Textos Diversos
Ascensão - Comentários de Brigitte Barz aos seis quadros da Pasta de Festas Anuais
Vida em CONJUNTO (comunidade)
Primeiro Quadro
O livro de periscópios denominado “Egbert Codex” foi feito entre 980 e 993. Um livro de periscópios contém a seqüência correspondente às leituras de trechos dos evangelhos durante as missas. As miniaturas contidas neste livro representam uma culminação de antigas pinturas em livros, impulsionadas pelos conventos da Ilha de Reichenau. Esta representação de Pentecostes é uma das poucas de página inteira neste manuscrito.
A miniatura traz uma inscrição em letras douradas, que traduzida significa:
O espírito instrui-os; ele queima com línguas e fogo.
Vida em conjunto
Eis que os povos se reúnem trêmulos.
Sete dos doze apóstolos que formam a comunidade primordial estão sentados em um banco uno que é formado por degraus, e os cinco outros, de pé, olham através de sete vãos de arcadas para dentro do recinto. O pintor distribui os apóstolos em sete casas. Tomou o número sete para indicar, na simbologia da linguagem da Idade Média: o atuar e o querer divino querem ligar-se ao atuar e querer humano. Entre outros, colocava-se este significado no número sete. Ele também é o número no qual os ritmos dos tempos podem se revelar. O Espírito Santo submergiu, partindo da eternidade, para dentro do ritmo da temporalidade terrena.
Os arcos têm um fundo azul e verde que se alteram. Também este fato quer mostrar certa afirmação. Se azul e verde surgem juntos, então conforme aquela época, é dada a indicação que leva em direção a Cristo. Pentecostes, a missão do Espírito Santo, só pode realizar-se, se estiver baseada na atuação anterior do Cristo.
No meio, próximo a moldura superior, são visíveis doze raios dourados do espírito Santo que surgem de uma mesma fonte. Eles agem de tal modo que os apóstolos elevam suas mãos adorando e anunciando. Eles querem levar o que receberam às outras pessoas.
Na composição do quadro forma-se uma unidade com os apóstolos que estão em semicírculo e, também em semicírculo as pessoas que deles se aproximam. As pessoas chegam excitadas, sensibilizadas. São representantes dos povos. Elas ouvem, olham e chamam a atenção, uma às outras, para com o que percebam. Estão eretas, com os pés calçados, em cima de um solo que parece em movimento, o que contrasta com o banco visto acima. Quem usa sapatos, protege-se do pó da terra, surge então como senhor. Nos salmos encontramos os sapatos mencionados como sinal de poder (60,10 e 108,10).
No centro do quadro encontra-se uma mesa de oito lados. Pode-se, pois, chegar até ela de várias direções. Pode-se carregar a mesa pelas suas duas alças. Assim ela pode ser colocada no centro a partir de qualquer lugar. No fundo azul celeste da mesa estão muitos pãezinhos dourados. O “pão celestial”, o pão da vida eterna, pode ser recebido por todos que se queiram aproximar.
A partir de um impulso Pentecostal corretamente entendido, surgirá uma vida em conjunto (comunidade) para dentro de uma futura forma social.
Já no antigo cristianismo primordial foi possível concretizar um pouco disto em imagens primordiais. Isto nos relatam os Atos dos Apóstolos.
O evento de Pentecostes primeiramente sensibilizou a comunidade primordial dos apóstolos formada pelo Cristo. Mas logo se ampliou com outras pessoas e quer levar todas a unirem-se em volta de um ponto central da vida em conjunto (comunidade)
AS SETE DÁDIVAS
Segundo Quadro
Henrique, o Leão deu a incumbência para que fosse feito este livro de Evangelhos, muito precioso e extremamente bem conservado, de alto valor artístico. Foi feito por volta de 1180 para a grande Igreja de Braunschweig, e era utilizado somente por ocasião de grandes festas eclesiásticas. Isto explica a sua boa condição exterior. O recente reaparecimento do livro, após longo tempo desaparecido chamou grande atenção.
Este quadro de Pentecostes contém uma imensidade de detalhes. Mas não resultam em caos, pois tudo está perpassado de uma ordem clara, cunhada por elementos que surgem ritmicamente com a cooperação da simetria. O quadro é membrado em três níveis. Embaixo as pessoas estão sentadas; no meio há sete pombas e o ambiente de cima está restrito ao acontecimento espiritual.
Os apóstolos estão sentados em duas carreiras e Maria dominando em seu meio. Encontram-se muitas representações onde Maria tem lugar de destaque. Olhando-se para ela não somente como símbolo da igreja, mas como representante da alma humana que se abre à atenção do espírito, então justifica-se plenamente este lugar central.
O artista tentou da uma forma bem individual a cada um. Nenhum se iguala ao outro desde a vestimenta, o penteado até as diferentemente coloridas auréolas (halos) que apresentam, em parte, delicadas estruturas. A humanidade como um todo pode-se ver representada no número doze dos apóstolos escolhidos por Cristo (Matias fora sorteado para ficar no lugar de Judas Iscariotes). Cada apóstolos segura um livro em suas mãos. Todos têm algo a ser anunciado, a participar a palavra de Deus. Maria eleva as mãos em posição de oração.
Aquilo que deve ser passado à humanidade tem sua origem no espiritual. Na porte suporte do quadro vê-se a mão de Deus abençoado. É a mão esquerda pela qual, conforme tradições antigas sentia-se fluir até a humanidade, a justiça e a dignidade divina. É pois a mão apropriada ao evento de Pentecostes ao considerar-se a justiça não de modo jurídico, mas no sentido de “veracidade perante Deus”.
Uma benção séptupla irradia desta mão. Ao fluir para baixo, o fluxo torna-se cada vez mais largo e possante e desemboca na imagem das sete pombas brancas. As pombas, desde o batismo do Cristo no rio Jordão, é uma imagem verdadeira do Espírito Santo; trazem as cabecinhas voltadas para baixo. Estão a caminho descendente e não pairam sobre os apóstolos, mas querem levar as suas dádivas até eles, desembocam neles. Já o profeta Isaias (112-3) anunciou que o Espírito Santo será vivenciado de forma séptupla. Na Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento, são mencionadas as sete dádivas: Espírito da sabedoria e do entendimento, do conselho e da força, do reconhecimento, do temor perante Deus. As sete dádivas estão inscritas acima das pombas. Goethe ficou muito impressionado com o Hino de Pentecostes de Hrabanus Maurus (que menciona como agem no ser humano estas sete dádivas) e em sua obra escrita quando idoso, foi intensamente influenciado por este texto traduzido para o alemão.
No mesmo nível do fluxo espiritual descendente, no quadro estão de pé o rei Davi (à esquerda) e o rei Salomão. Ambos estiveram abertos de modo bem especial à atuação do feito do espírito Santo enquanto viviam. Davi em seus salmos e Salomão em sua sabedoria e justiça proverbiais. Os reis seguram uma faixa.
Na de Davi lê-se: FLUMINIS IMPETUS LETIFICAT CIVITATEN DEI – o fluir do rio faz a cidade de Deus frutífera.
TERRA, TU QUERIDA, EU QUERO
Terceiro Quadro
Também esta representação de pentecostes é ilustração de um livro. Chama a atenção quantas vezes, justamente o acontecimento pentecostal aparece em livros usados na vida cúltica ou de oração. Assim também este saltério inglês do início do século XIII contém uma ilustração tão expressiva. Com “saltério” denomina-se inicialmente os livros de orações destinados ao uso em monastérios que, além de conterem algumas orações, continham principalmente os 150 salmos.
Na ilustração aparece principalmente o fundo dourado. Um fundo dourado sempre indica também o que não é passageiro num acontecimento, aquilo que é eterno. Quanto ao aspecto do tempo no qual se realizou a missão do Espírito, surgiu a eternidade.
Não somente o tempo, também o espaço foi trazido de um modo especial. Apesar dos apóstolos estarem sentados em um banco, num aposento por colunas estreitas, a impressão preponderante é de estar independente do espaço terreno. A composição nos faz movimentar-nos interiormente tanto quanto ao tempo como ao espaço, e nos induz a entrar nos entendendo o campo de tensão do “tanto-como-também”
Mais uma vez o pintor esforçou-se neste quadro ao desenhar cada apóstolo de modo individual. Ao entrar em contato com o Espírito, todos eles entraram em movimento, cada um vivenciando algo. Suas vivências possuem um fundo em conjunto. Pois os doze raios de fogo saem do bico da pomba branca, cuja forma de asas são constituídas pelas camadas de nuvens em movimentado ritmizados. Pela “boca” da pomba os apóstolos ficaram sabendo do chamado interior do Espírito.
Como em muitos quadros, também aqui os discípulos estão descalços. Estar calçado sempre significa que chega como senhores. Os discípulos que querem servir ao Cristo, que experimentam o “lava-pés” não querem aparecer como senhores, querem sim, servir, repletos de dedicação perante a Terra. Também os anjos, que se colocam inteiramente na vontade divina, geralmente são apresentados sem sapatos. Perante a sarça ardente foi dito a Moisés: “Tire os sapatos dos pés; pois o lugar em que estás de pé é terra santificada”. (2º Moisés 3,5). Foi através do Cristo que toda a Terra se tornou novamente um lugar sagrado.
Sob os pés dos discípulos há uma imagem da terra sobre a qual crescem três árvores estilizadas. A terra e toda a natureza esperam por aquilo que lhe flui da cristandade dos seres humanos. Pela experiência de Paulo “toda a criação espera com grande saudade ansiosa de que na humanidade comecem a luzir de Deus no interior das pessoas (Romanos 8;9).
A Terra não tem sede somente pela chuva das nuvens, porém, também pela benção que lhe poderá advir pelo ser humano. A “revivificação da vivência terrena que está morrendo” (como diz o credo da Comunidade de Cristãos) é uma das tarefas futuras dos cristãos e deve ser abarcada conscientemente.
(... verso de Rudolf Steiner)
Neste quadro de Pentecostes há a alusão de uma maravilhosa cidade acima das nuvens. Talvez seja um mundo futuro, a Jerusalém Celestial, a qual já podemos ajudar a construir desde já.
Na de Salomão: FONS ORTORUM PUTEUS AQUARUM VIV (ENTIUM) – Nascente do jardim, poço de água viva. (Cântico dos Cânticos – Salomão 4,15 – “A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano.).
Em relação a este acontecimento ambas as frases remetem à atuação do Espírito Santo que também acontecerá no futuro, pois na mencionada cidade divina podemos intuir uma indicação da Jerusalém Celestial, que será edificada com as ações da humanidade.
Dos quatro cantos da ilustração mais pessoas dos tempos passados assistem ao acontecimento. Em cima os dois cantores do tempo de Davi que serviam no templo, Asaph e Ydithum, que levam Deus com versos de salmos (33,6 e 104,30). Embaixo os profetas Joel e Zacharias indicam o acontecimento (em Joel 3,2 e Zacharias 4,10). Profetas na época pré-cristã eram pessoas através de cujas consciências a Espírito Santo pode atuar.
O pano de fundo do quadro é determinado por azul e verde. É uma combinação de cores que já vimos no Códice de Edbert, e que remete ao Cristo, sem o qual o fluir do espírito para Terra não poderia ter acontecido, nem naquela época, nem hoje em dia.
(Comentários de Brigitte Barz os seis quadros da Pasta de Festas Anuais. Editora Urachhaus – Stuttgart – 1991 IBSN 3 87838 633 8 )