento podiam ver naqueles tempos em que sentiam-se atravessados pelas revelações do Regente da Noite, Jeová, e por seu semblante, Micael. Foi necessário um tempo de transição. Mas com o decurso do século XIX - toda a sabedoria oriental chama a atenção para a importância do decurso do século XIX, mas de um ponto de vista totalmente diferente - , começou o período em que os homens terão que reconhecer que algo foi realizado, algo que não havia sido realizado antes, terão que reconhecer que existe neles, de forma latente, uma aptidão, a aptidão para acordar agora está madura neles, a aptidão para, através da revelação diurna, ver aquilo que, antes, só era intermediado por Micael na revelação noturna.
A isso, porém, teve que anteceder, ainda, um grande engano; de certa forma teve que antecedê-lo uma noite do conhecimento. Pois eu já disse várias vezes, que não concordo absolutamente com aqueles que sempre dizem que a nossa época é uma época de transição. Sei muito bem que toda época é uma época de transição. Mas não quero me deter nessas definições formais abstratas pois é importante definir em que consiste a transição de uma certa época. A transição na nossa época consiste em que os homens devem reconhecer que é necessário, através do conhecimento diurno, que venha à tona aquilo que antes era somente conhecimento noturno. Em outras palavras: Micael era o revelador por intermédio da noite e deve tornar-se, na nossa época, o revelador diurno. Micael, um espírito da noite, deve tornar-se um espírito do dia. Para ele, o Mistério do Gólgota significa a transformação de um espírito da noite em um espírito do dia.
Mas a esse conhecimento, que deverá abrir caminho entre os homens mais rapidamente do que pensamos hoje, teve que anteceder um engano ainda maior, o maior engano que se possa imaginar, que foi possível no desenvolvimento da humanidade apesar de, ainda hoje, em muitos círculos, ser visto como uma verdade muito importante e essencial. A origem da cabeça humana ficou totalmente oculta para a humanidade mais recente, a espiritualidade luciférica ligada à cabeça humana ficou totalmente oculta. Como eu disse, o homem foi considerado, também fisicamente, como uma unidade. Perguntava-se por sua descendência e respondia-se que o homem descenderia da animalidade enquanto, na verdade, somente a parte luciférica do homem descende da animalidade. Aquilo, porém, através do que os criadores divinos do homem falavam-lhe antigamente durante o seu estado de sono, surgiu somente - depois que paralelamente surgiram os animais - como um adendo à cabeça humana. Misturou-se tudo no ser humano e fala-se do homem descendente da animalidade. Isso é como um castigo que penetrou na humanidade no âmbito do conhecimento, sendo que interpreto a palavra “castigo” de uma forma algo diferente.
Onde pode ter se originado essa tendência do homem de inventar a lenda de que descende da animalidade, quando o verdadeiro acontecimento é aquele que expusemos em relação à origem da cabeça e do resto do organismo? O que foi que inspirou ao homem essa lenda de que o homem inteiro descenderia da animalidade? Vejam os senhores, no tempo que se passou entre o Mistério do Gólgota e os nossos dias e que, em certo sentido, foi uma preparação para a compreensão do Mistério do Gólgota, nesse período em que se retraiu a velha sabedoria pagã por meio da qual se queria compreender também o cristianismo, e no qual o novo conhecimento do espírito ainda não estava completamente maduro, nesse período infiltrou-se, aos poucos, o elemento arimânico no desenvolvimento da humanidade. E como o elemento luciférico não foi reconhecido na cabeça humana, também não foi possível reconhecer o elemento arimânico, com o qual o elemento divino está em luta, no resto do organismo humano. Assim surgiu a lenda puramente arimânica de que o homem descenderia da cadeia animal.
Que o homem descenderia da cadeia animal é uma inspiração arimânica. Essa ciência tem um caráter puramente arimânico. O obscurecimento daquela sabedoria que nos chama a atenção para a existência da formação luciférica na cabeça humana, devemos ao engano de que o homem descenderia da cadeia animal. Não compreendendo a questão em relação à origem da cabeça humana, também não foi possível reconhecer de forma correta a outra questão. Assim infiltrou-se na concepção humana a crença do parentesco que o homem, como ser inteiro, tem com a animalidade. Infiltrou-se, assim, na compreensão do ser humano, também aquilo que, no fundo, infiltrou-se em toda uma cosmovisão no desenvolvimento mais recente da civilização: A cabeça humana tornou-se a parte mais nobre, a outra parte lhe foi contraposta, assim como se contrapõe o bem e o mal no mundo, o céu e o inferno, uma dualidade em vez da triplicidade. Na verdade, deveríamos ter sabido que o homem deve à sabedoria universal tudo o que ele conquista no mundo através de sua cabeça, deve-o, sim, à sabedoria do mundo, mas à sabedoria luciférica, e que essa sabedoria luciférica precisa ser permeada gradativamente por outros elementos.
O poder espiritual que - depois que o desenvolvimento da humanidade havia passado pelo desenvolvimento de Saturno, do Sol, da Lua, e começara o desenvolvimento da Terra - impeliu o ser luciférico para dentro da cabeça humana em formação, é o poder de Micael. “E ele lançou os espíritos inimigos para baixo, para a Terra” significa: Com o lançamento dos espíritos luciféricos, dos inimigos de Micael para baixo, o homem foi permeado com o seu raciocínio, com aquilo que brota da cabeça humana.
Assim Micael é aquele que enviou seus inimigos ao homem, para que este recebesse sua razão através do acolhimento desses elementos inimigos luciféricos. Depois o Mistério do Gólgota entrou no desenvolvimento da humanidade. A entidade de Cristo passou pela morte de Jesus de Nazaré. A entidade de Cristo uniu-se ao desenvolvimento da humanidade.
O tempo de preparação terminou. O próprio Micael participou, em mundos supra-sensoriais, dos resultados do Mistério do Gólgota. Micael tem tido uma posição muito especial no do desenvolvimento da humanidade desde o último terço do século XIX . A primeira coisa que precisa acontecer através do conhecimento real da posição do homem em relação a Micael, é que compreendamos tais segredos, como os que tentamos expor por exemplo hoje em relação à cabeça humana e ao resto do organismo humano.
É essencial que fique claro para o homem: Por não terem reconhecido a verdadeira origem da cabeça humana, os homens só podiam cair no engano quanto à origem do homem inteiro. Como os homens não quiseram entender que a formação luciférica teve lugar primeiro na cabeça humana, caíram no engano de que o que está relacionado com a cabeça humana teria que ser procurado na mesma origem do resto do homem. A humanidade precisa entender esses segredos. A humanidade precisa encontrar a possibilidade de confrontar-se ousada e corajosamente com o conhecimento de que ela deve melhorar em si, de dentro para fora, através da compreensão de novos segredos divinos, tudo aquilo que lhe pode ser dado através do simples conhecimento da cabeça, através da mera sabedoria ou inteligência humana terrena. Primeiro precisa ser corrigido o grande engano que teve que anteceder o retorno, o engano que existe na interpretação materialista da teoria do desenvolvimento da origem do homem inteiro a partir da corrente animal.
Somente esse poderá ser o caminho para voltarmos novamente à possibilidade de ver, de fato, esse homem que está à nossa frente não apenas como algo anímico-espiritual que simplesmente habita um corpo, ou como uma corporalidade sem alma, mas de ver o espiritual concreto que trabalha, embora de modo luciférico, na cabeça humana, o divino-espiritual concreto que trabalha no homem inteiro que, aliás, encontra um inimigo na natureza arimânica, no organismo que se encontra fora da cabeça.
Falando em imaginações, podemos referir-nos ao fato de como o elemento luciférico foi incorporado ao homem pelo impulso de Micael; através daquilo que Micael veio a ser, terá que lhe ser novamente retirado o arimânico. Perante nossa ciência exterior, o ser humano está hoje, na nossa consciência, de tal forma como se fosse verdade o que conhecemos através da Anatomia, Fisiologia, e etc., ou como o que temos na nossa frente durante a contemplação sensorial exterior do homem. Temos que tornar-nos capazes de olhar para o homem de tal forma que vejamos em cada uma de suas fibras o espiritual, o ser espiritual, concreto junto com o corpóreo. Temos que estar conscientes de que no ser humano vivo o sangue que corre não é o que podemos ver gotejar, mas que esse sangue que corre no ser humano é espiritualizado de uma forma especial. Temos que conhecer o espírito que pulsa nesse sangue. Temos que conhecer o espírito que pulsa através do sistema nervoso quando este está numa fase de perecimento, e assim por diante. Temos que conseguir ver junto a cada uma das expressões vitais o elemento espiritual.
Micael é o espírito da força. Entrando no desenvolvimento da humanidade, ele deve habilitar-nos a não termos a espiritualidade abstrata de um lado, e do outro lado a materialidade que tocamos, que cortamos, e da qual não temos noção nenhuma de que também é, no fundo, somente uma forma exterior de revelação do espiritual. Micael deve permear-nos como a grande força que pode entender o material vendo nele, ao mesmo tempo, o espiritual, vendo em toda a parte o espírito na matéria. Indicou-se um antigo grau da consciência humana onde se dizia: “A palavra vivia nesses tempos antigos de maneira espiritual, mas a palavra tornou-se carne e habitou entre nós” - assim o expressou o Evangelista. A palavra uniu-se com a carne, e a isso precedeu à revelação de Micael. Tudo o que está sendo mencionado são processos na consciência humana. O processo inverso deve começar, esse processo inverso que exige que adicionemos outra palavra à palavra do Evangelista. Deve surgir na nossa consciência a força para ver como o homem capta aquilo que dos mundos espirituais uniu-se com a Terra através do impulso de Cristo, e que terá de unir-se à humanidade para que esta não sucumba ao mesmo tempo que a Terra. O homem deverá acolher o elemento espiritual não somente dentro de sua cabeça mas com todo o seu ser, ele terá que permear-se totalmente com o espiritual. Nisso somente o impulso de Cristo pode ajudar. Mas a interpretação do impulso de Cristo pelo impulso de Micael também deve ajudar. Depois poderá ser adicionado às palavras do Evangelista: “E virá a hora em que a carne tornar-se-á novamente verbo e aprenderá a habitar no reino do verbo”.
Não é invenção de qualquer escritor posterior quando, no fim dos Evangelhos, lemos que várias coisas deixaram de ser mencionadas. Isso indica para aquilo que somente pouco a pouco poderá ser revelado à humanidade. Quem contempla os Evangelhos como se estes tivessem que permanecer na forma em que estão e não pudessem ser tocados, entendeu-os mal. Eles devem ser interpretados com as palavras de Cristo Jesus, como eu sempre lhes disse: “Estou convosco todos os dias até o fim dos tempos da Terra”. Isto, porém, quer dizer: Não somente revelei-me a vós nos dias em que os Evangelhos foram escritos, mas falar-vos-ei sempre através do meu espírito diurno, Micael, se procurardes o caminho que leva a mim. Através da revelação contínua de Cristo poderão acrescentar aos Evangelhos aquilo que não foi possível ser conhecido no Evangelho do primeiro milênio, mas sim no Evangelho do segundo milênio, e ao qual sempre poderá ser acrescentado algo novo nos milênios seguintes. Pois tão verdadeiro quanto o que está escrito nos Evangelhos: “No princípio era o Verbo, e o Verbo tornou-se carne e viveu entre nós” - , tão verdadeiro é o que temos que acrescentar à revelação: E a carne humana terá que ser espiritualizada novamente para tornar-se apta a habitar no reino do Verbo, para ver os segredos divinos. A encarnação do Verbo é a primeira revelação de Micael, a espiritualização da carne terá que ser a segunda revelação de Micael.