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Vivenciar o destino da época - A Revelação de Micael (Elisabete Murari)

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Nas doze conferências que Rudolf Steiner proferiu em Dornach, de 21 de novembro a 15 de dezembro de 1919, intituladas: “A missão de Micael” – identificadas como GA 194 na edição completa das suas obras em língua alemã, aborda o tema da tarefa dos homens frente ao que esta época nos coloca. Faz isto de forma bastante ampla. É realmente uma cosmovisão, que pontuo aqui de maneira bastante sintética: (I) desde uma visão histórica do desenvolvimento da humanidade; (II) do caminho de desenvolvimento do homem inserido no contexto da evolução cósmica nas suas diversas fazes anteriores e posteriores à presente época, ou seja, do presente momento deste desenvolvimento na Terra em seu mais importante fato referente à esta época, o Mistério do Gólgota; (III) o lugar onde a humanidade se encontra entre as forças polares dos elementos luciféricos e arimânicos; (IV) a importância do posicionamento da humanidade frente a essas forças e a necessidade do encontro desta mesma humanidade com a principal força presente doada à Terra e aos homens pelo Ser do Cristo; (V) a tarefa de Micael como o moderno revelador para os homens do caminho de volta à consciência espiritual, até o Cristo; e, por fim, (VI) o que cabe a nós, seres humanos, o que é nossa tarefa e nossa necessária relação com Micael no caminho até o Cristo.
 
Os ensinamentos presentes nestas conferências são absolutamente esclarecedores e necessários para a verdadeira compreensão daqueles que se colocam frente a esta grande questão com seriedade.
 
Da amplitude abarcada por Rudolf Steiner em suas palavras há quase um século, escolhi percorrer um caminho de reflexão simples, mas que pudesse ser preenchido de um verdadeiro conteúdo espiritual. Primeiramente verdadeiro por ser uma busca pessoal e por intencionar escrever cada palavra envolta por esta verdade. Tarefa que não é fácil, pois requer uma vivência anterior, um espaço interno onde a alma possa acolher-se, silenciar-se para conectar-se, criando uma presença que abre caminho para o elemento espiritual. Tornando-se uma escolha que vai além de apenas escrever algumas palavras rodeadas de sentido. É como se estas palavras necessitassem conter em si uma força, de verdade, de coerência, de busca. E só assim, elas pudessem alcançar seu intento. Como se assim elas pudessem criar uma abertura em sua substancialidade para o espiritual e então abarcá-lo em si mesmas, como cálices destas verdades espirituais eternas que tanto necessitamos contatar.
 
Esta escolha pela simplicidade exige talvez mais seriedade na relação com o processo. Pois sustentar este papel de cálice para as palavras escritas e posteriormente lidas é “a escolha”.
 
Steiner fala da necessidade de aprendermos a pensar de forma Micaélica, em suas palavras:
“(... temos que aprender a olhar para o ser humano, vendo o que ela leva do desenvolvimento da Terra para as formações seguintes desse desenvolvimento. Temos que aprender a olhar para o homem do futuro. Isto significa pensar micaelicamente.
 
O que constitui o modo de pensar micaelico é o fato de dizermos isso com plena consciência a cada minuto de nossa vida vigil, de deixarmos de olhar para o ser humano como esse conglomerado de partículas minerais que ele somente ordena de certa maneira. Que nos tornemos conscientes disto: andamos entre pessoas invisíveis – isto significa pensar micaelicamente.
 
Veja, isso é pensar micaelicamente: reconhecer-nos na nossa essência, isto é, o homem deve acostumar-se a uma compreensão espiritual de si mesmo e do mundo. É importante podermos encontrar a força interior (...) Desde os anos setenta do Século XIX o ser humano pode ter a força para desenvolver essa consciência, pode tê-la em maior medida.
 
Nas diversas imagens que surgem na história da humanidade, Micael sempre aparece dominando o dragão com sua espada. Mas não olha para ele. Para onde se dirige o olhar de Micael? Seu olhar nos conduz para onde devemos dirigir-nos. Deixemo-nos conduzir. Ele está disponível para nos levar de volta a nós mesmos, è nossa essência, ao nosso encontro com o elemento divino em nós. Portanto, estas imagens de Micael contem sua principal tarefa, para que possamos reconhecê-la.
 
Como?
 
Este é justamente o ponto de partida: o caminho da indagação. O próprio nome Micael significa uma pergunta – Quem é como Deus? A pergunta pressupõe aprendizado e, portanto, humildade. Esta deve ser a postura. Para estar aberto para o novo, para criarmos novas possibilidades: este é o caminho, da iniciação moderna.
 
O ponto de partida é o esforço de cada um para que se espelhe na humanidade como um todo. Nossos esforços agora devem confluir para Micael: devemos absorver e trazer sua força, através de nós próprios para o mundo.
 
Aprender a perceber a mim e ao outro como um ser supra-sensível, espiritual antes de tudo, que permeia e configura a matéria, a substância. Quando estou diante de outro ser humano: como é isto na prática? Como eu vejo a mim e ao outro? Como vejo a mim na atitude de ver o outro? O que emano para o outro?
 
A partir destas perguntas quero apresentar o segundo tópico que Steiner coloca em suas conferências e que abordei neste pequeno texto: ele diz, a partir de uma longa explanação sobre os dois movimentos evolutivos, o crescente e o decrescente no que tange ao desenvolvimento da Terra, que não me deterei aqui, mas que é fundamental pontuar para o que quero lhes comunicar, o que ele apresenta em seguida, ou seja, que:
“(...) assim como, na realidade, temos a ver com um interagir de evolução e involução, assim temos a ver com um interagir entre a beleza e a feiúra: com efeito, uma luta dura. Se realmente quisermos captar a arte, não poderemos nunca esquecer que a última coisa artística no mundo deve ser o interagir, a revelação da batalha entre o belo e o feio. Pois somente se olharmos para o estado de equilíbrio entre o belo e o feio estaremos dentro da realidade, e não dentro de uma realidade unilateral que não faz parte de nós, mas para a qual a realidade luciférica e a realidade arimânica querem levar-no. Faz-se muito necessário que idéias como as que acabo de expressar entrem no desenvolvimento cultural humano (...) o homem (...) tem que confrontar-se audaz e corajosamente com a luta real entre o belo e o feio. Ele precisa conseguir sentir, perceber, vivenciar as dissonâncias na batalha com as consonâncias no mundo. Com isso entra força no desenvolvimento da humanidade, e dessa força também surge à possibilidade de ter aquele estado de consciência interior que estão realmente nos eleve acima da ilusão de que o homem consistira na sua verdadeira essência, de materiais sobre-postos, partículas de matéria mineral que ele comente acumulou em torno de si (...) perante a vida moderna necessitamos de um estado de alma que a todo o momento da vida vigil esteja consciente do supra-sensorial no ambiente que nos envolve diretamente, que não se entregue à ilusão que considera o ser humano real porque podemos vê-lo, e não considera reais os espíritos porque não podemos vê-los. Não somos diferentes dos seres das hierarquias superiores.
 
Aprender a perceber a similaridade entre os seres das hierarquias superiores e nós mesmos, até os animais e as plantas, essa é a tarefa que cabe à humanidade moderna.”
 
Esta condição humana moderna é uma responsabilidade que temos frente a mim, ao outro e ao mundo. Uma responsabilidade que pressupõe o desenvolvimento da liberdade no ser humano como qualidade espiritual, como nossa tarefa.
 
Devemos criar esta nova realidade humana aqui na Terra, com o nosso esforço, como já disse. Esforço este que necessita se manifestar no mundo. Na criação de uma consciência interior, ou seja, na nossa relação com nós mesmos, na relação com o outro e com mundo. Devemos aprender a nos ver e ao outro a partir desta referência espiritual. Pois é neste “espaço espiritual” que devemos criar, e que não poderíamos criá-lo sem o auxilio daquilo que veio ao nosso encontro a partir do mundo espiritual como o maior acontecimento na época do desenvolvimento cósmico do desenvolvimento cósmico referente ao desenvolvimento da Terra, ou seja, a vinda so Ser do Cristo com o Acontecimento do Gólgota.
 
Quando Rudolf Steiner nos apresenta a condição, na arte, do interagir, devemos também trazê-la para a vida humana, é claro. De forma a colocá-la em seu principal lugar: entre um ser humano e outro humano. Ou seja, ali onde o Cristo disse que sempre estará: ”onde dois estiverem em Meu Nome, ali estarei”. INTER-AGIR: na ação entre dois ou mais seres está presente a mais importante manifestação espiritual que pode se revelar na Terra.
 
Joseph Beuys nos apresenta um bom exemplo: fundamentado a partir do conceito artístico de “Escultura Social” por ele desenvolvido em sua obra. Não me deterei neste tema, pois não é o intento deste escrito. O trabalho de Joseph Beuys é interessante exemplo do que estou apresentando aqui, apenas cito-o como uma criação humana nesta direção, de como o ser humano pode de fato, trazer esta experiência do âmbito da arte para o âmbito do encontro humano. Podemos fazer a ponte entre estes dois pontos aos quais estou me referindo, ou seja, o desenvolvimento desta consciência espiritual e o interagir humano como manifestação artístico-espiritual. Como condição de equilíbrio entre as forças luciféricas e arimânicas.
 
É fundamental, neste sentido o papel de Micael. Ele se coloca frente ao desenvolvimento da humanidade como caminho para a verdadeira compreensão do impulso de Cristo.
 
Portanto precisamos de Micael. Precisamos ir ao seu encontro para que ele nos revele sua força. Só assim poderemos: (I) desenvolver a consciência do supra-sensível aqui na Terra e (II) encontramos neste mundo que reconhecemos como supra-sensível o impulso do Cristo. Estas são as duas condições para o caminho de Micael. Devemos ir ao seu encontro.
 
 

(Elisabete Murari é Psicóloga, Psicoterapeuta e Terapeuta artística)
 
(Texto publicado no Boletim da Sociedade Antroposófica no Brasil - Boletim nº 55 - Época de Micael , Ano XVI 2009)