Textos Diversos
O significado da festa de Micael (Christa Glass)
Christa Glass
É setembro, em muitas classes ouvem-se versos e canções em louvor ao arcanjo Micael, e muitos pais não sabem muito bem porque se dá tanta ênfase à festa de Micael nas Escolas Waldorf. As outras festas cristãs: o Natal, a Páscoa e São João já são enriquecidas pelas vivências que as crianças trazem da escola para casa. Mas o conteúdo da festa de Micael ainda é uma incógnita para muitos.
A primeira pergunta geralmente é: por que Micael e não Miguel? Na antroposofia, portanto também na Pedagogia Waldorf, não se considera a linguagem apenas como um meio de comunicação entre os homens, mas também como a expressão da índole do povo que usa em seu modo peculiar de falar, pronunciar e juntar os fonemas, as vogais e as consoantes, para denominar as coisas e os fenômenos do mundo.
Sabemos que, na Antigüidade, diziam-se mantras (TAO, AUM) para evocar certas vivências espirituais, que tinham justamente seu valor mântrico na junção peculiar dos fonemas. O nome Micael é de origem hebraica, e a pronúncia Micael se aproxima mais do fonema hebraico usado para esse nome. O nome é a expressão fonética da característica intrínseca do ser denominado. Do ponto de vista fonético, a pronúncia Micael evoca uma sensação de força, de verticalidade, de firmeza e coragem, diferente da Miguel que evoca mais uma sensação de flexibilidade, de fluidez, de meiguice.
O arcanjo Micael é mencionado no Antigo Testamento como o guerreiro dos céus que lutou contra os espíritos oponentes a Deus, expulsando-os do céu, do mundo espiritual. Expulsos do céu, esses espíritos oponentes se “instalaram” na Terra, onde interferem no anímico-espiritual dos homens, ou seja, na alma como envoltório do Eu. A meta deles é desviar os homens do bom caminho, do caminho da luz previsto por Deus, e conduzi-los para o caminho que leva às trevas gélidas.
Para preservar a humanidade da queda, da perdição total, Deus Pai enviou seu Filho que, deixando o reino do céu, veio unir-se aos homens trazendo consigo o amor, a luz e o calor solar espiritual. No sacrifício que levou ao Mistério do Gôlgota, Cristo venceu a morte, o mundo das trevas e pôde assim se tomar a luz que ilumina, para os homens, o caminho de volta ao Pai.
O arcanjo Micael também é conhecido como o “Enviado de Cristo”, assim como “A Face de Jeová”, um ser espiritual que acompanha de perto, com interesse o desenvolvimento correto da humanidade. Como “A Face de Jeová”, ele era vivenciado pelos antigos iniciados, que buscavam as diretrizes divinas para o encaminhamento do desenvolvimento da humanidade. Rudolf Steiner, usando uma linguagem mais moderna, nos fala de Micael como o administrador da inteligência cósmica na época pré-cristã. Aos iniciados, que eram preparados nas antigas
Escolas de Mistério, Micael revelava os segredos cósmicos propícios para impulsionar o andamento da evolução humana, dando-lhes a missão de guiar a humanidade.
Depois do Mistério de Gólgota, Micael, por ter chegado a hora, segundo uma lei espiritual, pôs à disposição da humanidade toda a sabedoria cósmica em forma de pensamento. Agora, cada ser humano tem acesso, sem intermediários, a esses pensamentos, pela própria evolução do pensar. Todos os homens podem, por meio do pensar claro, racional, atingir uma consciência plena, desperta, que lhe possibilita formar seu próprio julgamento, seu próprio ponto de vista, pondo em prática seu livre arbítrio. O livre arbítrio só é real quando fazemos, em liberdade, uma opção consciente e também amamos com as conseqüências de nossos atos.
Temos duas opções fundamentais: deixar-nos levar pelas tentações dos espíritos oponentes a Deus ou buscar conscientemente as forças micaélicas em nós e lutar contra as tentações do “dragão”.
Olhando para o momento universal,não é difícil identificar como a humanidade está perdida em sua inexperiência de lidar com a liberdade, situação nova para ela. O “dragão” se aproveita desta inexperiência, desta falta de conhecimento e consciência dos homens, instalando-se na alma humana, tomando o lugar do EU. Assim se toma o regente da vida anímica, guiando o homem conforme seus interesses, distanciando-se cada vez mais do caminho iluminado por Cristo. A luta de Micael com o dragão se repete a cada hora, a cada minuto em cada um de nós e tende a se tomar cada vez mais ferrenha no futuro.
Nós, pais, educadores e professores temos a responsabilidade de criar as condições propícias para que as individualidades, hoje crianças, sejam preparadas para carregar em si mesmas as moralidades e a coragem de lutar pela verdade e por uma nova ordem social. É por isso que, na Pedagogia Waldorf, damos tanta importância à festa de Micael.
Desde 1879, Micael é o regente de nossa época cultural, e Rudolf Steiner implantou o impulso renovador da Pedagogia Waldorf como sendo um impulso inspirado por Micael, que visa suprir as necessidades para o futuro da humanidade.
E óbvio que os aspectos considerados acima não são levados dessa forma aos alunos. São aspectos que devem viver na consciência dos professores quando estes trazem versos, canções, lendas e histórias que falam de Micael, de São Jorge, de Joana D’Arc e outros representantes do impulso micaélico.
(extraído da Revista Nós 1998 – Escola Waldorf Rudolf Steiner)