Textos Comunidade de Cristãos
O Atuar de Cristo sobre a Terra - Transfiguração – Ascensão – Segundo Advento ( Friedrich Benesch)
Transfiguração sobre o monte: Formação de Nuvem. Podemos lembrar talvez, no plano sensorial, como metáfora, os maravilhosos germens de nuvens que descrevi ontem à tarde. No céu azul da primavera se formam as pequenas nuvens de “cúmulo humilis”, arredondadas, luminosas, às vezes em grandes grupos, que debaixo de certas circunstâncias podem converter-se em uma gigantesca nuvem de tormenta elétrica. Se forma algo no âmbito intermediário, no reino dos céus, que está destinado para a terra.
Agora sabemos pois, que o seguinte acontecimento cristológico é a entrada em Jerusalém, o Domingo de Ramos. Alguns gregos apresentam a pergunta decisiva para a essência de Cristo. Querem que Ele se lhes revele. O querem ver. Então suplica Ele pela glorificação do nome do Deus Pai. E das alturas resona a voz do Pai. Alguns dos presentes dizem que trovejou (São João 12, 29). O gérmen da nuvem que se formou durante a transfiguração se condensou entretanto, adquiriu uma potência que os homens não percebem, mas que podem ouvir. Uma tormenta se desencadeia nas alturas cósmicas e baixa os seus efeitos de modo especial até a constituição física de Jesus na Terra. Agora Ele pode dizer que o Príncipe deste mundo foi expulso do âmbito que antes acreditou possuir, o âmbito da corporalidade humana.
Distintos presentes, neste instante lançamos uma olhada retrospectiva para a tentação do poder luciférico, oferecendo a Cristo todas as glórias dos reinos - já ocupados - deste mundo, somente adorando este poder luciférico. Mas a resposta do Cristo era que Ele considerava como sua tarefa, entrar na Terra mesma, para trabalhar aí entre os seres e entre as regiões de sua estrutura. Pois só assim pode Ele ajudar ao mundo sem intervir em sua liberdade.
O outro poder adversário o “Príncipe deste mundo”, vê como Cristo entrou em seu reino. Este reino é também o reino da morte, cuja capacidade universal consiste em separar o unido; é o oposto do que quer Cristo, que quer viver entre um e outro ser para unir, para mediar, para ser o agente da “suave transição”; a morte desenvolve sua eficácia em desunir o composto até o pó da matéria. O poder da morte não consiste somente em separar o unido - isso acontece no falecimento de todo indivíduo - mas sim também quando separa algo de sua origem a qual realmente pertence. Ela é capaz de alienar um ser de si mesmo provocando a atrofia e morte de seu desígnio. Se tem a impressão de que também a ação das forças da morte trabalha de certo modo entre as linhas da existência, mas em sentido oposto, separando e cortando; ela isola, endurece, contrai; gela e pulveriza.
Que ocorre agora quando o ser da morte tem que experimentar que o Cristo baixa ao precipício da decomposição, da desunião e separação? Cristo até afirma que é seu reino que o adversário ocupou ilegitimamente. O adversário já cumpriu seu serviço no mundo, e Ele entra no reino que era seu desde a origem. Entra no reino intermediário da morte.
No mistério central do Gólgota penetra a entidade divina de Cristo na esfera da morte, no processo mesmo da morte que cria distâncias, separações. Ele aprende estas distâncias, estes precipícios, entra neles e os incorpora em si. E ao incorporá-los transforma a morte, a separação, na “transição, o suave”, as transforma no que une, media, sana e liga. A morte mesma é apreendida e vencida em sua essência mais profunda. Só Cristo pode realizar isto, pois seu ser forma parte substancial desde a origem das origens dos “âmbitos intermediários” em que se havia instalado a morte.
Rudolf Steiner expressou uma vez que a luta com a morte, a penetração na esfera da morte, este recolher do nada, do espaço e o alcançar o espaço intermediário com vida que une e cura, foi algo tão fundamental que no começo o resultado ainda foi indefinido. Mas Cristo venceu. Em que consiste esta vitória? Cristo venceu a morte mantendo unidas a matéria antes lançada para a morte para abaixo da desintegração - e a vida - antes arrancada para as alturas do mundo espiritual com o falecimento de uma pessoa; e isso passou de tal modo que a força deste corpo vital, purificado e à volta do luminoso e solar na transfiguração, havia adquirido a capacidade de apoderar-se da matéria e transubstanciar-la. A matéria era espiritualizada por Ele e incorporada a seu ser, de maneira que Ele só deixava o pó, as cinzas deste fogo nas profundidades da Terra. A luta pela ressurreição foi um processo substancial-corporal, em cujo transcurso Ele penetrou na esfera da morte, para desenvolver aí a força que cura, une e cria vida e para espiritualizar a matéria deste corpo humano com o fim de que lhe seja restituída a figura arquetípica da corporalidade humana. A matéria voltou a ser luminosa.
Não creio que alguém pintou esta transformação melhor que Matthias Grünewald em seu altar de Isenheim. Neste podemos observar com nossos próprios olhos como a aura, a aura consciente do Ressuscitado - esverdeado no exterior, depois vermelho, amarelo, rosa e púrpura - dá a impressão de que o rosto, os olhos, também a barba parecem estar em contínua formação, e ao mesmo tempo é como se não existissem. Este mestre conseguiu realmente pintar o acontecimento com cores físicas de maneira que se fez perceptível para a vista: o Ressuscitado não é só o “Ressuscitado”, mas é a força da ressurreição mesma; é a potência, capaz de conservar a figura humana, o poder capaz de espiritualizar a matéria para dentro desta figura humana mediante uma consciência que nunca havia perdido a ligação com o Pai.
Esta ligação foi fundamento de sua vitória. Embora tivesse que penetrar na esfera da morte, não se produziu nunca uma alienação de sua essência espiritual para com o Pai; e devido a isto o adversário já não teve poder sobre ele.
Depois de observar no quadro de Grünewald como pinta a aura solar, que, pode-se dizer assim, representa a consciência universal de Cristo, dirigimos nosso olhar também às cores que recebem o vestido elevado da sepultura pelo vento. Aí não há verde, mas púrpura, aí há vermelho, amarelo dourado, laranja, violeta azulado, toda a plenitude anímica deste ser, que conseguiu a vitória por ter sido capaz de sentir compreensão até com a morte mesma.
Não há, em realidade, nenhuma nuance de sentimento que não foi conhecido por Cristo, até o da morte mesma. Quer dizer: Ele transformou a morte em vida: Ele venceu a morte desde dentro, porque foi capaz de sentir com ela. Logo observamos a corporeidade dos estigmas. Precisamente as feridas são o lugar em que atua o pleno poder da ressurreição, o pleno poder de formar e de dissolver corporalidade. Precisamente aqueles pontos em que o corpo físico sofreu feridas, foram os lugares em que a formação do corpo, a condensação das forças espirituais, puderam ser tão fortes que o discípulo Tomás conseguiu palpá-las fisicamente.
Foi criado um centro próprio de gravidade cósmica totalmente novo; não o absorvem nem as distâncias espirituais, nem o sujeita o peso das profundidades terrestres; Ele se sustenta totalmente livre, uma consciência universal que está unida com o Pai, um sentir universal que até compreende o adversário, a morte. Cristo salva a figura humana da morte, de tal modo que possui poder para formar um corpo e para desintegrar um corpo, coma as nuvens no âmbito sensorial: formação de nuvens - dissolução de nuvens; da mesma maneira se forma e dissolve agora o corpo do Ressuscitado, que é em verdade a ressurreição mesma.
O Ressuscitado é a ressurreição, e a ressurreição é o verdadeiro: o mistério real do reino dos céus, do reino de Cristo que chegou a terra. Este reino não tem só sol, também tem nuvens. Tudo o que Ele viveu, fez, ensinou, sofreu sobre a terra, não se distanciou Dele depois dos três dias, mas ao contrário; se condensou ao redor Dele nas cenas de sua vida sobre a terra - o verdadeiro Evangelho. Ao redor Dele se mantém intactas estas cenas, como nuvens ao redor do sol. São as “figuras das nuvens” de seu caminho terrenal e de seus feitos sobre a terra que Ele confirmou e agora este é seu reino, o reino de Cristo sobre a terra: entre fogo, ar, água, terra, mineral, planta, flor, mariposa, animal, homem, nuvem, pai, mãe, criança, irmão, irmã, pensar, sentir e querer em todas as partes.
Assim entendemos a expressão de Novalis: “Penetre Ele a estrutura de nossa Terra.” Onde podíamos sentir a presença de Cristo, mas aí aonde está? “Que ele lhe falte, sinta, forme.” Para captar este reino misterioso que uma vez se chama Galiléia, outra vez o reino dos céus, uma terceira vez o reino de Deus, uma quarta vez o reino das idéias eternas, uma quinta vez o país Shambala, devemos desenvolver a vidência do coração. Este reino existiu sempre, mas ainda não se havia concretizado. Pois depois dos 40 dias em que o Ressuscitado realizava continuamente a ressurreição, aparece de novo a nuvem. Os discípulos observam desde o alto do monte como se forma. O Ressuscitado se eleva a nuvem; com outras palavras, a ressurreição passa agora a ser das nuvens. A ressurreição em sua conseqüência é como força, se transforma agora dentro da vida das nuvens no domínio das forças celestiais na Terra. O Ressuscitado, depois dos 40 dias, entra no âmbito espiritual e germinante da formação das nuvens que já começou na transfiguração, e agora está novamente presente. Esta formação o acolhe para fazer-lo acessível a toda a humanidade, a toda a terra até os confins do mundo. Ele passa a ser das nuvens, “aos céus” (Atos dos Apóstolos), o que de repente o faz invisível aos homens, mas os faz experimentar as conseqüências deste fato espiritual. E os testemunhos contidos nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos assinalam às cenas e imagens diferentes do mesmo âmbito. A realidade espiritual da montanha alta na Galiléia em São Mateus, a fonte de todo poder nos céus e sobre a terra, o lugar a direita de Deus em São Marcos, a ascensão ao céu junto com a benção em São Lucas e os livros que não cabem no mundo em São João, todos são aspectos espirituais diferentes do mesmo âmbito que nos Atos dos Apóstolos se chama nuvem. A diversidade das versões se relaciona com os homens que experimentaram os acontecimentos e os relataram.
A primeira conseqüência que tem a ascensão aos céus consiste em que Ele transmite irradiante a consciência e o saber, desde este âmbito das nuvens, de repente invisível e inacessível: Envia desde o ser das nuvens, dez dias depois da ascensão aos céus, o Espírito do conhecimento, o espírito da compreensão. A primeira conseqüência da Ascensão aos céus é o derramamento do Espírito Santo sobre cada um individualmente. Assim podemos prevenir paulatinamente o que significa que este ser começa a abarcar a toda humanidade, a terra inteira; o envio do Espírito se individualiza em cada ser humano, na vida anímica, na consciência, no conhecimento e na compreensão espiritual superior.
Assim o homem também nota que o estado de alerta espiritual que experimenta, só é possível porque ao mesmo tempo segue o segundo dom da Ascensão: O ser de Cristo entrou na parte consciente da alma, quer dizer, novamente em cada um dos seres humanos. Tratemos uma vez de vivenciar intuitiva e prudentemente o que significa para o Cristo morrer, despedaçar- se dentro da essência mais profunda e inconsciente de cada indivíduo, para em seguida brindar, desde a esfera do espírito, a cada um dos homens a força individual da compreensão. É uma interação no homem mesmo, entre sua vida anímica consciente e inconsciente.
O terceiro dom distribuído pela Ascensão se manifesta em cada culto em que Cristo sacrifica sua corporalidade no pão que se parte sobre o altar e no vinho do cálice. Isto passa de Julgar a lugar, sobre toda terra; em cada culto, Cristo se individualiza para a comunidade presente: Na comunhão esta corporalidade entra em cada um que o deseja, pois nós recebemos corpo e sangue de Cristo em forma individual.
E, finalmente se revela um quarto derivado da Ascensão. Se no homem trabalha uma consciência clara acerca do fato de que a parte inconsciente de sua alma está engrandecida de Cristo, e ademais trabalha nele aquele que ascende a sua consciência ao converter-se em cristão crente; e se em terceira instância se sente animado do que capta quando se faz cristão que compreende sua fé, então se produz virtualmente a possibilidade que a imagem, a figura do Ressuscitado pode formar-se e aparecer-lhe desde a “nuvem” em qualquer momento e em cada lugar da terra. Este acontecimento o caracterizamos como o segundo advento de Cristo no ser das nuvens.
O primeiro dom da Ascensão: o envio do espírito pelo Filho se realiza para a consciência do homem.
O segundo dom: as forças de vida de Cristo são levadas ao inconsciente do ser humano, e este pode perceber animicamente a convivência com os dons. Se forma a força da fé.
O terceiro dom: os homens podem celebrar o culto cristão e receber em pão e vinho o corpo individualizado e o sangue de Cristo.
O quarto dom: O Cristo pode aparecer a todo ser humano como aquele que retorna desde o ser das nuvens.
Se descobre que todo este ser das nuvens contém a força germinal da alma, a força germinal da cura e a força germinal da revelação, a última em dois sentidos: no da iluminação e no da aparição.
Assim nos acercamos ao quinto dom da Ascensão, correspondente mais ao futuro, que se baseia em que agora também a corporalidade humana poderá plasmar-se cada vez de novo, de modo que cada pessoa experimenta uma modificação das relações entre suas esferas espiritual, anímica e corporal. Isto começa com a respiração, passa ao pulso, ao sangue. Respiração e sangue fluem de outra maneira, o processo do metabolismo do homem se modifica paulatinamente: o homem participa das forças da ressurreição até na sua corporalidade.
E assim como nós, os homens, perceberemos no futuro o Ressuscitado como o que retorna nas nuvens - pois a nuvem aparece sempre aí aonde nos Evangelhos, nos Atos dos Apóstolos e no Apocalipse se fala do segundo advento de Cristo -, assim participaremos no futuro na transformação de nosso corpo humano na força da ressurreição. Isto acontece livre no mundo que é o reino dos céus; aquele reino do qual Ele disse: “Meu reino não é deste mundo”, e ao que Ele se referiu quando anunciou ao ladrão arrependido: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.
Quantos nomes, quantas aparências possui este reino! O reino de Deus sobre a terra é, graças à ascensão aos céus, algo que germina, tece e vive eternamente, algo que o homem pode descobrir seu próprio interior, que pode encontrar na natureza e que pode presentir na futura conformação da terra. E com isto também se abre o olhar até outro dom da Ascensão que abarca também ao ritmo da vida humana, mas que esta tarde só posso mencionar: é o modo como o reino de Cristo convive com as estações do ano na terra, convertendo-se assim na base para as festas.
Depois do que temos observado, a raiz de nossas investigações acerca das nuvens, o reino do “ser das nuvens”, podemos usar o conceito da “transição, o suave”, como uma espécie de chave para perceber, em forma íntima cada vez mais clara, aquele âmbito no qual Cristo convive conosco sobre a terra.
Distintos presentes, quando um sente sua atenção atraída por este âmbito, começa, por certo, a portar-se de maneira um pouco diferente frente a si mesmo, como também frente a outras pessoas. Não só intervêm “agressão e frustração” no trato com outras pessoas e consigo mesmo, mas também a reflexão sobre “o suave”. Nós adquirimos outra relação com nosso próprio corpo, com nossa alma, com nosso ser superior. Podemos manejar nossos pensamentos e sentimentos com mais liberdade se sabemos: se deixo que tudo se junte pela força da pura natureza, então não me encontro no caminho para o Cristo. Mas se intento plasmar com cuidado o “intermediário”, encontrar a transição livre e consciente de uma esfera a outra, então começa a trabalhar Cristo em mim. O mesmo vale para minha relação com meus semelhantes, para os vai e vem do comportamento social, quando consegue readquirir vida “o suave”. Pois: “Onde dois ou três se reúnem em meu nome, estou eu entre eles” (São Mateus 18, 20).
Como devemos a Goethe a expressão de “o suave” que explica e libera tanto, permitam-me que finalize ambas as conferências com suas palavras:
E quando estabelecermos diferenças
devemos de novo consentir
dons vivos ao separado
e alegrarmo-nos de uma vida que segue.
É quando o pintor e o poeta,
na ordem de Howard bem versados,
investigam desde cedo até tarde
a atmosfera em atenta observação.
Estabelecem riscos seguros
mas airosos mundos os concedem
a transição, o suave,
para que o captem, sintam, formem.
Livro: La Ascensión de Cristo, BENESCH, Friedrich.
Buenos Aires, Comunidad de Cristianos, 1983. 95p.
Trecho traduzido do capítulo II
O Atuar de Cristo Sobre a Terra
(Transfiguração, Ascensão, Segundo Advento).
Da página 40 a 50.
Edição do Grupo
Pró Comunidade de Cristãos de Curitiba
1996