Textos Comunidade de Cristãos
Micael e o "Mundo dos Povos"
O QUE É UM POVO?
“Povo” e “nação” são conceitos básicos também da teologia cristã. Designam uma realidade, cujo papel importante na evolução da humanidade se torna visível especialmente no Apocalipse. É evidente que o sentido destes dois conceitos, como usados no Novo Testamento, é diferente daquilo que, por exemplo, um jornalista ou sociólogo moderno entende por “povo” ou “nação”. O grego bíblico usa a palavra “ethnoi”, porém, não significa apenas “povos, nações”, mas também os pagãos! O que, aliás, já não é mais tão surpreendente, se considerarmos que as palavras “gente” e “gentios”, ambas oriundas da mesma raiz latina, também refletem esta relação – no hebraico “goyim” significa tanto “os povos” como “os pagãos”.
O vocábulo grego “Laos”, que se encontra com freqüência no Novo Testamento, significa “povo escolhido pela divindade” ou “povo sagrado”. Entre “ethnos” e “Laos” há uma relação entre o povo de Israel e os outros povos, ou seja, os “goyim” – tensão que passa por uma metamorfose no momento em que o cristianismo entra na evolução da humanidade, como veremos mais adiante. – Para compreender-mos a fundo a posição cristã diante dessas questões, é preciso esclarecer antes quais são as realidades espirituais que atuam no “mundo dos povos” até hoje.
OS ESPIRITOS-GUIAS
Cada povo possui algo como um “corpo”, isto é, um conjunto complexo de diversos fatores: elementos geográficos e geológicos do seu território, qualidades hereditárias da população; o sistema da agricultura, urbanização de vias publicas etc... Além disso, possui seu “temperamento”, isto é, o total das forças vitais que atuam na sua formação; a distribuição específica dos quatro tipos básicos do “éter” no território do povo cria a atmosfera inconfundível de uma determinada paisagem, sendo que o conceito “paisagem” marca justamente a transição do meramente físico-que chamamos de “território” – para o nível das forças elétricas ou vitais. Naturalmente, este “temperamento” se exprime também nos costumes, no folclore e na índole do povo.
A alma do povo vivenciamos nas obras de cultura: arte, literatura, arquitetura, bem como na consciência histórica em geral, na mitologia, no idioma e nos anseios e aspirações coletivos do povo.
Rudolf Steiner foi, a nosso ver, o primeiro a expor o que são, afinal, os espíritos dos povos: trata-se de determinados seres espirituais, pertencentes á ordem hierárquica dos arcanjos. Estes espíritos-guias encontram, entretanto, diversas condições nos seus respectivos “corpos”...
Na Ásia, predominam a base hereditária e a religião de cada nação. Lá vemos muitos povos com uma religião própria: o Confucionismo na China, o Shintoísmo no Japão, o hinduísmo na Índia, o Zoroatismo na Pérsia; por outro lado, um japonês, um malaio, um árabe são nitidamente distintos pelas propriedades da pele, do cabelo, da fisionomia.
No ocidente, isto é, nas duas Américas, ao contrário, os povos consistem de uma mistura de várias raças. Lá é a terra que desempenha um papel integrante: a tarefa do convívio num dado espaço, determinado pelos fatos geográficos, econômicos e históricos.
Entre os povos europeus predomina a dimensão do tempo, ou seja, a história como tal. Lá é (ou deveria ser) a responsabilidade pelo passado e a consciência de ter uma missão futura que uma a nação interiormente. – Este quadro “tripartido” do mundo dos povos não significa que as respectivas bases da formação de um povo, no oriente, no ocidente ou no centro, atuem só em uma parte da humanidade, e não nas outras; o que nós queríamos mostrar é a maneira como princípios diferentes predominam em certas regiões. – Existem, então, muitos povos no nosso mundo – mas existe apenas um Estado! Na verdade não existem Estados diferentes. O Estado, como instituição, não é idêntico ao povo que, eventualmente, se organiza nele. A forma do Estado se desenvolveu no lugar das antigas teocracias, seguindo o exemplo histórico do império romano. O Estado também é um conceito teológico, ou melhor, apocalíptico, porém não tem nada a ver com a essência espiritual dos povos.
HÁ POVOS ESCOLHIDOS?
O Antigo Testamento narra como a transição hereditária, a religião, a história, o reino, até a vida jurídica e econômica de um só povo, foram sagrados pelo objetivo de criar o vaso para a encarnação do Verbo Divino. Teologicamente, isso significa: o “Povo dos Povos” conduz, a partir do “Pai” – que atua na corrente hereditária – até o “Filho do homem”, sendo este último o representante da Humanidade unida pelo destino terrestre. É nesse sentido que o termo “Laos” do Novo testamento pode ser atribuído, no seu significado mais estreito, ao povo judeu.
O “Filho do Homem” coincide, antropologicamente, com a “alma da consciência” (v. “Teosofia” de R. Steiner) em que o “Eu” humano adquire seu pleno vigor e realidade. E o “Eu” nos dá a possibilidade de sermos, além de representantes de um determinado povo, aspirantes para a “Humanidade Unida”, o que, aliás, seria uma boa tradução do termo tradicional latino “Una Sancta”.
Em certas características do povo russo pressentimos o amanhecer de uma evolução futura que guiar-nos-á do Deus Filho, ou seja, do Filho do homem para o “Eu Espiritual”, a manifestação antropológica do Espírito Santo. Ao revelar este fato comovente, R. Steiner faz questão de lembrar que uma tal missão não é, para o respectivo povo, razão para altivez ou, até mesmo, “chauvinismo espiritual”, mas sim para humilde e responsabilidade. E esta missão, como justamente a História Russa mostra, pode envolver grandes sofrimentos.
COMO SE RELACIONAR COM SEU PRÓPRIO POVO?
Logo que reconhecemos o arcanjo, o espírito-guia, como origem dos impulsos do povo a que pertencemos, surgem as seguintes perguntas: quais são os intentos do “meu” arcanjo? Qual é a sua relação para com o Cristo? O meu povo já está disposto a transformar-se de “ethnos” em “Laos”, isto é, de cumprir sua missão como integrante da Humanidade toda, na época atual? Estas perguntas marcam o nível em que, unicamente, os problemas prementes de nacionalismo etc., serão resolvidos.
Mas o quadro é mais complexo e mais entusiasmante ainda. – Na “Legenda áurea” do dominicano Jacobus de Voragine, escrita entre 1263 e 1273 d.C., lemos: o arcanjo Micael atuava na era pré- cristã especialmente no destino do povo judeu (embora não exclusivamente) e na época atual, ele quer despertar consciência da humanidade diante do mundo espiritual.
A decisão de ligar-se ou não ao arcanjo de um determinado povo é “opcional”, como a de ficar solteiro ou casar-se. O indivíduo tem plena liberdade de colocar, em primeiro lugar, sua responsabilidade diante da Humanidade toda e tornar-se, assim, um “Micaelita”, juntando-se á comitiva de Micael o Espírito regente na nossa época e seguindo, dessa maneira, a chamada feita no século passado, pelo filósofo J. G. Fichte – “Quem tem fé na espiritualidade e na liberdade do espírito, ansiando pela eterna evolução dessa espiritualidade livre, é da nossa estirpe e será nosso aliado.”
A opção para um determinado povo, entretanto, também deveria ser baseada em princípios ético-espirituais e incluir a prontidão de aceitar os resultados do fado passado do povo, bem como o esforço de reconhecer claramente as suas tarefas atuais e realizá-las, sentindo a responsabilidade pelo futuro. Visando esse caminho, é bom saber que o mundo dos povos, hoje, já não pode ser procurado no plano físico, mas sim no reino da beleza e dos valores culturais. ”Povo, isso significa: as riquezas da Humanidade, a síntese entre individualidade e universalidade. Até o menor entre todos os povos possui suas próprias cores, esconde uma semente singular que provém das idéias divinas”, diz Aleksander Solzhenitsin.
As belas e riquezas do “Mundo dos Povos”, agradecemos ao Pai. O Cristo, além de ser o “Novo Adão”, é o supremo Espírito-Guia do “Povo da Humanidade”, ao qual aponta o Arcanjo Micael. –“Mas vós sois a raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes as virtudes Daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; Vós, que outrora, não éreis povo, mas agora sois povo de Deus.” (1. Petr. 2, 9-10)